As 7 vantagens do pessimismo
Lucidez. Autoconhecimento. Preparo. Pertença... O pessimismo é base segura para a vida feliz
O pessimismo é intolerável. A progressão mau — muito mau — péssimo é uma heresia para nossa cultura assentada na autoestima e no pensamento positivo. A crença dominante é de que a autoconfiança faz com o que o universo conspire a nosso favor; que o negativo atrai negativo… Essa doutrinação não é nova, mas veio para ficar. Em 1859 apareceu o primeiro livro do gênero, Autoajuda — o céu ajuda aqueles que ajudam a si mesmos — do escocês Samuel Smiles. Quase 100 anos depois, surgiu O poder do pensamento positivo, do pastor americano Norman Vincent Peale e, mais recentemente, o documentário — e depois livro — O Segredo, da australiana Rhonda Byrne, baseado na lei da atração que afirma que o pensamento positivo pode trazer saúde, riqueza e felicidade. O gênero é sucesso absoluto, um fenômeno mundial que movimenta um mercado bilionário de livros, cursos e workshops.
Apesar da consagração, algumas vozes já se levantam, como o Manual antiautoajuda, do jornalista britânico Oliver Burkeman. Autor de uma coluna sobre psicologia no Jornal The Guardian, Burkeman afirma que as técnicas defendidas pelos autores motivacionais não ajudam em nada e, pior, atrapalham o caminho para a felicidade. E o que diz a filosofia? Bem… a filosofia sempre esteve na ponta oposta, no pessimismo — e continua lá.
Pessimismo e filosofia
A história do pessimismo caminha junto com a história da filosofia. Desde os antigos gregos — estoicos e cínicos — passando por pessimistas consagrados como Kierkegaard, Schopenhauer e Nietzsche, encara-se a faceta negativa do homem e do mundo. Se para os gregos éramos uma humilde peça da engrenagem do cosmo — e isso se tivéssemos sorte — para alguns modernos, nem isso. A existência humana é inútil e completamente desprovida de sentido. Na perspetiva de Arthur Schopenhauer, “a vida é um processo constante de morrer”.
Viver é sofrer, com pequenos instantes de felicidade. Para o filósofo, a vida é dor, efemeridade e miséria e a única saída é esperar o repouso do nada.
Sorria! Você está sendo filmado
Escapar do cerco do pensamento positivo é quase impossível. Nas redes sociais, como o Facebook, todos viraram gurus. No perfil, logo abaixo do nome, há sempre um slogan “positivo” e cada post é uma lição de autoajuda. Somos bombardeados diariamente por frases de otimismo e boa energia. Mas de onde vem tanta confiança? Acredita-se que esse entusiasmo vem desde o século XVIII, período em que experimentamos uma grande evolução material trazidas pela ciência e a tecnologia.
À parte às catástrofes ocasionais e um vago medo do terrorismo, a vida contemporânea mantém um devoção irracional para o melhor, para expectativas elevadas e auto-ilusão. E qual é o problema? Ora, tal como ocorre com uma criança que desconhece os perigos, esse estado deixa-nos desprotegidos e frágeis. Não devemos misturar as coisas. Podemos nos inscrever como tripulantes de uma viagem a lua e detectar o local exato onde o nosso filho está nesse momento — ou pelo menos o seu celular; mas continuamos impotentes e sujeitos a acidentes, ciúmes, tragédias sem sentido, decepções, ansiedade, corações partidos, morte. As mesmas mazelas do homem medieval, porém sem a sorte que eles tiveram de não terem a autoajuda oca e suas promessas de felicidade permanente.
Você já está doutrinado e ama ser otimista? Tudo certo. Você não precisa se transformar num pessimista cínico de um filme noir, mas um pouco de pessimismo pode trazer muitas vantagens para os seus dias, confira algumas
As sete vantagens do pessimismo
Mostra a vida sem filtros
Tentar convencer a nós mesmos de que tudo dará certo quando há inúmeras evidências do contrário, é algo perto da sandice — ou da tolice — e uma fonte enorme de ansiedade. Penso que você já experimentou essa faceta perversa do otimismo. O pessimismo, pelo contrário, mostra a vida mais próximo do real, sem os filtros da ilusão e do engano. Lendas açucaradas e fantasias não alcançam os pessimistas. O que a filosofia de todos os tempos martela é que o sofrimento, a decepção, o fracasso são partes integrantes da vida. Ciente disso, reduzimos o nosso grau de ansiedade e aumentamos a serenidade. É o clássico e sábio “aceita que dói menos”.
Estamos preparados
Quando imaginamos que o pior pode acontecer, no exato instante que assimilamos a possibilidade, a nossa mente já trabalha nas possíveis saídas. Depois de alguma experiência, a visão do prejuízo deixa de tirar o nosso sono. Pensamos: O pior que pode acontecer é acontecer o pior…. Mas o pior já aconteceu tantas vezes… “Se eu perder o emprego; se o meu relacionamento ruir… o que farei?” Quanto mais se pensar num futuro desfavorável, mais se pensará no depois (ou num plano B) e ele menos nos assustará.
A consciência de que o pior pode acontecer tem outro efeito valioso: prepara-nos para os reveses e as decepções. Afinal, quem vislumbra o soco tem mais chance de escapar dele.
Eu me conheço
O pessimismo amplia o autoconhecimento. A visão negativa sobre a nossa personalidade — e que muitas vezes atende pelo nome de “realista” — joga luz sobre as nossas limitações, traz-nos humildade e disponibiliza ferramentas para as melhorias. Isso porque o otimismo — e seus excessos, como a arrogância — é muitas vezes um entrave para o nosso desenvolvimento. Se você é ótimo, porque mudar?
Consolo e diversão
Há quem tenha medo dos pessimistas. É o medo do contágio. Não deveria. O acessível Pensamentos, do sombrio francês Blaise Pascal, apesar de abordar a natureza desviante, lamentável e indigna da humanidade, não é uma leitura deprimente. Ao contrário, é consoladora e terma — com pinceladas de bom humor — porque ele também ensina a enfrentar os fatos desesperadores da nossa vida de cabeça erguida. “A grandeza do homem, vem de saber que ele é miserável”.
Schopenhauer não é contagioso e nem atrai tragédias. Ele é suave e áspero, frio e apaixonado; e, apesar de não cultuar dias melhores, teve uma vida ótima. Bon vivant e bem-nascido, tinha uma mãe celebridade e uma vida social e amorosa movimentada. Envolveu-se em uma disputa acadêmica com Hegel. Perdeu — o que não deve ter surpreendido nem a ele, nessa altura, Hegel já era considerado o Deus da filosofia. Mas nada que lhe tirasse o sono ou o prazer de um pedaço de strudel ao entardecer.
Tenho companhia
Os pessimistas arrancam pela raiz o terror de pensar que o nosso sofrimento é único. Sentimos um grande alento em saber que o nosso tédio, ansiedade, ciúmes, inveja, narcisismo são muito mais comuns do que imaginamos. É quase como fazer parte de uma confraria simpática. Não estamos sós. E o melhor: todos os sentimentos mesquinhos e vergonhosos que escondemos de nós mesmos, são descritos de forma muito elegante e erudita. Indignos e perversos, mas com tanta beleza teórica! E, nós brasileiros, que só tínhamos Nelson Rodrigues para nos ajudar a “encarar” o nosso lado negro, ganhamos uma opção mais sofisticada e que exige menos coragem. Afinal, é preciso ter peito para bradar publicamente “eu meu arrependo do marido, não me arrependo dos amantes”.
Fora esperança
A esperança partilha o mesmo mal do otimismo: a inutilidade. O vício na esperança atrapalha. Esperamos e esperamos sempre o melhor… Para a nossa vida profissional, nossa família, nosso amor, nossos filhos, nossos amigos, nossos políticos, nosso planeta. É daqui — do grande abismo entre a grandeza do que esperamos e a realidade dura da nossa condição — que vem as decepções que torturam e amargam os nossos dias. Ao invés de focar no que você espera, preocupe-se em amar mais o que você tem.
Guru? Não, obrigado
Ninguém duvida que o otimismo tem o poder de nos tornar mais persistentes e bem-humorados — mas só tem esse efeito quando ele é sincero e espontâneo. O que é mais produtivo? Encaro o problema de frente ou finjo que acredito nos truques da autoajuda? A verdade é que os conselhos dos gurus do otimismo só funcionam para quem já é otimista (e provavelmente não precisa de conselhos). Nessa queda de braço, o mais sensato é encarar o pessimismo quando os ventos são desfavoráveis e se refestelar no sofá do otimismo quando for conveniente. Um exemplo prático? Schopenhauer era muito otimista quando se lançava na conquista de beldades, mas agarrava-se ao pessimismo para se curar da recusa dos pedidos de casamento.
É bom que se saiba que a visão pessimista não tem de ser desprovida de alegria. Os mais preparados para as adversidades se alegram imensamente com as conquistas modestas. E quando tudo dá certo — ah! Porque às vezes dá — a alegria é muito mais sentida. No lado oposto, quando os nossos piores pesadelos se materializam, ainda assim não é ruim de todo. Captamos que tínhamos uma presciência sobre o acontecimento e há o consolo e o alívio do “eu já sabia”. Encaramos o oponente, assimilamos o golpe, reagimos e ganhamos consciência da nossa força. Estamos estendidos na realidade e uma grande serenidade espalha-se a nossa volta. Sabemos a verdade e nos reconciliamos com a vida.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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