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Aceita-me? Porque a rejeição dói
Fizkes | iStock
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Diz-se que as redes sociais faz uma espécie de raio-X da personalidade dos seus ocupantes. Há pessoas que postam suas inseguranças e medos. Há perfis cheios de clichês e regras para a vida — que o próprio necessita — mas com o rótulo de produto “para os outros”. Uns tentam exibir a sua genialidade única, mas com conteúdos alheios. Outros chegam ao cúmulo de mendigar likes — leia-se “concordem comigo”. Uns descrevem as suas preferências e buscam aprovação…  A verdade é que todo esse cenário aparentemente assustador é normalíssimo, demasiado humano. Pode chocar pela excessiva exposição via tecnologia, mas a verdade é que, todos os dias, desde que acordamos e saímos para a vida, o objetivo é apenas um: ser aceito. E é esse também o nosso maior desafio.

Porém, essa necessidade escapa à maioria das pessoas. Já presenciei muitas bocas abertas diante dos gritos dos “não aceitos”. A reação do rejeitado é incompreendida e, rapidamente, ele recebe o rótulo de exagerado, traumatizado ou problemático. E não deveria ser assim. A rejeição — acadêmica, amorosa, profissional — é  dolorosa e um dos piores sentimentos que se pode experimentar. A sua materialização na vida pública, a exclusão, atualmente é chamada pelos especialistas de “dor social”.  No ambiente de não-aceitação — ou na ausência do sentimento de pertença — o homem é nocivo para si próprio, para a espécie e para o mundo. Nesse cenário, ele torna-se mais agressivo, propenso a trapacear, correr riscos e perde completamente o instinto cooperativo e agregador. Muito semelhante ao estado de um animal ferido.

Apesar disso, compreendemos pouco a intensidade da dor sentida pelo outro. Mas quando o sofrimento é nosso, mal sabemos descrevê-lo — “só eu sei a dor que senti”. E apesar de ser um sentimento, a intensidade é tal que descrevemos como se fosse um sofrimento físico. Usamos expressões como  “partiu meu coração”,  “fui esmagado”, “foi um soco no estômago”, “senti na carne”.  E não poderíamos estar mais certos. Recentemente, a ciência descobriu que a dor emocional descrita como uma dor física está longe de ser apenas uma metáfora. Novos estudos da neurociência descobriram que o cérebro não faz distinção entre um osso quebrado e uma decepção amorosa. A nossa linguagem — a mando do cérebro —  captou algo essencial que nos escapava. Há muito que a ciência sabe a localização exata da parte do cérebro onde registra-se a dor física — daí a eficiência dos medicamentos para esse efeito. O estudo mostrou que o sofrimento emocional causado pela rejeição, é registrado no mesmo local da dor física. Isto é, o cérebro não faz distinção entre a dor física e a emocional. A rejeição realmente dói. O estudo revelou algo que intuitivamente já sabíamos. O sofrimento não está apenas na nossa psique, está no nosso cérebro, logo é físico e psicológico.

Experimentos à parte, a descoberta não é grande novidade. Há muito tempo, a biologia evolucionista estuda a nossa necessidade de aceitação. Desde tempos remotos, dependemos dos outros para sobreviver: eles nos alimentam quando somos bebês, ajudam a coletar alimentos e fornecem proteção contra predadores e tribos inimigas. Pertencer a um grupo, literalmente, podia ser a diferença entre a vida e a morte. Talvez, assim como a dor física, a dor da rejeição tenha evoluído como um sinal de ameaça à nossa sobrevivência. E talvez a natureza, tomando um atalho inteligente, simplesmente “emprestou” o mecanismo existente para registrar a dor física.

Voltando ao estudo, na sua confirmação verificou-se que a rejeição não precisa ser explícita para acionar o mecanismo da dor do cérebro: basta uma foto do seu ex-parceiro ou até mesmo um vídeo de rostos reprovadores para ativar os mecanismos neuronais da dor física. A rejeição é uma dor física e psicológica.

Eu sei o que você está pensando. O paracetamol, o mais barato e acessível fármaco contra a dor física, também pode diminuir a dor de um desgosto de amor ou a exclusão de um grupo de amigos? Os cientistas também fizeram a pergunta e a resposta é sim. O estudo clássico  — principio ativo x placebo — foi ministrado em dois grupos. Cada elemento registrou suas emoções em um diário e o resultado é que o grupo que tomou um analgésico comum, relatou menos sofrimento e mostrou menos atividade cerebral nas regiões de dor após ser rejeitado do que o grupo que ingeriu placebo.

Isso não significa que é o fim da dor emocional e passaremos a ingerir um medicamento todas às vezes que alguém nos esnobar. Mas, a descoberta ajuda-nos a entender melhor a nossa luta por aceitação. Ajuda-nos a sermos mais empáticos, a aceitar melhor a dor do outro e a nossa. Sobretudo, indica que não devemos dramatizar, mas minimizar o seu impacto, com maturidade e bom senso.

Todos nós experimentamos em maior ou menor grau a rejeição, os golpes na autoestima, a dor da exclusão sentida “na pele”. Os primeiros segundos ficamos desorientados e paralisados, perdemos a capacidade de pensar com clareza e agir. Habitamos um mundo intermediário, desconhecido e estranho. Mas a sensação, por pior que seja, não dura. Recuperamos os sentidos, lembramos quem somos e onde estamos. E esses momentos, onde medimos rejeição e pertença, podem ser bons porque nos dão a real dimensão de nós e do outro. Não vivemos apenas com o outro, mas também através do olhar do outro. Os outros são as nossas âncoras no mundo. Quando eles se afastam, de alguma maneira deixamos de ser. Mas, não podemos deixar de olhar para nós, de nos cultivarmos como únicos. E justamente por isso, nunca seremos totalmente aceitos ou atendidos. Mas é exatamente essa capacidade de sermos únicos e irrepetíveis que aumentam as nossas chances de reconhecimento e pertença. São essas as nossas armas para sermos aceitos e para considerarmos que o mundo é a nossa casa.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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