Não é só pelo tapete vermelho: as razões de um festival de cinema
Suzana Vidigal nos mostra como foi o Festival de Berlim 2022 e explica a importância de festivais como esse para o mundo. "O cinema que vem dos festivais nos abre para identificar, no outro, a humanidade que temos em comum".
Suzana Vidigal nos mostra como foi o Festival de Berlim 2022 e explica a importância de festivais como esse para o mundo: “O cinema que vem dos festivais nos abre para identificar, no outro, a humanidade que temos em comum”.
O primeiro festival de cinema internacional em que me aventurei foi em 2018, em Veneza. A Biennale di Venezia é o festival mais antigo de todos e entrou na prateleira dos sonhos realizados. Mas nem tudo é poesia. São dez dias de imersão nas salas de cinema assistindo, em média, quatro filmes por dia. O trabalho de acompanhar a estreia mundial das produções mais bacanas do momento é intenso. A imprensa assiste aos filmes no festival e tem a missão gloriosa de espalhar a boa nova mundo afora!
Depois de Veneza, resolvi experimentar o festival de Berlim e não parei mais. No frio ou no calor, cada qual tem a sua magia, o seu brilho.
Existe algo fundamental que constrói a noção de que nem só de tapete vermelho vive um festival. Ali é o fórum internacional onde novas histórias são compartilhadas.
Nos festivais, os assuntos em pauta no mundo são transportados para telona como ficção ou documentário, em diversos formatos e linguagens.
Matéria-prima das narrativas no cinema
Escrevo a vocês ainda tomada de emoção por todas as histórias a que assisti na Berlinale 2022. Berlim é gelada nesta época do ano, mas o calor de cada narrativa aquece e nutre minha imaginação e meus sentidos. Muitos dos filmes apresentados este ano – que teve suas particularidades por causa da pandemia –, são inspirados em fatos reais, histórias realmente vividas pelos roteiristas. Experiências que, de alguma forma, precisam ser contadas – por sua importância histórica e conhecimento, mas também porque fazer o filme foi a maneira daquele artista processar a sua própria trajetória de vida.
Poder consumir essas vivências é como mergulhar no universo particular de cada um deles e naquilo que a narrativa representa para o mundo. Teve história sobre mulheres na Indonésia e seu papel na sociedade; sobre um jovem turco-alemão enviado a Guantánamo sem julgamento depois do 11 de Setembro; sobre um casal que sobreviveu ao atentado na boate Bataclan em Paris; sobre um coletivo feminino nos anos 1960, em Chicago, que acolhia mulheres à procura de aborto seguro.
Outras tantas histórias contaram com atores amadores no elenco, mostrando uma naturalidade impressionante. Foi assim com os agricultores de pêssego espanhóis, com os montanheses dos alpes suíços e com os moradores da sofrida comunidade mexicana. As histórias de amor estão sempre presentes, as chinesas e as francesas, falando não só do amor de casal, mas também do amor-próprio na reconstrução de uma vida que precisa de outros rumos.
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Contação de histórias plurais
Depois de estrearem nos festivais, os filmes começam sua carreira comercial pelo mundo. Sorte nossa, porque grande parte dessas pérolas chega ao Brasil, formando um colar de emoções, conhecimentos e descobertas para quem estiver aberto a consumir linguagens cinematográficas plurais, capazes de nos trazer perspectivas diversas do mundo e de trazer nossa própria história de vida espelhada nas narrativas.
Escrevo tudo isso pra dizer que minha aventura nos festivais não é só minha.
Convido vocês a experimentar filmes falados em outros idiomas, a sair da zona de conforto, a ver o mundo através do olhar do outro.
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Não é por acaso que esses são os pilares do Cine Garimpo (@cinegarimpo). Muitas vezes os filmes mostram realidades que não conhecemos, paisagens não visitadas, culturas com que ainda não tivemos contato.
Além de entreter, nos livram da amarga chaga que a escritora nigeriana Chimamanda Adichie chama de “o perigo da história única”: a visão estreita que rouba das pessoas a sua dignidade e ressalta as diferenças ao invés de enfatizar as semelhanças entre nós.
O cinema que vem dos festivais nos abre para identificar, no outro, a humanidade que temos em comum.
Leia todos os textos da coluna de Suzana Vidigal em Vida Simples.
SUZANA VIDIGAL (@cinegarimpo) é tradutora, jornalista e cinéfila. Gosta de pensar que cada filme combina com um estado de espírito. Mas gosta ainda mais de compartilhar com as pessoas a experiência que cada filme desperta na mente e na alma. Autora do blog Cine Garimpo, traz dicas de filmes para saborear e refletir.
*Os textos de colunistas e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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