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A verdade sobre o futuro dos livros
Tom Hermans
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Neste artigo:

Eu tenho uma longa e apaixonada relação com os livros. Nas inúmeras turbulências que eu já enfrentei — mais do que pessoas — foram os livros que vieram ao meu socorro. Nos períodos de desalento e vazio, eles me fizeram companhia. A minha empatia, meu conhecimento sobre os outros e parte do que sou, foram construídos através deles. Identifiquei-me e sofri com os personagens de Dostoievski. Refugiei-me no mundo descritivamente perfeito de Eça de Queiroz. Habitei a Paris de Balzac e Victor Hugo. E quando foi necessário, enxerguei mais longe porque estava em pé sobre os ombros de gigantes como Machado, Tolstoi e Nietzsche.   

E foi através deles que surgiu o meu amor pela escrita e depois o meu ofício.

Primeiro amor

E tudo começou na minha infância. Em casa tínhamos  livros pesados, enormes. A maioria era enciclopédias e dicionários. Entretanto, todas as semanas, tínhamos livros novos, pois eu e os meus três irmãos éramos portadores de uma riqueza: o cartão da biblioteca municipal. Toda segunda-feira, meu pai trazia um livro para cada um. Com o passar do tempo, passámos a ser nós a escolhê-los. Éramos quatro seres com gostos e interesses tão distintos que pelo título de um livro perdido na varanda sabíamos quem o estava lendo.

E por conta deles, também havia muitas discussões entre os irmãos. Havia um livro na sala. Alguém apanhava, folheava, interessava-se e começava a ler. Porém, na melhor parte, aparecia o dono reivindicando a sua posse. Estive muitas vezes no papel da usurpadora do livro alheio. Mas não podia evitar, eu lia muito rápido e logo estava sem livro. Ok. Era sempre possível renovar a livro e o conflito estava resolvido. Entretanto, nem sempre era assim. Havia livros com fila de espera — e, portanto, não passíveis de renovação.

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Crédito: Annie Spratt | Unsplash

Livros sob medida

Outros me eram simplesmente vetados, ou porque não eram para a minha idade ou porque eram livros para rapazes. Como eu era uma menina entre três rapazes, imagina a quantidade de títulos interditos. Um desses livros foi Romeu e Julieta: não era para a minha idade. Quando ele não estava nas mãos do meu irmão, estava nas minhas. Li e intriguei-me. Por que razão não seria para a minha idade? Um livro aborrecido, sem nada de extraordinário.

O meu irmão argumentou que o livro era maravilhoso e que eu só não tinha essa opinião porque eu não havia compreendido. Do alto da minha arrogância de 12 anos, eu batia o pé que havia compreendido, sim. E por que eu não haveria de compreender? “Porque não é para a sua idade”, foi a resposta.

Cada livro no seu tempo

Três anos depois, eu reli o livro e me apaixonei por Shakespeare. E assim tem sido. Os livros sempre me acompanharam. Assim como pessoas, me acompanharam, me informaram e me formaram. E, assim como eu, muitas pessoas tem uma narrativa semelhante sobre os livros. Entretanto, quis deixar aqui registrado a gênese da minha história porque esse tipo de narrativa é necessária para a geração atual. 

E isso não porque se trata de conhecer o passado, mas porque vejo que os livros serão ainda mais necessários no futuro. Eu vejo os livros como uma espécie de cura para os danos da tecnologia.

Agora, nesse momento, não compreendem. Estão totalmente absortos na tecnologia, não há espaço para os livros. Há muito pouco tempo, os metrôs estavam cheios de mãos segurando livros, hoje, as mãos seguram celulares. Entretanto, essa realidade não vai durar porque os malefícios já são muito evidentes. E serão cada vez mais notados.

E já sinais. A prova disso é o declínio dos e-books. Os livros eletrônicos atingiram o pico de vendas em 2013 e, desde então, estão em queda. Igualmente, estão em queda os leitores de livros eletrônicos — os e-readers, como o Kobo e Kindle. Alguns afirmam que a queda deve-se ao fato de que houve uma migração para a leitura via computador. Talvez, mas não acredito.

futuro do livros

Crédito: Florencia Viadana | Unsplash

Prejuízos visíveis

Entretanto, a troca de livros físicos por telas já conta com fortes reações. E exatamente onde os estragos são mais notados: no sistema de ensino, principalmente nas universidades.  Nelas, os livros e os cadernos foram substituídos pelos computadores. Vários professores já vieram a público para relatar os estragos.

De acordo com eles, os danos estão em todas as direções. Além da falta de atenção, dificuldade de reter conhecimento e dispersão, há um prejuízo generalizado no domínio do idioma. Os estudantes habituados aos autocorretores não conhecem realmente as regras da gramática e não acham que elas sejam importantes…  Exceto quando recebem a prova.

Igualmente, a ausência de leitura de livros, nota-se na escrita. A forma como escrevemos é reflexo direto do que lemos. Muitos professores universitários continuam a notar uma diminuição crescente nas habilidades de escrita dos alunos.

Má qualidade dos textos digitais

Por outro lado, a grande maioria dos textos disponíveis na internet não tem a mesma qualidade do texto de um livro físico. Além disso, eles não são realmente lidos. Pesquisadores da University College London afirmam que os alunos não lêem propriamente o texto, mas se envolvem em algo chamado “navegação avançada”. Isso pode sinalizar o surgimento de uma forma totalmente nova de comportamento de leitura online, baseada em títulos, páginas de conteúdo e resumos. Psicólogos do desenvolvimento estão preocupados com o fenômeno porque há o risco de se perder a capacidade de ler atentamente, com cuidado e criticamente.

Um problema ainda maior é a maneira como a tecnologia prejudica as habilidades de pensamento crítico. Como o conhecimento é abundante e está em toda parte, não precisamos retê-lo ou lapidá-lo. Não precisamos comprometer muito a memória, afinal está no Google, basta ir lá.

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Crédito: Thomas Park | Unsplash

Computador não, caderno!

Igualmente, mesmo para aqueles que usam o computador para fazer anotações acabam no prejuízo. De acordo com estudos, processamos melhor as informações ao fazer anotações à mão. E não é preciso citar estudos, todos nós sabemos disso. Da mesma forma, as pessoas compreendem melhor o que estão lendo se estiver no papel, e não na tela. Um estudo aponta que os leitores do Kindle lutaram para lembrar detalhes da trama em comparação com aqueles que liam livros impressos.

Talvez porque o livro tenha um ritmo mais lento, tenha o ato físico do virar de páginas, uma pausa. Além do que, com um livro interagimos mais, fazemos anotações, sublinhamos. Quem festeja a interação da tecnologia, engana-se. Também fazemos muitas trocas e diálogos com um livro. Isto é, com o seu autor.

Eu não quero diabolizar a tecnologia, há benefícios claros da tecnologia como  ferramenta. Porém, é preciso que pais e educadores ensinem a usá-la adequadamente, de forma responsável e produtiva.

Diante desse cenário, percebemos que o misterioso encanto da literatura está fora de alcance de muitos. É quase um luxo exótico. Entretanto, precisamos de livros, de qualquer livro. Os prejuízos da sua ausência podem comprometer muitas gerações. A falta de leitura do livro físico afeta a nossa compreensão do mundo, o nosso conhecimento, a nossa formação… Afeta aquilo que somos.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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