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Assumir que temos preconceito é o início de uma bela caminhada
(Foto: Erik Eastman/Unsplash)
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Somos todos preconceituosos, mesmo que inconscientemente. No mínimo, temos preconceito com quem tem preconceito. Reconhecer prejulgamentos é o primeiro passo para libertar-nos das amarras que eles nos impõem.

Ser raso e julgar o livro pela capa é um hábito reconfortante, admitamos, assim como (des)qualificar o outro por suas fixações políticas, religiosas, de estilo de vida e por aí vai. Estamos cada vez menos disponíveis para ver o diferente com benevolência e curiosidade. Buscamos pontos de vista parecidos com o nosso, que reforçam o que acreditamos e o que gostamos.

De uns tempos pra cá, ser intolerante passou até a ser glamouroso. Uma espécie de carteirada moral onde julgamos o outro como inferior ou moralmente errado por pensar diferente, ousando desafiar a nossa nobre (e inquestionável, claro) visão de mundo. Um atalho para lidar com o perigoso dessemelhante. Só que não.

Falando em moralismo, sempre tive uma certa alergia a gurus e dogmas. O problema, para mim, não seriam os mestres ou as regras em si, mas a submissão cega e a idolatria. Nesta linha, há alguns anos, fiquei especialmente resistente à um guru espiritual que havia se tornado uma espécie de estrela pop (por sinal, sendo desmascarado alguns anos depois, como geralmente acontece).

Não entendia porque tanta gente se sentia automática e cegamente inspirada por ele. Para fortalecer e embasar os meus inúmeros argumentos implicantes, comprei seu livro. E depois outro. E outro. E amei. A grata surpresa dessas leituras me confundiu, mas expandiu meus horizontes. E me mostrou o valor de um bom ghostwriter.

Nosso maior inimigo são as expectativas, ou a falta delas?

O preconceito traça uma linha imaginária entre o bom e o mau, o superior e o inferior, mas com efeitos bem reais, inclusive letais.

É aprendido, introjetado e praticado desde a infância à luz do que ouvimos e vemos à nossa volta, propagado pela família, pelos círculos sociais, pela cultura, e até pelas leis. Por fim, acaba por limitar a nossa visão de mundo, ditando o tom das relações, inclusive entre países.

Resumidamente, o preconceito é contagioso, e por vezes institucionalizado. Mas felizmente pode ser reformulado – e até dissipado – a partir de boas interações.

Repensar antipatias para superar o ressentimento

Confesso que desumanizar quem me decepciona costuma trazer conforto. Tenho me observado, por exemplo, na recorrente (e deprimente) desqualificação dos “héterotop”, com o argumento clichê da masculinidade tóxica que os assola e nos assola.

Esse preconceito instaurado possivelmente é uma defesa reativa ao machismo estrutural, à misoginia e ao meu atual estado civil: exausta.

Mas não deixa de ser injusto e indigno. Um atalho preguiçoso, assim como as críticas masculinas ao feminismo sem a devida mea-culpa.

Por pior que seja, todo preconceito carrega altas doses de dor e desamparo. Como dizia o psicanalista Sándor Ferenzci, basta arranhar o adulto para ver a criança.

Praticar até deixar de ser racista

Embora a patrulha do politicamente correto tenha virado uma espécie de guru dos bons costumes contemporâneos, não se pode negar a serventia da repressão dos preconceitos violentos que confundem ignorância com autenticidade.

Obviamente, parar de declarar os preconceitos abertamente não faz com que desapareçam – vide o movimento neonazista clandestino na Alemanha, e tantas outras iniciativas patologicamente tóxicas e perigosas.

A vigilância e a regulação externa podem, no entanto, evocar a empatia artificial num primeiro momento, até que se torne uma decisão consciente e escolha racional, influenciando o emocional a reboque.

As nuances da diversidade

Inevitavelmente julgamos, mesmo quando pertencemos à alguma tribo gratiluz (olha mais um julgamento meu aqui). Julgar, contudo, é bem diferente de condenar.

O julgamento pode ser um processo natural e até necessário, ao passo em que condenar implica uma postura definitiva e muitas vezes injusta.

Em tempos polarizados, em que “verdades absolutas” parecem reinar soberanas, promovendo a cisão social, entender nossos pré-conceitos é um processo.

Essa análise dos nossos pré-conceitos amplia o campo de visão, aproximando pessoas de forma surpreendente, e revelando o poder dos opostos. Ou melhor, dos dispostos.

O que você faria se descobrisse que alguém que você despreza tem mais em comum com você do que imagina? Será que estamos prontos para essa revelação?

Explorar o que é incômodo faz bem. É um convite ao diálogo capaz de nos libertar do absolutismo mental. Libertação, entretanto, fundamental para o crescimento pessoal e coletivo.

A antiga repulsa pode eventualmente se tornar compreensão, acolhimento e mesmo apreciação, na medida em que nos abrimos na direção da singularidade – e também da diversidade.

Somos bem mais complexos, misteriosos, interessantes e ambíguos que as meras simplificações. Enxergar nuances no outro também nos leva a acolher as nossas próprias granularidades, e vice-versa.

As primeiras impressões não são as que ficam, se assim quisermos. Amém. Gratidão. Gratiluz. Namastê.

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