Como encontrar o amor
Para entender como esse sentimento floresce é necessário mergulhar mais dentro de si mesmo e descobrir os caminhos que ele percorre no interior de cada um.
Quando eu era pequena, adorava perguntar para a minha mãe sobre o dia do casamento dela.
Ela me contava sobre os detalhes do vestido, de cetim branco, que se desenhava lindamente em seu corpo, simples, sem bordados. O véu era comprido, de filó. E, nas mãos, ela trazia uma única flor, uma rosa vermelha. Eu adorava olhar essa foto, que morou, por muitos anos, na sala da minha casa da infância. Hoje, ela habita a mesa de cabeceira do quarto, ao lado da cama, junto com a foto da formatura do meu pai.
É a história deles, que completou 50 anos, mas não sei se é um enredo feliz. Talvez só eles saibam. A questão é que cresci acreditando que o meu dia também chegaria. Eu usaria um vestido branco, delicado como o da minha mãe, carregaria um buquê e colocaria a foto daquele instante em algum canto especial da minha própria casa. E, então, desde muito cedo eu busquei, assim como tantas outras pessoas, o amor, verdadeiro, profundo, que me completaria.
Buscar o amor é algo que boa parte de nós faz ao longo da vida. Quando ele não vem, quando não encontramos alguém que combine com a gente, vem a culpa, a tristeza e aquela sensação de que “nada dá certo para mim”, “eu não nasci para amar”, “não sou bom ou boa o bastante para isso”. A proposta desta reportagem é entender como encontrar o amor. Mas, já aviso, talvez ele não seja tão arrebatador assim, talvez você não encontre o príncipe e seu cavalo branco ou a princesa com um único sapato de cristal em busca do outro par que está na sua mão.
Já adiantando, talvez cada um encontre, primeiro, a si mesmo. E este já pode ser um ótimo começo. A partir disso provavelmente você descobrirá se quer, de fato, ser levado por esse amor ou se prefere, simplesmente, vivê-lo, do jeito que for, com ou sem vestido ou festa dos sonhos. Mais vida real, eu sei. Mais a gente mesmo. A leitura, acredite, vai valer a pena.
Laranja inteira
A primeira coisa a entender — e que, acredito, vai proporcionar um grande alívio — é que não existe metade da laranja, par perfeito ou encontro de almas. Essa ideia, aliás, é bem recente. Por muitos séculos, as uniões aconteciam não por amor, mas por conta de acordos entre as famílias, que tinham relação com política, economia, divisão de terras. Essa história só foi mudar no século 18, depois de um movimento artístico, político e literário contrário ao olhar mais objetivo e racional, chamado romantismo — é daí que vem o tal do “amor romântico”.
E que embutiu em nós supostas verdades sobre esse sentimento. E isso está presente até hoje nos enredos das novelas, filmes e livros. E, claro, na nossa vida. Porque, muitas vezes, é esse “final feliz” que tentamos encontrar em nossa trajetória. Isso também ajuda a compreender o motivo pelo qual, ao assistir a um programa que se propõe a encontrar o par perfeito ou o vestido ideal, ao ver a noiva se emocionar com “o vestido”, você chora no sofá de casa.
“Os autores românticos se dedicavam a retratar o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e belas donzelas a quem prometiam amor eterno. O amor, antes considerado uma febre juvenil, sem importância, se tornou então um sentimento nobre do ponto de vista moral e social, algo superior. E a paixão passou a ser vista como uma fábula pessoal, com passagens de magia, drama, êxtase, final feliz ou, no mínimo, dramático”, explica a psicóloga Desirée Cassado, professora da The School of Life, em São Paulo, e que ministra um interessante curso sobre o amor.
E segue: “Não que esses ideais estejam equivocados, mas, por criarmos expectativas tão grandes, eles levam ao sofrimento, assim como o casamento, por questões pragmáticas. Precisamos entender a natureza dessas expectativas e avaliar as possibilidades reais de atendê-las”, afirma.
Além disso, de acordo com Roman Krznaric, historiador e autor de livros, entre eles o ótimo Sobre a Arte de Viver (Zahar), o problema da herança do romantismo não é só acreditar que vamos encontrar um amor que vai nos completar para sempre. A questão é que esse tipo de crença fez com que reduzíssemos o conceito de amar a algo muito estreito. Em sua obra, ele traz um capítulo apenas sobre o tema e, devo revelar, me emocionei em muitos trechos.
Isso porque ele mostra, por meio da história e da filosofia grega em especial, que amar não diz respeito apenas ao sentimento que desenvolvemos em relação a um par. Podemos e devemos encontrar o amor em outras esferas da vida: com nossos pais, filhos, amigos, até mesmo com estranhos. Você pode, por exemplo, ter amado alguém por alguns instantes porque a conversa que acabaram de ter o emocionou. Pode viver e reviver o amor ao olhar para os filhos, ao vê-los crescer.
Eu me encanto quando vejo meus filhos caminhando pela rua. Eles são gêmeos, têm 9 anos, às vezes, quando se dão as mãos, confidenciam pensamentos, riem juntos de alguma cena do cotidiano que só os dois acharam engraçado. Isso me emociona e, nesse instante, meu coração se aquece e meus olhos transbordam. É amor. No último aniversário de casamento dos meus pais, comprei um vaso de flores para eles. Enquanto seguia para casa, olhando para as pétalas delicadas e vibrantes, chorei e me lembrei do tamanho do amor que eles sempre tiveram por mim. São recortes da vida que levamos todo dia e no qual o amor está presente, mesmo que a gente não se dê conta disso.
“É preciso fomentar as muitas formas de amor, em vez de persegui-lo em termos estreitos demais. Uma vantagem de pensar dessa maneira é que se você está muito infeliz com a dimensão da sua ‘vida amorosa’ pode concentrar a atenção, alternativamente, em algum outro tipo de amor”, escreve Krznaric em Sobre a Arte de Viver. E mais: ao fazer isso, vai perceber que o amor é muito mais abundante do que havia imaginado.
Onde tudo começa
Talvez você viva se martirizando com frases assim: “Eu só me relaciono com a pessoa errada”, “o amor nunca bate na minha porta” ou “nunca vou viver um grande amor”. Como já comentei por aqui, existem formas diversas de amar, que podem ir muito além da procura incessante pelo parceiro ideal. Mas há também um ponto-chave para entender por que vivemos presos nessa busca que nunca parece ter fim.
Conforme me explicou Desirée, nossas escolhas românticas têm muito a ver com as experiências pelas quais passamos na infância. “Mesmo quando o amor acontece de forma espontânea e arrebatadora, estamos sob controle de padrões estabelecidos muito cedo”, diz. Enquanto somos crianças vamos aprendendo como devemos ser amados, para o bem e para o mal. Seu pai ou sua mãe eram do tipo que não tinha tempo para você? O trabalho, os amigos, o hobby deles ganhavam mais atenção do que você? — e não bastava estar com uma fantasia engraçada, uma caixa de papelão na cabeça ou ter escrito a carta mais amorosa dos últimos tempos para que lhe dessem minutos de seu tempo.
A dinâmica que lhe é familiar é esta: não receber atenção. Isso explica, por exemplo, por que você terminou com aquela pessoa carinhosa, que o enchia de mimos. Grudento demais, não é mesmo? Pior, você reatou com alguém que (olha só?) nunca lhe dá a menor atenção. “Podemos acreditar que estamos buscando o amor, quando na realidade estamos querendo apenas familiaridade. É como se tentássemos recriar na vida adulta os mesmos sentimentos — positivos e negativos — que conhecemos quando éramos crianças.
Por outro lado, podemos ter vivido experiências tão ruins com nossos cuidadores, nessa fase, a ponto de não conseguirmos nos aproximar de nenhum parceiro que compartilhe com nossa família alguma característica em comum”, conta Desirée. “Acontece que as dinâmicas familiares nunca são totalmente negativas. Um pai alcoólatra pode ser também muito carinhoso; uma mãe controladora também pode ser muito culta e inteligente.
Quando rejeitamos qualquer tipo de familiaridade, rejeitamos também as pessoas carinhosas (no caso do pai alcoólatra) e as cultas (no caso da mãe controladora). Nos afastamos de características que nos fazem mal, mas perdemos a oportunidade de nos relacionarmos com pessoas que possuem características que nos fariam bem”, explica sabiamente Desirée.
Como resolver esse ciclo? Para responder a essa pergunta a psicóloga usou uma expressão que achei linda demais: é preciso dar um salto de fé. Isso significa se abrir a novas possibilidades, dar um crédito para quem, aparentemente, não seria o seu par perfeito, não lhe atrairia segundo seus critérios já preestabelecidos. E, nessa busca, não tentar encontrar no outro ou na relação aquilo que você também é incapaz de dar: perfeição. “É olhar para si com mais empatia e compaixão e acreditar que existe espaço para a imperfeição no amor. Que amamos e somos amados justamente por essa mistura única de características imperfeitas. É um conjunto bonito e intrigante de qualidades e defeitos que nos torna merecedores do amor”, finaliza.
Onde o amor floresce
Por fim, entendi também que o amor não vai bater na sua porta, porque ele começa essencialmente e primeiro dentro da gente. E que as perguntas que teremos ao longo desse caminho nem sempre serão fáceis. Como me disse o filósofo e escritor Matheus Jacob: “União não significa extinção. Significa ser em comunhão, mas sem perder a sua essência, a sua identidade. Somente assim tornamos o amor possível, em todas as suas formas.”
Como cuidar da sua própria existência sem querê-la bem? Como dividir uma vida inteira com alguém sem amar a sua independência e liberdade? Como viver em sociedade sem estender aos demais o nosso amor? Precisamos compreender que o amor só é possível por ser tudo aquilo que nos une e, ainda assim, nos escapa. É essa a exata razão pela qual dizemos: ‘Todo amor é livre’”.
Foi exatamente isso o que também entendi ao buscar uma orientação mais espiritual, digamos assim, para o amor. Quem me ajudou nisso foi João Vale Neto, aluno do lama Padma Samten, mestre em comunicação, e que dá palestras e cursos sobre a sabedoria budista e questões inquietantes da vida, como o amor. Antes de enchê-lo de perguntas, pedi que ele me falasse um pouco sobre ele: “Sou do sertão, que é um lugar que impressiona muito, que tem uma mística própria. Também criei uma relação próxima com a natureza. No sertão, você vê o céu de uma forma muito direta, muito bonita. Acho que por isso eu também não consigo me satisfazer com respostas fáceis”.
Entendi com João que é muito difícil a gente conseguir conhecer o mundo do outro quando mal conhecemos o nosso, que precisamos aprender a apreciar quem somos primeiro. Entender cada pedacinho do mundo interno, olhar para nossas imperfeições, medos, desejos. A meditação pode ajudar nisso. “Em algumas práticas de meditação, a gente vai ver que é preciso amar as diferentes expressões emocionais dos seres.
Então surgem questões interessantes: como amar de verdade uma pessoa que está presa na raiva, na carência, no luto? A resposta passa sempre por nós mesmos: quando conseguimos fazer isso com a gente, conseguimos fazer com o outro. Mas geralmente usamos mais a culpa e perdemos a oportunidade de nos autonamorarmos e, por isso, de apreciar o movimento externo.”
Além disso, é necessário ter humildade para aprender com o outro e estar disposto a ensinar. Não no sentido autoritário, de quem quer impor algo. Mas de quem olha para si mesmo, percebe suas falhas e encontra ali alguém que pode lhe mostrar por onde seguir para acertar mais e, quem sabe, errar um pouquinho menos. “Qualquer pessoa que queira entrar em um processo amoroso precisa entender que está diante de uma tarefa pedagógica especial onde tanto ela quanto o outro vão se transformar bastante.
Não ama de verdade quem não quer aprender nem quem deseja se manter o mesmo”, completa João. “Cada relação é um convite a nascer de novo, de uma forma nova.” Isso porque o amor não é uma busca externa, mas interna. E, quando entendemos isso, o que não é fácil, porque temos muitos julgamentos, descobrimos o caminho do acolhimento interno. É como poder estar à vontade com a gente, sem precisar de nada nem ninguém. Esse estar à vontade não é um lugar de orgulho, mas de sentir-se aberto e amoroso consigo mesmo. Nesse momento, estamos prontos para nos abrir para o mundo.
Ao terminar a nossa conversa, pergunto a João que conselho ele daria para quem está em busca de um amor e acredita que nunca vai encontrar: “Meu conselho seria que realmente mergulhe no mundo interno e inicie um caminho profundo de autoapreciação. Com isso, você vai descobrir que o mundo externo é um lugar muito amplo e criativo — assim como o interno. Autoapreciação inevitavelmente vai virar apreciação externa. E então você vai poder se abrir para a aventura de amar de verdade”.
Olho, então, para as fotos que tenho na sala de casa. Tenho 11 anos de união, casamento para os mais formais, mas não tenho nenhuma imagem minha vestida de noiva. Seguimos um roteiro fora do padrão. Não foi amor arrebatador, mas que aconteceu entre encontros e desencontros. Quando decidimos que estávamos prontos para aquele sentimento, pouco tempo depois, tivemos filhos, gêmeos. Casamos depois, no papel.
Um dia, sem muitos planos, fomos ao cartório. Usei um vestido de flores, leve, fluido. No meu colo eu trazia não flores, mas um de meus filhos. Não temos muitos retratos desse dia, mas as fotos do dia a dia, das crianças brincando, de nós dois sorrindo, juntos, separados, aprendendo, errando, vivendo e, no meio de tudo isso, nos amando. Não existe roteiro pronto ou respostas fáceis. Existe eu, ele, nós. E, quer saber, está tudo certo. Pode não ser para sempre, mas é para sempre hoje.
O amor, eu acredito agora, não é uma conquista, um lugar que se alcança e se ostenta na prateleira de casa. É um encontro diário. Então que ele nasça em mim, em você, em todos nós, todos os dias.
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