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Como manter a saúde emocional em meio ao caos       
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A autocompaixão pode ser a chave para enfrentar a ansiedade e o medo.

Nos últimos 30 anos, a ciência juntou-se à filosofia e à espiritualidade dando lugar de destaque à compaixão como antídoto ao sofrimento. Em tempos de pandemia, cresceu exponencialmente o interesse sobre o tema. Ser compassivo é ser tocado pelo sofrimento, seja seu ou do outro, e ter o comprometimento de aliviá-lo e preveni-lo. Parece simples, mas aliviar e prevenir o sofrimento não é tão fácil e intuitivo quanto parece. Imagine que você está caminhando pela praia e se depara com uma criança sendo levada pela correnteza. Para salvar a criança, não basta atirar-se na água. Você precisa saber que deve nadar lateralmente à corrente, mesmo que isso signifique se afastar da praia em um primeiro momento. Quer dizer, para ser compassivo não basta ter coragem e boa intenção, também é necessário sabedoria. Certa vez, Albert Einstein declarou que se lhe fosse dado uma hora para resolver uma questão, gastaria 55 minutos refletindo sobre o problema e apenas 5 minutos imaginando soluções. É necessário entender a natureza, a função do problema para que possamos encontrar soluções efetivas. Da mesma forma, se queremos aliviar nosso sofrimento, precisamos entender o que está acontecendo, em primeiro lugar.

Cérebros em looping

Tememos as cepas e as mutações, o desemprego e o contágio, a nossa morte e a morte de quem amamos. Sentimos raiva, ansiedade e tristeza. Essas três emoções são características de um sistema neurofisiológico comum, o sistema de ameaça. Nesse sistema, a nossa atenção se volta para o perigo, para que possamos nos defender a partir dos comportamentos de luta ou fuga. Claro, se você estiver lidando com um tigre na selva, é mais vantajoso ficar atento a ele em vez de pensar no relatório que você precisa entregar semana que vem.

Mas quando falamos de preocupações que não se resolvem do dia para a noite, ficar obcecado com o problema é prejudicial. Quando funcionamos no sistema de ameaça, não conseguimos raciocinar com clareza e não conseguimos ser criativos. Assumimos a postura defensiva e prejudicamos a nossa saúde física e mental. Independente da ameaça ser real ou imaginária, ela funciona como um imã, atraindo a atenção a todo tempo. Quer fazer um teste? Feche os olhos e imagine o seu prato favorito, as cores, o cheiro, a textura da comida. Ficamos com água na boca porque o nosso cérebro responde a ideia da comida da mesma forma que ele responde à comida de fato. Ou seja, o medo de contrair a doença ou de estar com a doença, aciona o mesmo circuito neurofisiológico.

Quando nos sentimos ameaçados ficamos obcecados com a ideia que nos assombra, supervalorizamos informações que confirmem as nossas preocupações, ficamos mais sugestionáveis, menos racionais e menos capazes de ver a situação por ângulos diferentes. O sistema de ameaça estimula pensamentos, conversas e consumo de informação que retroalimentam o próprio sistema de ameaça, em um looping onde o desespero gera mais desespero.

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A autocompaixão como caminho para a segurança

Para compreender como a compaixão pode nos ajudar, precisamos entender como ela opera na nossa fisiologia. Os seres humanos têm o desejo inato de aliviar o sofrimento. E esta motivação nos leva a comportamentos de cuidado com o outro e com nós mesmos. Quando somos cuidados, nos sentimos calmos e seguros. Mesmo que o consolo do amigo não resolva o seu problema, o conforto de sentir-se compreendido tira um caminhão das costas. Isso acontece porque sentir-se apoiado ativa o sistema neurofisiológico de afiliação e tranquilidade.

A frequência cardíaca diminui e há uma produção de ocitocina que neutraliza o sistema de ameaça. Ou seja, equilibramos o sistema de ameaça não lutando contra ele, mas ativando o sistema antagônico a ele. Quando pequenos, saímos do sistema de ameaça a partir do acolhimento dos nossos pais. Isso não muda quando nos tornamos adultos. O que muda enquanto adultos é que nos tornamos capazes de agir para produzir segurança quando cuidamos do outro ou de nós mesmos. De fato, a base da autocompaixão é funcionarmos como bons pais (ou melhores amigos) para nós mesmos, estimulando o nosso sistema de afiliação quando necessário.

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Neutralizando o sistema de ameaça

Não escolhemos estar em pânico e é natural que estejamos apavorados. Porém, é nossa responsabilidade regular as nossas emoções. Podemos fazer isso estimulando o nosso sistema de afiliação a partir do autocuidado. Abaixo estão 7 ideias com embasamento científico e que podem ampliar o seu repertório.

  1. Em momentos difíceis, pratique a pausa da autocompaixão | Kristin Neff, pesquisadora referência no tema, operacionalizou autocompaixão com três elementos: mindfulness, humanidade comum e autogentileza. Nos momentos difíceis, faça uma pausa, e passe mentalmente por cada um deles. Primeiro investigue sua experiência com mindfulness, ou seja, com curiosidade e abertura em vez de negar o sofrimento ou lamentar excessivamente. Segundo, lembre-se da sua humanidade e do entendimento que o sofrimento é inerente à condição humana. Ou seja, se você está nervoso, triste ou ansioso, não significa que tenha algo de errado com você. É natural operarmos no nosso sistema de ameaça quando nos sentimos em perigo. Quando você entende que as suas dificuldades são parte da experiência comum, e não provas de incompetência ou fraqueza, fica mais fácil acolher o que você sente com o terceiro elemento da autocompaixão, a autogentileza.
  2. Valide seus sentimentos | Você já notou que tendemos a nos abrir com quem compreende o que sentimos? Nos sentimos seguros quando o outro reconhece o que se passa dentro de nós. Mesmo que você não goste do que sente, pense sobre como as suas experiências de vida justificam seus sentimentos. Isso não significa que você vai ficar preso ao que sente, pelo contrário. Quando você oferece compreensão a si mesmo, você estimula sentimentos de segurança que neutralizam o sistema de ameaça.
  3. Acalme a sua fisiologia com o toque e a respiração | Os pensamentos são capazes de afetar o corpo, por exemplo produzindo taquicardia quando estamos ansiosos. Da mesma forma, o estado corporal afeta o funcionamento da mente. Quando nos sentimos ameaçados, nossos pensamentos são capturados pela ideia que nos assombra. Portanto, em vez de usar os pensamentos para ficar mais calmo, use o corpo para acalmar a mente. Uma das formas de fazer isso, é ter o hábito de respirar profundamente por três minutos algumas vezes durante o dia. Lembre-se de fazer expirações tão ou mais longas que a inspiração, isso é importante para ativar o sistema nervoso parassimpático. Enquanto respira, você pode também usar o toque, colocando as mãos sobre o coração ou outra parte do seu corpo que te comunique segurança.
  4. Fale com você mesmo como você falaria com um amigo, literalmente | É mais fácil termos clareza, gentileza e sabedoria quando apoiamos o outro do que quando refletimos sobre os nossos próprios problemas. Isso acontece porque a distância emocional que temos em relação ao problema do outro nos permite avaliar a situação de forma mais objetiva, enquanto refletimos sobre nossos problemas a partir do sistema de ameaça. Portanto, pense sobre como você encorajaria ou apoiaria um amigo na mesma situação. E fale com você da mesma forma. Fale consigo usando o seu nome e pronomes em segunda ou terceira pessoa. Evidências científicas demonstram que, quando falamos com nós mesmos como se fossemos outra pessoa, somos mais capazes de lidar com situações emocionalmente desafiadoras e agir com mais sabedoria. Isso acontece porque a distância emocional estabelecida pela linguagem nos permite regular melhor o sistema de alarme.
  5. Limite o consumo de notícias e repense quem você segue nas redes sociais | Lembre-se que quando estamos no sistema de alarme, tendemos a consumir informações que alimentam o nosso medo, raiva e tristeza. Portanto, planeje a frequência que você pretende se engajar com notícias e com as redes sociais. Se possível, deixe de seguir conteúdos que prejudiquem seu estado emocional.
  6. Construa um kit autocompassivo |Experiências sensoriais são poderosos ativadores emocionais que podem te ajudar a estimular o sistema afiliativo. Podem fazer parte do seu kit objetos que te lembrem a experiência de cuidado e segurança, como por exemplo um óleo essencial com cheiro tranquilizador ou uma música calma e tranquila.
  7. Pratique meditações de autocompaixão | Não basta entender a autocompaixão. Precisamos sentir como é nos importar conosco. Como tudo na vida, ficamos melhores naquilo que praticamos. Exercitar a autocompaixão por meio da meditação ajuda a tornar a autocompaixão mais intuitiva nos momentos de dificuldade. ______________________________________________________________________________

Adriana Drulla é Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA), pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

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