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Sobre olhar para dentro
Cynthia Magana | Unsplash
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Quando o medo é muito intenso, a resposta pode estar em reencontrar a infinitude que nos habita

Um país dividido. A decisão coletiva elimina inteiros e só deixa partidos. Amigos, encontros, famílias. Todos tontos, golpeados, no meio de uma partida que não escolheram jogar. A solidão multiplicada, a sensação de não encontrar o caminho de volta. O resultado do jogo afeta a todos, mas não sabemos pensar senão em times. O caminho do meio ficou invisível, temos somente o medo em comum.

Medo de não arranjar um emprego. Medo de perder o emprego. De não realizar um sonho, de perder o que se realizou. Está certo, a vida nunca foi feita de certezas. Mas, até outro dia, sabíamos insistir na ilusão de estar no controle. A vertigem do incerto nos fazia construir portos, mesmo que nem tão seguros.

Liberdade ameaçada, direitos jurados de morte. Parece cena de filme: não sabemos quando começou nem se vai acabar. Nós, que amamos tão facilmente as pessoas. Nós, que éramos tão livres. Não sabemos mais quem somos ou quem vamos nos tornar. No quarto escuro da insegurança, crescem os fantasmas. É tenebroso o que não podemos ver.

Em meio ao breu de notícias duvidosas, o medo é o maior inimigo. Torna-se, ele, o próprio perigo: embaça a vista, bambeia as pernas, cria tropeços que cegam os passos. Não era missão dele paralisar ninguém. Ele veio para nos dar medida, deixar-nos alertas, prontos para lutar ou fugir – o que é a ciência, senão nossa recusa em permanecer temendo o que não conhecemos?

Quando o mundo lá fora atormenta e assusta, quando esbarramos nos limites do outro, cuja escolha nos afeta e afronta. Quando repertórios particulares constroem pensamentos tão diversos. Quando em volta só existem muros. Nesse momento, é preciso voltar-se para dentro. Fechar-se no quarto e acender a luz. Desencorajar o medo num golpe só. Olhar o espelho, fazer um pacto com o infinito em nós. Colocar o pensamento em férias, abrir um livro de colorir e escolher a dedo novos tons para o mundo. Respirar, serenar e confiar. Se o perigo vem de fora, o medo vem de dentro. E aqui dentro é infinitamente maior que lá fora.

CRIS GUERRA acaba de lançar Procurava o Amor em Jardins de Cactos. Escritora, apaixonada por moda, acha que até as palavras servem para vestir. Escreve mensalmente na edição impressa de Vida Simples

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