Seja um altruísta eficaz, o mundo precisa de você
O altruísmo está ao alcance de todos. Talvez porque a compaixão ajuda a compreender que as outras pessoas são como nós, sofrem como nós
“Para cada mil homens dedicados a cortar as folhas do mal, há apenas um atacando as raízes”.
Henry David Thoreau
Histórias e vídeos na Internet sobre a indiferença humana diante do sofrimento do outro chocam e tornam-se virais. Todos ficam indignados. Porém, esses mesmos indignados são capazes de assobiar para o lado quando deparam-se com alguém caído na sua calçada. Esse comportamento incomoda — apesar de banalizado — porque racionalmente não queremos ser assim. A ambição humana é ser bom. Tendemos para o bem. A inclinação que nos faz ajudar os outros — desinteressadamente, sem esperar contrapartidas — é a generosidade. É a virtude do dar. Diferentemente da amorosidade — aquele que dá porque ama — a generosidade é uma decisão racional. Outra virtude com o DNA semelhante à generosidade é a compaixão. Definida pelo filósofo francês André Comte-Sponville como a “participação no sofrimento dos outros”, ela não deve ser confundida com a simpatia, a capacidade de sentir a mesma coisa que outra pessoa. A simpatia não tem compromisso com o bem. Podemos ser simpáticos com alguém que pratica o mal, por exemplo.
As virtudes são muitas, interligadas e algumas se juntam e formam novas virtudes. A generosidade e a compaixão — e outros atributos não egoístas, como a humildade — formam uma virtude sofisticada e, infelizmente, com poucos praticantes: o altruísmo. Considerada uma atitude de nobres bilionários, santos ou quase — o filósofo Agostinho referia-se a ela como a capacidade do homem ser anjo — a necessidade do altruísmo está no ordem do dia. E, por uma razão muito simples. Com o planeta em colapso com epidemias, pobreza, refugiados e catástrofes ecológicas em marcha; só sobreviveremos se atuarmos de forma rápida e eficaz. Precisa-se de altruístas urgente.
A carência é tal que Peter Singer — filósofo australiano especializado em ética — elegeu o altruísmo como a sua causa maior. Na sua mais recente obra A Vida Que Podemos Salvar ele afirma que viver uma vida ética hoje não é apenas o “não farás” — não matarás, não roubaras, não enganarás. Devemos ir mais além. Se temos o suficiente precisamos partilhar com aqueles que tem muito pouco. Diariamente, Singer dedica-se a espalhar as suas ideias e desmontar as barreiras que impedem as pessoas de serem altruístas.
E barreiras há muitas. Você pode dizer que não ajuda porque não tem dinheiro suficiente. Ou porque a sua contribuição seria mínima e não faria diferença. Ou porque você não tem certeza se o dinheiro doado chegará ao destino. Estes argumentos mostram que há altruísmo, porém ele é travado por questões racionais. Diante do conhecimento desses entraves, Peter Singer criou o conceito de Altruísmo Eficaz. Não é apenas doar, é racionalizar todo o processo. Você escolhe uma causa na qual se identifica, faz uma estimativa do dinheiro disponível e checa o alcance e a eficiência da sua ajuda. É uma regra que serve para qualquer valor — de um real a um milhão.
Você não tem dinheiro sobrando no final do mês? Singer afirma que, com um pouco de racionalidade, é possível remanejar gastos. Todos os meses gastamos dinheiro com coisas que realmente não precisamos. Um exemplo: se a água da torneia é boa para o consumo, o dinheiro gasto em água engarrafada é dispensável (além de ser antiecológico, o planeta não suporta mais plástico). O dinheiro destinado à água engarrafada poderá ser redirecionado para outros fins, como por exemplo, salvar a vida de crianças. A Fundação Contra à Malária compra e instala redes de proteção em janelas para impedir que o mosquito se instale nas casas.
A malária é uma das doenças — evitáveis — que matam cerca de 19 mil crianças por dia. Há muitas pessoas que já compreendem essa ideia. É a combinação do coração (o desejo de ajudar) e a razão (ajudarei de fato). É claro que sentimos compaixão pela morte de crianças e pelo sofrimento dos pais que as perdem, mas é importante usarmos também a cabeça para nos certificarmos de que a nossa ajuda é eficiente e bem direcionada.
O altruísmo está ao alcance de todos. Peter Singer afirma que os mais importantes praticantes do altruísmo hoje são pessoas com formação em filosofia, economia ou matemática. E aqui um alerta para aqueles que alimentam preconceitos como o de que a filosofia está afastada do mundo real, que a economia serve para tornar o mundo mais egoísta ou que a matemática é para “nerds”. De fato, há um nerd que é o maior altruísta do mundo hoje — Bill Gates — que compreendeu a sua importância e tem o seu trabalho assente na máxima de que “Todas as vidas têm igual valor.” Foi a compreensão racional dos problemas do mundo que levaram Warren Buffett, Bill e Melinda Gates a serem os altruístas mais eficazes da história. Ninguém antes deles, nem John D. Rockefeller, fizeram tantas doações. E usam a sua inteligência para se certificarem de que são realmente eficazes. De acordo com uma estimativa, a Fundação Gates já salvou 5,8 milhões de vidas.
Ok. Você se animou e quer abraçar uma causa. Por onde começar? Se a sua preocupação é o valor doado e o que é possível ser feito com ele, consulte o site “Dar o que podemos” (www.givingwhatwecan.org), gerida pelo próprio Peter Singer. Se está apreensivo sobre a eficácia das organizações, uma boa fonte de informação é a Give Well (www.givewell.com), uma ONG que analisa a idoneidade e o impacto de instituições. Adianto uma informação, a Give Well examinou centenas de organizações e, atualmente, a “Fundação Contra a Malária” está no topo da lista.
Você não quer contribuir com dinheiro? Há muitas entidades onde você poderá doar o seu conhecimento, o seu serviço, o seu tempo. A AltruS (www.altrus.com.br), uma startup brasileira de tecnologia social, faz a ligação entre voluntários e aqueles que precisam de ajuda. Você quer contribuir com dinheiro, mas quer agir localmente? A AltruS também é um bom canal.
É possível que o altruísmo ainda não seja uma causa para todos. Muitos vem o ato de doar como um fardo. Os altruístas não pensam assim. Aliás, eles nem sequer se vêm como altruístas porque sentem que a vida que estão a salvar é a sua própria. Talvez porque a compaixão ajuda a compreender que as outras pessoas, onde quer que estejam, são como nós, sofrem como nós.
Há depoimentos de pessoas que afirmam que após o engajamento numa causa, curaram-se da depressão. Em traços mais largos, talvez a razão seja porque o altruísmo nos ajuda a ultrapassar a nossa condição de Sísifo. O rebelde mito grego foi condenado pelos deuses a empurrar uma enorme pedra até ao topo da montanha. Quando chega quase lá, o esforço torna-se demasiado, a pedra escapa, rola pela montanha abaixo, invalidando todo o esforço despendido. Ele tem que fazer a descida para empurrá-la novamente, e lá no topo, a cena se repete e assim vai por toda a eternidade.
O estilo de vida do homem moderno é semelhante ao de Sísifo. Ele trabalha arduamente para ganhar dinheiro, gasta-o em bens que ele pensa que trarão satisfação. Mas depois o dinheiro desaparece, a satisfação desaparece e ele tem que trabalhar arduamente para ganhar mais, gastar mais… É um círculo que se repete e que nunca se está realmente satisfeitos.
Talvez o altruísmo eficaz rompe esse círculo porque adiciona propósito e sentido à vida. Dá-nos o sentimento de pertença. Mostra que estamos fazendo diferença no mundo, que não estamos desperdiçando as provisões da tribo. Fortalece a crença de que a nossa vida vale a pena ser vivida. Escolha a sua causa!
MARGOT CARDOSO (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.
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