A coragem de desistir
Simone Biles, uma das maiores atletas de todos os tempos da ginástica artística, compartilhou com o mundo um aprendizado que vale mais do que medalha de ouro.
Outro dia estava com minha esposa, relembrando os velhos tempos de Disk MTV – aquele programa amado por jovens da década de 1990 que você ligava para pedir o clipe da sua banda preferida e aguardava ansiosamente para ver se ele havia entrado no top 10. Buscamos uma playlist no Spotify e começamos a ouvir as músicas que mais fizeram sucesso naquela época. O único porém é que eu tenho o defeito de analisar letras de música. E foi enquanto tocava “Até o fim” dos Engenheiros do Havaí que fiquei me perguntando se não colocamos peso demais em seguir sempre em frente e nunca desistir.
Eu não vim até aqui pra desistir agora. Não dá para nadar, nadar e morrer na praia. O sucesso está em nunca desistir. Todo mundo já ouviu essas frases vindas de familiares, amigos, pessoas do trabalho. Ou de pessoas famosas como Thomas Edson, Henry Ford e até da Pequena Sereia. Mas será que ir até o fim é sempre bom? Não existe uma situação em que desistir é melhor que continuar?
Desistir para resistir
Quem diria que a minha resposta viria das Olimpíadas, um dos eventos que reúne mais resiliência, persistência, determinação e sucesso no mundo. Mas veio. E o nome da resposta é Simone Biles, ginasta dos Estados Unidos. A mais vitoriosa do seu país em competições mundiais. Ninguém na ginastica artística esteve tantas vezes no pódio quanto ela – são vinte e cinco medalhas em campeonatos mundiais. Uma atleta que com 24 anos não tem nenhuma adversária capaz de vencê-la. Por consequência, um exemplo de sucesso e uma grande inspiração para jovens do mundo todo. No entanto, desta vez, seu grande exemplo não veio de uma vitória e de uma nova medalha, veio da sua desistência.
Seguir em frente a que custo?
A própria Simone disse em entrevistas que estava abandonado a competição porque precisa focar na sua saúde mental. E ainda fez um alerta de que “temos que proteger nossas mentes e nossos corpos e não apenas sair fazendo o que o mundo quer que façamos”. A jovem atleta me fez pensar na consagrada escritora Clarice Lispector em seu livro “Um Sopro de Vida” diz assim:
“Saber desistir. Abandonar ou não abandonar — esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando. Serei capaz de abandonar nobremente? Ou sou daqueles que prosseguem teimosamente esperando que aconteça alguma coisa?”
A hora de desistir
Há muita honra e mérito em desistir. Quando abrimos mão voluntariamente de algo, entendendo que prosseguir não será melhor que retroceder. Que continuar não é vencer, é perder. Perder a oportunidade de mudar de rota, de recomeçar, de valorizar aquilo que realmente importa. O escritor Mark Manson compartilha os três momentos que ele considera muito mais corajoso desistir. O primeiro é quando você não está melhorando a cada passo ou nova tentativa. O segundo é quando você se dá conta que o investimento que você faz é maior que o resultado que você vai obter. E o terceiro é quando você descobre que só está seguindo em frente movido pela vontade de provar algo para alguém.
Um estudo da Dominican University demonstrou que poucas pessoas tem um objetivo claro e definido. Ou seja, sabem exatamente onde querem chegar. O que está por trás do que fazem todos os dias. As que sabem bem, a ponto de escreverem esses objetivos, acabam alcançando-os bem mais do que todas as outras. Por fim, saber o que importa, o que é felicidade e sucesso, é uma ótima forma de compreender quando o mais corajoso e sábio não é seguir em frente e sim reconhecer que sim você veio até aqui e pode desistir agora.
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