A ambição de viver sem medo
Ontem eu descia a Rua do Alecrim em direção ao Tejo. E apesar da beleza de caminhar em direção aos reflexos do rio, do efeito da minha sombra projetada nos palacetes; eu pensava no meu destino e sentia medo.
Ontem eu descia a Rua do Alecrim em direção ao Tejo. E apesar da beleza de caminhar em direção aos reflexos do rio, do efeito da minha sombra projetada nos palacetes; eu pensava no meu destino e sentia medo. E é mesmo assim, o medo surge a qualquer momento, para qualquer um. Todos temos medos. Do perigo real e imediato, do futuro, da violência, do desemprego, da rejeição, da doença, do vazio, da incapacidade, da maldade, do envelhecimento.
E quando somos pais, a lista de aflições atinge o grau máximo: temos medo dos acidentes, dos canalhas, das bactérias, das tragédias sem sentido… O medo faz parte do mecanismo de defesa de todas as espécies, está intrinsecamente ligado ao instinto de sobrevivência e é muito bem-vindo. É ele o responsável pela fuga de um incêndio ou a luta como resposta a uma agressão. Porém, há dois tipos de medo: aquele que surge devido a um perigo real, mesmo diante dos nossos olhos e —outro — por aquilo que é imaginado.
Esse segundo tipo de medo é gerado por aquilo que o homem pensa estar no futuro. E esse medo pelo que não existe (que habita apenas a nossa cabeça) a filosofia vai chamar de temor. E por ser o mais comum, o mais inútil e também o mais danoso, o seu combate será um tema recorrente ao longo da história do pensamento.
Desde a antiguidade, com os estoicos — passando pela filosofia oriental, Nietzsche, Pascal — todos os que refletiram sobre as condições para uma vida boa pregaram a não preocupação com o dia de amanhã. Montaigne, em seu livro Ensaios, exalta a postura de Pirro de Élida. O filósofo navegava sob uma terrível tempestade e mostrou aos apavorados marinheiros um porco indiferente ao temporal e incitou a que todos imitassem a sua sabedoria. No pensamento cristão, a serenidade diante do futuro é uma recomendação repetida à exaustão. Os estudiosos afirmam que existem 366 menções ao “não temais” na Bíblia, uma para cada dia do ano, inclusive o ano bissexto! Eis um consenso entre quase todas as escolas filosóficas.
O temor deve ser combatido. Primeiro pela sua inutilidade: as nossas preocupações não têm qualquer poder sobre o que ainda está para acontecer. Mas, talvez, o mal maior do temor é o prejuízo que ele traz para o presente. Um indivíduo atemorizado com o futuro, não está inteiro e nem disponível para a vida, que só acontece no presente. Porém, apesar de ser uma guerra justa, o combate não é fácil. Vivemos sob a égide das expectativas. Metas e planejamento — tanto para a vida pessoal quanto para a profissional — estão na ordem do dia. Há uma espécie de fanatismo pelo controle que manda antever os problemas e pensar nas possíveis soluções.
Porém esse preparo traz mais inquietação do que realização. Como está fora do nosso controle, a obsessão pelo futuro traz um mal-estar por antecipação cuja única função é tornar a vida mais amarga do que ela já é.
Epicuro definiu o homem sábio como aquele que cuida do presente. Viva a vida, viva os seus sonhos, mas não viva os seus medos. Quando o temor transportar você para o futuro, seja firme e mantenha todo o seu corpo estendido no dia de hoje. É um propósito. Até o grande rei David perseguiu essa ambição. Muitas vezes ele clamou aos céus com o pedido: “Senhor, concede-me a graça de ser como os lírios do campo. Eu não quero me preocupar com o amanhã”.
MARGOT CARDOSO (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nos seus textos e colunas conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.
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