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Caminhada terapêutica nos campos de camomila
Juliana Reis e Ana Wanke
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Contra os efeitos nocivos de um tempo conturbado, as propriedades curativas de uma caminhada nas plantações de camomila.

Camomila é uma florzinha danada de boa. Há séculos tem sido remédio natural para melhorar o sono e amenizar a ansiedade. Por isso é que naquela manhã, quando deixamos para trás o bosque frio e entramos por um trilha estreita no campo verde e amarelo, coberto de mormaço, achei nossa viagem providencial.

— Mãe, estamos numa plantação de saquinhos de chá de camomila. Sente o cheiro, só pode ser!

— Chá de camomila acalma!

— E também faz bem para o coração… –  a frase dita baixinho por um dos caminhantes do grupo acabou por me libertar dessa espécie de luto que nos fechou as porteiras e trancou viajantes em casa desde o início da pandemia.

De fato, há estudos dizendo que a flor de camomila faz bem ao coração.

Enfim, o campo era uma plantação de flores e ondulava à nossa frente terminando e recomeçando. Até que a vista se perdia. Eram camomilas, de miolo amarelo e pétalas brancas – igualzinho àquelas dos nossos primeiros desenhos. Foi o primeiro passeio de minha mãe desde que tudo se modificou naquele março de 2020. E isso era importante. Uma miniviagem.

campos de camomila

Caminhada nos campos de camomila. Mandirituba, Paraná | Crédito: Juliana Reis e Ana Wanke

Para a solidão, uma viagem

Definitivamente, se a vocação para viajante é hereditária, a minha é de linhagem materna. Há mais de 20 anos, minha mãe peregrinou pelo Caminho de Santiago e nunca mais parou de viajar caminhando pelo mundo. Assim, descobriu-se tanto quanto se revelou. Longas caminhadas por lugares distantes tornaram-se momentos de liberdade, de ser ela mesma sem medos nem advertências. Uma peregrina! Estrela-guia da nossa família, nos últimos tempos andava recolhida em casa, espichando as pernas, no máximo, em pequenas jornadas diárias pelo bairro. Como mandam os tempos de quarentena.

Seja como for, traçar limites em torno de viajantes não é boa ideia. E ela já dava sinais da falta que faz esticar os caminhos.

Além de companheira de viagem favorita, minha mãe é também aquela para quem eu me volto em busca de reforços quando a vida rosna para mim. E agora, eu me perguntava em segredo se aquela pequena viagem terapêutica era para ajudar a mim ou a ela.

O passeio terapêutico e suas propriedades

Primeiramente, desde que o mundo mudou, muito da gente também mudou. E comigo não foi diferente. Remanejar as rotas, refazer os planos, olhar-se no espelho. Ou seja, tantos meses e tanto descompasso entre o corpo, a mente e as emoções. Tanta medo e ansiedade…

De repente, me pareceu transformador poder viajar tomando o ar vindo direto de um dos mais poderosos apaziguadores naturais já conhecidos.

Conforme caminhávamos, as camomilas faziam seu próprio movimento. Abriam a pétalas de baixo para cima regulando-se à claridade – de modo que os campos salpicados de amarelo às 8h já não eram os mesmos às 10h — quando apareciam manchados também de branco e ainda mais gorduchos de flor.

Por fim, em resposta à nossa empolgação desajeitada  – afinal, seguíamos como malucos correndo, pulando, deitando e mergulhando nas flores – as camomilas reagiam com uma elegância desconcertante. Reerguer-se é natural de sua existência. Pois é. A camomila é derrubada, mas sempre se levanta, lenta e graciosamente.

Assim,  sem que tivéssemos tomado uma gota sequer de chá da florzinha, tudo começou a parecer mais leve. Havia algo ali para além do ar puro e das conversas boas de caminhante. Algo que não podíamos ver, nem tocar. Algo de bom no ar.

caminhada campos de camomila

Flores da camomila se abrindo ao sol. Crédito: Juliana Reis e Ana Wanke

O poder invisível das plantas

Há muito tempo a humanidade tem utilizado um outro tipo de poder que vem das plantas. Um poder oculto que ultrapassa a força terapêutica dos chás. Se a gente pensar bem, sempre tem aquela avó ou alguma tia que já sabia disso. Numa peregrinação, encontrei um senhor que sabia. Ele fez passar a minha dor da perna, e também a saudade de casa, usando algumas ervas, folhas e galhos.

Ou seja, para os instruídos nesses saberes, existe uma outra dimensão de onde se colhe uma propriedade invisível da camomila: o poder “acalmador” da alma e de ambientes conturbados. 

No fim do caminho — foram 12 quilômetros — a pergunta que me derrubou durante a pandemia se repetia na minha cabeça. É certo continuar escrevendo sobre viagens durante um tempo controverso e desafiador? A resposta esteve o tempo todo comigo. Eu só precisava aceitá-la. Então, eu disse que é, sim    e me joguei nas camomilas. Ufa! Pedi licença antes.

Mais tarde, eu soube que a camomila morre a cada ciclo de florescimento. Para que volte a existir, precisa ser replantada. No entanto, quando cultivada em ambientes auspiciosos, pode renovar-se naturalmente a partir das sementes que ela mesma espalhou pelo canteiro.


Para saber mais

  • Quem nos guiou pelos campos de camomila foi uma guia de viagens pela natureza, Ana Wanke.
  • Há dez anos, o Brasil precisava exportar camomila do Egito e da Argentina. Agora, a produção nacional dá conta do consumo interno e o maior produtor nacional é o município de Mandirituba, no Paraná, por onde caminhamos.
  • A camomila é velha conhecida dos setores farmacêutico e fitoterápico. Entretanto, quem me apresentou seu poder oculto e me ensinou a magia natural das plantas foi uma “bruxa moderna”, Janaína Fellini da Tulassí Terapias.
  • Livros para entender o poder das plantas: A vida secreta das plantas (Peter Tompkins e Christopher Bird), A vida secreta das árvores (Peter Wohlleben), A revolução das plantas: um novo modelo para o futuro (Stefano Mancuso), A magia divina das sete ervas sagradas (Rubens Saraceni)

Juliana Reis é uma jornalista e contadora de histórias que se realiza fazendo das viagens uma terapia; descobriu a quem puxou quando passou a peregrinar com a mãe.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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