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Quando meninos se tornam homens?
Karl Fredrickson | Unsplash
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Compreender a importância dos ritos de passagem nos ajudam a compreender melhor alguns dos problemas da nossa sociedade.

Certa vez organizamos no Brotherhood um encontro com a presença da Sweet Medicine, uma anciã dos povos nativos norte-americanos e guardiã dos saberes ancestrais dos Chicksaw, Chocktaw e Lakota. Queríamos escutar dela como era a forma que sua tradição educava os meninos para se tornarem homens.

Antes de tudo, ela nos contou que os meninos são iniciados no uso das armas e então perguntou: “Vocês sabem qual é a primeira arma que um menino aprende a usar?” Eu pensei que poderia ser faca ou  machado. E ela disse: “A primeira arma que um menino aprende a usar é a língua. Primordialmente, ele aprende que com a palavra é possível ferir alguém e destruir algo que foi construído”. Eu achei aquilo fantástico. Basta olhar para a forma como alguns dos grandes líderes homens do Brasil e do mundo se comunicam para perceber que eles não foram iniciados neste ensinamento.

Por fim,  ela nos contou que em determinada idade (acredito que por volta dos 13 ou 14 anos) os meninos são enviados numa jornada chamada Busca de Visão. Eles sobem uma montanha e ficam sozinhos por alguns dias, sem alimento, apenas em conexão com a natureza e buscando escutar o Grande Mistério, nome que eles usam para se referir ao Divino.

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Crédito: Junior Reis | Unsplash

Durante esse período, a intenção é que cada menino consiga conversar com o Grande Mistério e descobrir o seu propósito de vida para servir melhor à comunidade. Depois de alguns dias eles retornam muito mais fortes e com a intuição mais apurada, sabendo a qual profissão eles iriam se dedicar.

Busca de visão

Assim, eu conto essa história para compreendermos a necessidade dos ritos de passagens para os homens. Nessa Busca de Visão — prática que hoje é reproduzida por estudantes de xamanismo e que existe também em algumas tradições indígenas brasileiras — cria-se  um momento em que o menino tem a possibilidade de desenvolver sua força interna. Ele aprende a suportar as condições adversas a que é exposto — fome, frio, calor, mosquitos, escuridão — e a encarar seus medos de frente.

Na nossa sociedade, os meninos se tornam homens sem nenhum tipo de ritual. As mulheres ainda passam por uma espécie de iniciação que é a chegada da sua primeira menstruação. Ao menstruar, uma mulher está pronta para gerar uma vida e isso é bastante simbólico e significativo na psicologia feminina.

Entretanto,  os meninos não têm isso. Algumas pessoas acreditam que a passagem do menino para o homem se dá pela perda da virgindade. Outras, que é depois do primeiro porre com bebidas. Ou quando ele completa 18 anos e pode dirigir. Nenhum destes momentos é um rito iniciático como o apresentado pela Sweet Medicine. São “pseudo ritos”. Nenhum desses momentos provoca esse fortalecimento interno que traz um amadurecimento tanto físico quanto emocional.

Adultos infantilizados

Em consequência disso, temos uma sociedade de homens infantilizados. Meninos que cresceram e envelheceram mas ainda não amadureceram. Que não se desenvolveram emocionalmente e que não têm uma firmeza interna à altura dos desafios que eles enfrentam na vida.

Sobretudo, homens infantilizados têm a tendência a se vitimizarem, a não assumirem as responsabilidades pelos seus atos e, consequentemente, a não se engajarem na transformação da sociedade. Infelizmente ainda estamos muito distantes de uma maturidade masculina.

Marcas da infância

Acima de tudo, o que cabe a cada homem é se observar, se questionar e tomar consciência da sua própria infantilidade. Olhar para sua criança ferida e perceber como as marcas da sua infância ainda influenciam nos seus comportamentos e nas suas relações. Por fim, para sermos justos, nem todos os homens estão inertes. Mas muitas vezes, as circunstâncias da vida e os desafios que cada um enfrenta é que provocam esse amadurecimento.

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Guillaume de Germain | Unsplash

Pode ser a paternidade, um desafio profissional ou financeiro, uma doença de alguém na família, algum evento que, de alguma forma, tire o seu chão. Porém, todas essas situações são eventuais e não planejadas. Acreditamos que é possível criar condições para que este amadurecimento aconteça de forma intencional, sem que se espere um acontecimento incerto para que essa transformação ocorra. Este é um dos nossos temas de estudo no Brotherhood.

Ritos de passagens de hoje.

Contudo, existem algumas comunidades indígenas aqui no Brasil que fazem uma iniciação onde os meninos precisam passar por uma provação colocando a mão em um formigueiro e aguentando a dor física. Por exemplo, aguentar a dor física os ajuda a se fortalecer internamente, segundo sua visão. O filme Capitão Fantástico também apresenta um rito de passagem criado por um pai que resolve educar seus filhos na natureza, distante da sociedade. Ele coloca seu filho mais velho numa espécie de teste onde ele precisa caçar um cervo sozinho, com uma faca.

Aos olhos de hoje, estes rituais parecem ser bem brutos e até violentos. Apesar de conferirem esse fortalecimento interno, acredito que é possível desenvolver experiências que sejam mais adequadas à cultura de hoje e que não envolvam nenhum tipo de violência.

Um marco

Dessa maneira, essa passagem do menino para a vida adulta, não é apenas um marco para que ele sinta esse fortalecimento, ou que se credencie para fazer algumas coisas por si próprio. É um marco para que a sociedade possa olhar para esse homem e sentir que ele pode participar da vida comunitária sem causar prejuízos ou danos.

Acima de tudo, o rito de passagem pode ser um marco onde preparamos os homens para que se tornem cidadãos mais conscientes, que desenvolvam a consciência adequada para ocuparem seus lugares, deixando o lugar de criança que apenas recebe o cuidado dos pais. E, acima de tudo, que ele se torne um ser humano pronto para cuidar de todos os seres, inclusive do planeta. Existe um provérbio africano que diz: “Se nós não iniciarmos os meninos na tribo, eles vão colocar fogo no vilarejo”.


GUSTAVO TANAKA, escritor e fundador do Brotherhood. Escreve mensalmente numa coluna da Revista Vida Simples e agora vai compartilhar histórias de masculinidade junto com os amigos de caminhada nesses estudos sobre masculinidades.  

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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