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Como fazer detox de acordo com o Ayurveda?
Jordana Radiantly | Unsplash
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Podemos dizer que no Ayurveda também existem diferentes modalidades de detox, algumas mais, outras menos conhecidas aqui no Ocidente e é sobre isso que vamos conversar no artigo de hoje.

Detox é uma palavra que está na moda. Também, com tanta poluição, estresse e comida industrializada, o que não falta são maneiras da gente se intoxicar por aí. Diante disso, é natural que as pessoas procurem sucos, dietas, suplementos e rotinas (como a clássica água morna com limão de manhã) que prometem “limpar” o corpo dos excessos do dia a dia.

É importante dizer que ao invés de restringir esse texto apenas a receitas genéricas de detox, eu vou apresentar para você os três princípios básicos de tratamento do Ayurveda. Acredito que com a prática e o entendimento de alguns conceitos bem simples e fundamentais você será capaz de entender o que causa a intoxicação no corpo. E, assim, ter uma vida muito mais saudável.

Quando uma pessoa tem qualquer tipo de problema, o Ayurveda propõe três  princípios de tratamento. O primeiro deles é nidana parivarjana. Em sânscrito, nidana significa “a causa ou raiz de um problema”, e parivarjana significa algo como “parar de fazer”. Ou seja, o primeiro tratamento é enxergar a causa do problema e cessá-la.

Chute na parede

Um exemplo que sempre uso é a metáfora do chute na parede. Funciona assim: imagina que você acorda de manhã e sem querer dá um chute em algum móvel ou na parede. Seu pé começa a doer e você procura um médico que te  prescreve um analgésico para aliviar o sintoma. Eu pergunto: o seu problema foi solucionado com o analgésico? Não. Você pode, por enquanto, não sentir mais dor; mas o fator que gerou a dor permanece. Agora imagina que no dia seguinte você decide dar mais um chute na parede. Já livre da dor, graças ao analgésico, você percebe que chutar a parede até te ajuda a relaxar, pois descarrega sua tensão acumulada.

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Crédito: Dominik Martin | Unsplash

Então, munido do seu remédio que elimina a dor, você passa a chutar a parede três vezes por dia. Em resumo, você relaxa suas tensões e não sente os efeitos negativos desse ato de forma imediata. Você percebe como o analgésico não soluciona a causa do problema? E mais: ao interromper sua percepção de como o hábito de chutar a parede pode ser prejudicial, pode te possibilitar seguir com esse hábito até gerar problemas estruturais gravíssimos para o seu pé.

Raiz do problema

O primeiro tratamento do Ayurveda propõe algo que pode ser bastante óbvio mas que raramente é colocado na prática: que você simplesmente pare de chutar a parede e mude o hábito que está causando o problema. Parece simples, certo? Mas não é. Porque mudar hábitos é muito mais difícil do que simplesmente tomar uma cápsula (ou um suco detox!) que vai fazer você esquecer do problema por algum tempo. A verdade é que quase todo mundo tem pelo menos um chute na parede. Normalmente, o “chute” é aquilo que você faz sabendo que dá problema, mas ainda não consegue largar. Pode ser um vício em café, comer muito doce, passar horas maratonando aquele seriado, fumar…

Muitas vezes dá para descobrir o chute na parede de cada paciente já nos primeiros momentos da consulta. Isso não acontece porque eu tenho poderes especiais, mas porque o próprio paciente já me diz qual é o hábito que o impede de avançar na direção de uma vida mais saudável. “Olha, Matheus, você pode tirar tudo… menos o meu café!” Ouvir isso do paciente já me indica que há uma dependência com aquele hábito que precisa ser investigada. No fundo, ele sabe que o cafezinho de manhã é o que causa a azia durante o dia, que ataca a ansiedade… Ele sabe que faz mal, mas prefere tomar um remedinho e não ter que encarar a raiz do problema.

E você? Qual é o seu chute na parede?

Brigas em família

Agora que entendemos a primeira etapa do tratamento — parar a causa do problema — temos o segundo princípio de tratamento no Ayurveda: shamana cikitsa. O termo em sânscrito pode assustar, mas shamana cikitsa é quando apaziguamos o problema ainda dentro do próprio corpo. Isso acontece, por exemplo, se você está com uma indigestão e toma um chá de boldo para melhorar.

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Crédito: Engin Akyurt | Unsplash

Eu adoro usar metáforas, então aqui vai outra. Imagine uma festa de família em que de repente dois primos começam a discutir. Assim que os ânimos começam a ficar mais exaltados, vem aquela tia apaziguadora e acalma tudo, antes que a discussão evolua para uma briga mais séria. Então, tudo volta ao normal, sem maiores consequências e sem a necessidade de atitudes mais drásticas. É o que acontece nas terapias de shamana. Resolve-se o problema, normalmente ainda no início, de forma menos traumática e sem precisar colocar ninguém para fora da festa.

Além dos  chás, as terapias de shamana podem envolver a aplicação de óleo no corpo, o uso de compressas frias ou quentes, preparações medicinais diversas com compostos vegetais, minerais ou animais. Já o terceiro princípio é shodhana cikitsa. Sendo um processo de purificação, shodhana cikitsa é utilizado para retirar o problema do corpo do paciente.

Eliminar, apaziguar, remover

Voltemos ao exemplo da festa de família. Dois parentes começam a discutir, de maneira que a discussão avança até que evolui para uma briga séria, com agressões físicas e quebra-quebra. Nesse ponto, já não é mais possível intervir apenas de maneira diplomática, com uma conversa e panos quentes, como no caso anterior. É preciso que um outro parente, pode ser uma tia mais brava, tome uma atitude mais drástica e expulse pelo menos um dos brigões da festa. Só assim a harmonia pode voltar ao ambiente.

Esse é o princípio das terapias de shodhana, expulsar um problema do corpo que se tornou grave a ponto de não mais ser resolvido com as terapias de shamana. Sem dúvida são tratamentos mais drásticos e que requerem maiores cuidados.

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Crédito: Kimzy Nanney | Unsplash

Novamente, o nome em sânscrito pode dar a impressão de que esse tratamento é algo exótico ou místico. Contudo,  é bem provável que você já tenha passado por algo similar na medicina moderna. Uma cirurgia para retirar um tumor, por exemplo, segue uma lógica similar ao “purificar” o corpo de um elemento causador de doença.

Esses três conceitos são fundamentais para entender a estrutura básica de tratamento dentro do Ayurveda. Não precisa memorizar as palavras em sânscrito, mas é importante absorver a lógica: primeiro, se elimina a causa do problema. Em seguida, caso possível, se apazigua o problema. Por fim, caso necessário, remove-se o problema do corpo.

Agni e Ama

A base da intoxicação do corpo é quando você coloca alguma coisa dentro dele que não consegue ser digerida: ideias, comidas, cosméticos, emoções. O não processamento desses elementos diversos pode levar a diversos tipos de intoxicações. 

De acordo com o Ayurveda, quem é responsável por digerir as coisas no corpo é o agni, o nosso fogo digestivo. Tudo que entra em contato conosco passa pelo agni. Se o agni não dá conta do processamento adequado, esse elemento mal digerido é chamado de ama. Ama em sânscrito significa literalmente cru, ou seja, algo que não foi digerido direito e que podemos associar à ideia de toxina.

Nesse contexto, melhorar a capacidade digestiva da pessoa e facilitar a digestão dessas toxinas seria aconselhável. A chamada “dieta anti-ama” seria uma forma de detox ayurvédico. Mas existe algum problema em simplesmente fazer um tratamento anti-ama? Existe. Lembra do chute na parede? Vale a pena refletir que, se você chegou no ponto de precisar de uma dieta anti-ama, alguma coisa de errado você deve estar fazendo. Você pode tratar sim esse ama acumulado, mas caso não mude seus hábitos, em pouco tempo vai acabar do mesmo jeito.

Não faz sentido fazer detox e ao mesmo tempo continuar produzindo toxinas. É como tomar aquele analgésico e seguir chutando a parede. O Ayurveda tem ferramentas incríveis para o tratamento de diversos tipos de doenças, mas tudo começa com o entendimento adequado da causa do problema. Tendo eliminado a causa do problema, podemos passar para as cinco terapias principais de purificação, o famoso panchakarma.

Panchakarma

Se você já ouviu falar um pouco mais sobre Ayurveda, provavelmente já ouviu falar em panchakarma. Trata-se de um conjunto de cinco terapias básicas (pancha significa cinco, e karma significa terapias ou procedimentos, em sânscrito), para extrair do corpo o que ficou muito entranhado e não pode mais ser digerido ou apaziguado.

detox ayurveda

Crédito: Akhilesh Sharma | Unsplash

Qualquer um desses procedimentos de panchakarma requer internação, ou seja, precisa ser feito dentro de um hospital, com acompanhamento médico. Não existe nenhum panchakarma que possa ser feito em casa. De nenhum tipo, de nenhuma forma. Vou repetir: não é possível fazer panchakarma de forma ambulatorial ou doméstica e pode ser muito pior para a saúde fazer procedimentos intensivos de forma mal feita do que não fazer nada.

Mude os hábitos

Porém, antes de planejar sua ida para uma clínica na Índia para fazer um panchakarma, tente tirar alguns momentos para se perguntar porque você precisaria de um detox. Na maioria dos casos que eu vejo na clínica, ao eliminar os fatores causativos das doenças, o próprio corpo do paciente consegue encontrar um novo ponto de equilíbrio naturalmente. São raros os casos que eu realmente aconselho a busca de procedimentos de purificação.

Se você já sabe o que está fazendo que pode estar contribuindo para o seu problema, que tal repensar seus hábitos? Talvez com ajustes na sua alimentação, no seu sono e na sua rotina de movimento você já consiga avançar de forma impressionante. Talvez antes de buscar uma solução milagrosa na Índia ou em qualquer lugar fora, o primeiro passo seja olhar para dentro. Então deixa te perguntar mais uma vez: e você? Qual é o seu chute na parede?

Esse artigo foi baseado em uma aula que eu dei no curso gratuito A Essência do Ayurveda. Se você quer conhecer um pouco mais sobre detox de acordo com o Ayurveda, você pode assistir essa aula completa no YouTube.

Obrigado pela leitura e lembre-se sempre: SAÚDE É LIBERDADE!


MATHEUS  MACÊDO é o primeiro brasileiro a se formar em medicina na Índia com especialidade em Ayurveda no curso BAMS (Bachelor in Ayurveda, Medicine and Surgery). Viveu na Índia quase 7 anos e de lá criou a Vida Veda, uma empresa social dedicada a divulgar o conhecimento ayurvédico em língua portuguesa. Carioca, vive em Guimarães, Portugal, e percorre o mundo dando palestras sobre Ayurveda e Medicina Integrativa.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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