Nossas raízes
Beijei o meu amor pela primeira vez em 2001. Não vivemos uma odisseia no espaço, mas o dia era dois de fevereiro, festa de Janaína, rainha do mar. Só muito tempo depois nos demos conta de que aquele primeiro encontro na rua Madalena, na cidade de São Paulo, traria luzes da nossa odisseia.
Beijei o meu amor pela primeira vez em 2001. Não vivemos uma odisseia no espaço, mas o dia era dois de fevereiro, festa de Janaína, rainha do mar. Só muito tempo depois nos demos conta de que aquele primeiro encontro na rua Madalena, na cidade de São Paulo, traria luzes da nossa odisseia. E, assim, caminhamos juntos sobre as águas por mais de uma década. Minha companheira é um carvalho, como foi minha avó, com raízes fortes e profundas. Nosso amor moldou seu tronco em um casco sólido. O mesmo amor inflou de vento meus sonhos que, como as velas de nosso barco, nos levou até as mais belas costas. Neste barco, força e sonhos cresceram: Clara, a filha primogênita, com seus ventos, e Júlia, a caçula, com seu tronco. Quando me dei conta já não éramos dois a escolher nossas rotas, mas quatro. Dessa maneira, chegamos à Nova Zelândia no fim de 2012 para proteger-nos da temporada de ciclones por seis meses e seguir para Oeste. Durante os anos em que navegamos, sempre tivemos claro que a educação das meninas precisava acontecer a bordo. As constantes rupturas, em escolas diferentes, seriam danosas para elas. Contrariando esse hábito, assim que descansamos da dura navegada entre Tonga e Nova Zelândia, nos vimos atraídos por uma escola a mais de 200 quilômetros do porto onde estávamos. Tínhamos apenas seis dias antes do voo para o Brasil onde passaríamos o final de ano. Viajamos, então, para a cidade de Titirangi, e nos apaixonamos pela escola Waldorf de lá. E ainda conseguimos alugar dois quartos na casa de uma das mães da escola. A corrente surgia límpida. A vida dava uma virada e nossas raízes, agora, tocavam o chão. A facilidade com que nos adaptamos e tecemos laços foi grande. Os seis meses passaram rápido e foi fácil decidir passar mais um ano naquele lugar. O barco precisava de reformas. Estávamos cansados. Ficamos. O ano voou. Quando me dei conta de que apenas eu queria seguir, me vi sem casco, sem vento e sem meu carvalhinho. Foi longo e dolorido o processo de seguir a corrente que se estabelecia. Minha identidade havia se firmado no papel de nômade.
Sandra, minha esposa, se restabeleceu profissionalmente em uma velocidade incrível. Hoje ela trabalha com Bárbara (Soalheiro), minha antiga vizinha de coluna aqui na Vida Simples. Elas levantaram uma ponte linda entre a Nova Zelândia e o Brasil. No chão fértil daqui, as meninas florescem mais a cada dia e, enquanto isso, eu me reinvento. No ano que passou, naveguei por quatro meses sem elas. Não posso dizer que gostei, mas matei a sede de sal. O Santa Paz foi para Fiji e Austrália. Os planos deste ano são de velejar para a terra dos vulcões. Vou para Vanuatu, onde as velhas tradições e o tempo dos elementos rege a vida. Nossa odisseia começou há mais de uma década com uma dor em minhas raízes: um diagnóstico errado de câncer de próstata. E a perspectiva de pouco tempo de vida empurrou nossos sonhos para o já. Gosto do agora, do presente. Finco minhas raízes e força na Nova Zelândia.
LUCAS TAUIL DE FREITAS vive com a família na Nova Zelândia, mas ainda segue navegando com o Santa Paz.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login