Clubhouse: Por quê continuamos buscando no lugar errado?
Clubhouse acelera frenesi e busca por sentido onde talvez não exista
Clubhouse acelera frenesi e busca por sentido onde talvez não exista
Na abertura do livro Humanos de Negócios, coloquei a letra da música Society, de Eddie Vedder. Composta para o filme Into the Wild, captura com maestria incrível algumas contradições da espécie humana. E sempre me faz pensar. Desde que li o livro (e depois vi o filme), a história de Chris McCandless nunca saiu da minha cabeça. Um jovem de uma família de classe média americana, com todas as possibilidades de ser “alguém na vida”, resolve jogar tudo para o alto para buscar a liberdade da pura conexão com a natureza.
Vinte e cinco anos depois do lançamento do livro do excepcional Jon Krakauer (vale ler o livro No Ar Rarefeito, dele também), as reflexões e contradições estão mais vivas do que nunca. Se alguém não se adapta à sociedade como funciona hoje, quem está errado: esta pessoa ou a sociedade?
O ato de tentar encontrar um certo ou errado nesta história já é, acredito, olhar pelo ângulo errado. Numa teia (tecedura) não-dualista, o certo ou o errado é apenas uma projeção da mente. Nossa experiência é uma interpretação do nosso cérebro. O objeto só existe a partir da mente do observador. A interpretação do mundo é uma experiência extremamente pessoal. Se fosse fácil aceitar isso, não haveria a discussão sobre a decisão de Chris. Ele foi egoísta ao fugir para a natureza, despreparado, e depois de dois anos sem notícias seus pais descobrirem que ele morreu nos confins do Alasca? Ou estava apenas buscando sua verdade, desconectado das promessas malucas de uma sociedade que está engolindo o próprio rabo, como Ouroboros, à beira de uma catástrofe climática?
Com enorme frequência me vem à cabeça o capítulo de Jared Diamond no livro Colapso em que narra as desventuras civilizatórias na Ilha de Páscoa. Obcecados em uma competição pela construção do maior Moai (as gigantes estátuas de pedra), os Rapa Nui, habitantes da ilha, destruíram os recursos naturais. Sem árvores, a Ilha de Páscoa virou um deserto que dizimou a maior parte da população. Os cientistas dizem que a Amazônia está próxima de chegar a este ponto. Será o Planeta Terra uma imensa Ilha de Páscoa?
No jantar antes de desaparecer da sociedade, o pai de Chris fala que vai comprar um carro para ele. Ele responde que não quer. “Eu não quero nada, ele fala”. Ao rever esta passagem, lembrei de uma história. Meu pai foi pro Japão em 1989 e pedi algumas coisas para ele de “presente”. Ele trouxe para o meu irmão e para mim fitas cassetes virgens da Sony, marca japonesa. Era o modelo UX-40. As melhores para poder copiar músicas de fita para fita, como se dizia. Eram caras. Meus amigos tinham e eu “precisava” para não ficar de fora.
Quando peguei as duas fitas, minha alegria foi enorme, eufórica e logo (bem) efêmera. Mesmo assim, negociei com meu irmão para ter as duas que ele havia ganho. Na época, com 13 anos, eu criava peixes em aquário e ele gostava de brincar com o cascalho que costuma ir no fundo para fixar plantas aquáticas. Troquei um quilo de cascalho pelas fitas. Dobrei meu “patrimônio” e me achei muito esperto. O fato é que aquelas fitas não significavam nada para meu irmão. Ele tinha nove anos, ainda não ouvia música e não tinha amigos com quem se comparar. E brincou feliz com o cascalho. Muito mais feliz do que eu com aquelas fitas na mão.
Alguns anos atrás, voltando de uma viagem do Japão, a história se repetiu e perguntei para meus dois filhos (mais ou menos com a mesma ideia que eu tinha na época da viagem do meu pai se eles queriam alguma coisa). Para minha enorme surpresa, disseram que não queriam nada. Perguntei por quê e eles simplesmente disseram que não queriam porque não precisavam de nada. Uma lição de vida que me fez pensar sobre o que a gente realmente precisa.
Fazendo um paralelo aleatório, fico olhando o frenesi descontrolado da chegada de uma nova rede social no Brasil, o Clubhouse. Influenciadores, lançadores de produtos digitais, empreendedores de palco, palestrantes profissionais de livros de auto-ajuda já dominaram o aplicativo. Reproduzindo a mesma lógica dos outros apps, criando uma espécie de pirâmide de sucesso, como escreveu o colunista da Folha de S. Paulo Joel Pinheiro da Fonseca:
“A crença meritocrática parte de algo positivo: o desejo de criar, de conquistar, de ir além; a ambição que leva ao crescimento. Competir, dentro de certos limites, é bom.
A ambição pessoal é um motor que não deve ser sufocado. Trabalhar, empreender e criar são marcas nacionais. Mas o excesso está nos matando: uma overdose tóxica de coaches, blogueiras, pastores, empreendedores de palco e esquemas de pirâmide que nos pinta, como ideal de sociedade, a lei da selva. Falta alguém que reconheça o óbvio —não, não é possível todos “chegarem lá”— e tire as consequências políticas disso.”
O mundo do FOMO (fear of missing out, medo de ficar de fora, em inglês) alimenta a nossa sociedade por todos os lados, a começar pelo marketing de produtos que vendem a felicidade. “Você precisa ter.” Era o que eu sentia sobre as fitas cassete. O desejo em excesso.
Não é fácil ir contra este sentimento. Viver em sociedade hoje significa estar exposto a isso em todos os momentos. No meu caso, encontro conforto na meditação, buscando criar um vazio na mente. Ou buscando manter foco no propósito de construir algo que seja benéfico para outras pessoas além de mim. É uma visão pessoal, subjetiva, que me traz tranquilidade. Talvez traga para quem consiga olhar para dentro por algum período de tempo contínuo.
O fato é que a felicidade de verdade não está em coisas ou bens. Há pesquisas e estudos comportamentais sobre o tema. Porém, é tão difícil ouvir ou ler sobre isso enquanto a máquina de propaganda de um capitalismo de crescimento infinito nos bombardeia sem parar.
Ouvi certa vez de quem chegou lá, um dos mais bem-sucedidos empresários brasileiros: “posso dizer desta posição que bens materiais não significam a felicidade que costumamos acreditar”. Ok. E por quê continuamos buscando no lugar errado? 25 anos depois do lançamento do livro de Krakauer, esta pergunta está mais viva do que nunca. À beira do precipício, conseguiremos responder a tempo de frear o colapso civilizatório?
Rodrigo V Cunha estuda movimentos contemporâneos de evolução da humanidade para interpretar e compartilhar conteúdos em diferentes formas: palestras, textos, apresentações, artigos e conversas. É fundador e CEO da ProfilePR, uma agência de relações públicas que conta histórias de marcas e pessoas que trabalham com sustentabilidade, impacto positivo e projetos regenerativos. Também é autor do livro Humanos de Negócios e foi o primeiro embaixador do TED no Brasil. Tem 44 anos, casado, três filhos e surfa desde os 12 anos
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