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    Cuidar da saúde mental das mulheres é fundamental para diminuir desigualdades
    Arte: Carolina Vellei arte: carolina vellei
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    Com um sorriso entusiasmado e um otimismo contagiante, Ana Tomazelli se organiza em meio ao intervalo do almoço para contar a sua história. “Eu queria estar em casa com minha estante de livros coloridos no fundo, mas estou em coworking”, brinca no início da nossa entrevista. 

    Hoje, depois de pedir demissão do mundo corporativo — onde atuou durante vinte anos na área de Gestão de Pessoas —, lidera o Ipefem (Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas), uma plataforma do terceiro setor que atua nos eixos de educação, pesquisa e terapia cuidando especialmente da saúde mental das mulheres e de pessoas vulnerabilizadas

    Filha de um casal homoafetivo, a gestora sempre foi ensinada que “o céu é o limite”. Se arriscar, alçar novos voos, respirar outros ares, tudo isso sempre foi muito incentivado dentro da família. “Eu fui criada para ser independente, para ter a minha própria vida e para tratar as pessoas bem“, explica. “Eu só vim saber que isso se chamava feminismo no segundo ano do ensino médio”, conta Ana. 

    “Na prática, eu fui criada em um ambiente que é feito para o acolhimento e que não despreza ninguém”, se orgulha. Sua casa sempre foi uma mistura de adultos, crianças, idosos e pessoas vulnerabilizadas, como um tio soropositivo que foi acolhido pelas mães. 

    A criação de um novo caminho depois de um burnout

    Ana trilhou uma brilhante carreira na área de Gestão de Pessoas em diferentes empresas. Visitou países, teve espaço para trabalhar e se desenvolver profissionalmente, até que foi diagnosticada com um burnout. Precisou ir ao hospital, ficou dias sem falar e angustiada com a experiência desagradável de ver as situações dentro do trabalho que a levaram a chegar a um ponto tão drástico. 

    Mas, quem nunca voltou dois passos para trás e avançou três à frente? Há quem diga que a vida seja um jogo, com perdas, ganhos, vitórias e derrotas. O importante aqui é que, naquele momento, Ana decidiu que iria buscar novos caminhos, ou melhor, criar um novo caminho. 

    Foto: Arquivo Pessoal

    Migrar para o terceiro setor e trabalhar mais próxima de questões sociais foi seu primeiro impulso e, assim nasceu o Ipefem. “O que fazemos é, essencialmente, ensinar pessoas a identificar e interromper processos de violência socioemocional internos e externos, seja na família, nos relacionamentos ou no trabalho, com bastante foco no trabalho“, ressalta a fundadora. 

    “O que significa isso? Aprender a nomear as violências que não parecem violências para poder se proteger e ter uma vida mais saudável. Significa aprender a se posicionar, a dizer que determinado comportamento está te incomodando e a encontrar caminhos para que as micro agressões não se repitam”, acrescenta. 

    A intenção de Ana tem muito a ver com seu olhar em relação ao mundo e à sociedade. “Para mim, não basta apenas ser consciente das desigualdades. Eu sentia que precisava fazer algo concreto em prol da igualdade de gênero e da saúde mental das mulheres”, conta. “Então, me juntei com mais seis pessoas e criamos o Instituto”.

    Desde a fundação, em julho de 2019, mais de 5.000 pessoas participaram das pesquisas e foram beneficiadas, diretamente, mais de 3.500 com atendimento terapêutico e cursos livres focados em gênero e saúde mental. 

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    Paula (vamos chamá-la assim para preservar sua identidade) é uma moradora da região Nordeste e participou diretamente das formações do Ipefem durante a pandemia da Covid-19 em 2020. “Ela não faltava, não atrasava e tinha questões com seu emprego. Ela trabalha no mundo da arte e, durante a pandemia, muita parte das verbas para o setor cultural foi interrompido”, explica Ana, o que angustiava Paula diariamente. 

    Inesperadamente, depois de tanta participação e contribuição nas conversas, Paula decidiu se afastar do grupo sem comunicar à equipe. “Na terceira semana que ela não apareceu eu decidi procurá-la”, conta. Ana não mediu esforços, questionou a sua ausência e recebeu algo como “não estou bem e sinto que não tenho nada de positivo a oferecer”. “Bom, se eu só quisesse você quando estivesse bem, o meu trabalho não faria sentido aqui”, devolveu Ana. 

    E assim foi aproximando Paula novamente dos encontros semanais durante a pandemia. Com o fim da formação, as duas só voltaram a se comunicar novamente em 2022, quando Ana recebeu uma ligação que dizia “eu não não tenho mais ninguém para ligar, eu só tenho você”. Paula havia perdido seu filho durante o parto por negligência médica e aquilo a abalou profundamente. Logo, foi encaminhada para instituições que oferecem apoio emocional para pais enlutados.

    Em outro episódio, Ana pôde acompanhar de perto uma mulher lésbica, gorda e com diversos recortes sociais que a enquadravam em uma situação de vulnerabilidade dentro da sociedade brasileira. Com a autoestima abalada e os questionamentos sociais que enfrentava, o medo de aplicar para uma seleção de mestrado a paralisava. Depois de toda a jornada, dois meses depois, ela manda uma mensagem dizendo que foi aprovada”, conta Ana Tomazelli emocionada.

    Reflexões para um país da diversidade

    Ana, que sonha com um país em que haja igualdade de gênero, o fim do racismo e do preconceito com pessoas LGBTQIA+, explica que alguns caminhos são importantes para que isso seja alcançado. Primeiro, a gestora defende que o mercado precisa implementar medidas urgentes e sérias que rompam com esses estereótipos alimentados há anos, como as campanhas publicitárias que valorizam mulheres brancas e magras, por exemplo. 

    Em seguida, governos e ONGs do terceiro setor são imprescindíveis para que essas mudanças aconteçam. Este último, para Ana, “é quem empurra essa galera. E aí a gente chega nos micronúcleos, nas associações, nas igrejas”, finaliza. 

    Problemas importantes, como as duplas ou triplas jornadas de trabalho são grandes questionamentos que Ana sugere que sejam feitos na sociedade. Mulheres costumam conciliar um ou dois empregos com tarefas domésticas e cuidado dos filhos, atividade historicamente destinada a elas. Além disso, são “sete anos a mais de estudo e 4,7  horas a mais em casa exercendo tarefas de cuidado em relação aos homens”, sintetiza.


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