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Cinema na contramão
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Ler nas entrelinhas e não consumir produtos de baixa qualidade é o mínimo que devemos fazer. Divulgar e replicar a indignação, é transformador

Assistir e recomendar filmes bons, construtivos, emocionantes, reflexivos, divertidos é um movimento que acontece naturalmente – eu vejo, penso, quero compartilhar e aprender; entrego uma visão, recebo multiplicada com cada experiência de vida de leitores e seguidores do Cine Garimpo. Hoje o comentário é uma “dica às avessas” – porque também acho que é preciso fazer alertas, se indignar, discutir aquilo que não aceitamos consumir. Assistir a um bom filme se torna até uma missão fácil diante de produções que ofendem a nossa inteligência.

Para meu espanto, vez por outra me deparo com filmes que vão completamente na contramão de uma importantíssima tomada de consciência. Finalmente parece que estamos não só nos dando conta das relações tóxicas e sexistas abundantes em todas as esferas dos relacionamentos e comportamentos humanos, como estamos falando mais sobre elas, discutindo, juntando forças, combatendo-as. Finalmente as artes – e, aqui, mais especificamente o cinema, que alimenta a minha alma e é a fonte primária das minhas reflexões – estão trazendo essas discussões de forma direta, explícita e elucidativa, ilustrando o que acontece na vida real.

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A gente assiste, entra em contato com histórias de vida de pessoas (muitas vezes reais) que passaram por situações humilhantes e degradantes justificadas pela cultura racista e machista. Violência física, emocional e intelectual por que muitos passam, nas ruas e dentro de casa, nos casamentos, nas famílias, nos ambientes de trabalho. O cinema está repleto de material com esse teor fundamental, reforçando a importância de falarmos sobre isso pra aprender a fazer diferente. E estamos abrindo trilhas na floresta fechada e escura, mas é fundamental seguir em frente.

Infiéis

Todo esse desabafo pra dizer que me deparei com um filme tóxico e sexista em uma das plataformas mais populares da era do streaming – aquela, que mudou a nossa forma de consumir cinema. Pior: maquiado de comédia. Pior ainda (se é que isso é possível): o italiano Infiéis (de Stefano Mordini, 2020), é remake de um filme francês de mesmo nome (Les Infidèles, 2012), o que me faz acreditar que mesmo com um gap de 8 anos entre um filme e outro (o que teria sido tempo suficiente pra sentir vergonha e deixar essa obra cair no limbo), insistiram nesse equívoco.

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Infiéis já começa péssimo, pela escolha do título. Achei – erroneamente – que poderia mostrar algo de construtivo. Mas só encontrei homens que se vangloriam de trair suas esposas, que justificam suas escolhas culpando as mulheres por serem maternais demais (como se não precisassem ser paternais) e por não estarem à disposição dos desejos masculinos 100% do tempo. Dizem, inclusive, que homens têm que ir à caça – é fisiológico e incontrolável. Só encontrei mulheres retratadas como histéricas e dependentes emocionalmente dos seus maridos. Que depositam neles a única possível fonte de felicidade, mesmo que isso signifique submeter-se a relacionamentos tóxicos e violentos.

Um espaço importante

O que é que queremos consumir? Propostas desse teor estão longe de ser entretenimento. São propostas nefastas, perigosas, ofensivas. São um reforço ao já tão naturalizado comportamento machista, que deve ser algo de combate em todas as esferas. Identificar mensagens abusivas, revestidas de rótulos atrativos como cultura, entretenimento, comédia, diversão é uma tarefa pra mentes antenadas, conscientes, preocupadas e dispostas a fazer deste mundo um lugar melhor e mais justo. Ler nas entrelinhas e não consumir produtos assim é o mínimo que devemos fazer. Mas, divulgar e replicar a indignação, é transformador. Agradeço, portanto, por este espaço em que posso depositar meu repúdio e minha esperança.

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Suzana Vidigal é tradutora, jornalista e cinéfila. Gosta de pensar que cada filme combina com um estado de espírito, mas gosta ainda mais de compartilhar com as pessoas a experiência que cada filme desperta na mente e na alma. Em 2009 criou o blog Cine Garimpo (www.cinegarimpo.com.br e @cinegarimpo) e traz, quinzenalmente, dicas de filmes pra saborear e refletir. 

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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