Como tomar decisões mais conscientes
O neurocientista Álvaro Machado Dias utiliza a ciência para explicar o que acontece conosco no momento de fazer uma escolha.
- A gente vive num mundo que nos exige tomar decisões rápidas e sempre assertivas, com pouco espaço para o pensar e amadurecer os verdadeiros desejos. Como essa lógica, quase que fordista, nos impacta enquanto seres humanos?
- Tomar decisões, em alguns momentos da vida, é difícil. Por que temos essa barreira - e por que ela pode ser ainda maior quando envolve outras pessoas?
- Por que algumas pessoas têm mais dificuldades do que outras para tomar decisões?
- É possível romper com os dogmas e crenças pré-existentes em cada um para tomar decisões mais criativas e romper com determinados padrões?
- Em alguns momentos, dizer “não” para ideias e pessoas é incrivelmente satisfatório, dá uma paz de espírito. Por que, por vezes, sabemos colocar em prática nosso desejo e em outras isso é tão pesado?
- No dia a dia, existe um momento essencialmente ruim para tomar decisões?
O neurocientista Álvaro Machado Dias utiliza a ciência para explicar o que acontece conosco no momento de fazer uma escolha. Acredite: é possível optar por aquilo que seu coração verdadeiramente quer sem sofrimento
Desde o que comer no almoço, a esquina que virará, ou se vai casar ou comprar uma bicicleta: independentemente da decisão, seja ela mais simples ou mais complexa, sempre haverá consequências. E por isso escolher nem sempre é fácil.
Na sociedade em que vivemos, com tantas informações e tecnologias disponíveis, e a exigência de escolhas cada vez mais assertivas e num curto espaço de tempo, nem sempre temos a possibilidade de pensarmos e decidir de acordo com nosso real desejo. Qual o efeito disso nos caminhos que seguimos? Esse é o objeto de estudo do neurocientista cognitivo Álvaro Machado Dias.
Professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo), membro da Behavioral & Brain Sciences (Cambridge) e do Painel Global de Tecnologia do MIT Tech Review, Álvaro é especializado em processos decisórios. Entende a pressão e nos ajuda, com o olhar da ciência, a tomarmos decisões mais conscientes.
A gente vive num mundo que nos exige tomar decisões rápidas e sempre assertivas, com pouco espaço para o pensar e amadurecer os verdadeiros desejos. Como essa lógica, quase que fordista, nos impacta enquanto seres humanos?
Há, de fato, uma grande transformação em curso, a qual tem a ver com as chamadas micro-decisões, que são as decisões de baixo impacto, que tomamos ao longo do dia. Quando somadas, elas revelam uma propriedade surpreendente: moldam nossa cultura e dão o tom da vida individual de maneira tão ou mais importante do que as chamadas grandes decisões. Por isso, devemos sempre manter um olho em sua dinâmica. Segue abaixo a minha tese sobre o que vem acontecendo.
Fora das zonas de exclusão social extrema, a “aldeia global” é fortemente digital. Nela, as interações fluem de maneira muito mais rápida e impessoal do que nos espaços exclusivamente analógicos de convívio, que eram dominantes até o fim da primeira década deste século. Uma das consequências desta rapidez é o aumento na quantidade de decisões que cada um é estimulado a tomar, sem que sequer perceba.
À princípio, parece algo positivo, afinal, a autonomia para tomar decisões é central para a liberdade de escolha. Porém, não é bem assim. O principal fator multiplicador das decisões no ambiente digital é o processo de avaliação, personificado pelo botão de like, assim como pelas estrelinhas e feedbacks escritos. Eu decido que nota devo lhe dar e que comentário devo fazer sobre você e o que põe no mundo.
Uma quantidade astronômica de energia é investida nesses juízos – que de fato são importantes para a economia da confiança, mas que vão muito além disso, gerando impactos psicossociais profundos, quando se tornam pessoais. Em contraste, estamos cada vez mais vivendo num mundo de serviços por assinatura. Se antes apenas planos de telefonia e serviços essenciais eram assinados, hoje as assinaturas estão por todas as partes. Uma consequência disso é que não decidimos quando recontratamos um serviço; isto acontece por default.
Você assina Netflix, Disney+, plano de entregas do Rappi ou qualquer outra coisa e depois esquece que existe. Porém, sob o manto deste esquecimento, há um pacto que se atualiza, exatamente como se você decidisse mantê-lo. Pior ainda, a decisão de sair acaba sempre protelada. E esvaziada. A combinação de julgamentos digitais com decisões por assinaturas cria uma situação em que as pessoas decidem cada vez menos sobre aquilo que impacta as suas vidas e cada vez mais sobre aquilo que impacta a dos outros. E isso, sejamos claros, pode ser um problema.
Tomar decisões, em alguns momentos da vida, é difícil. Por que temos essa barreira – e por que ela pode ser ainda maior quando envolve outras pessoas?
As decisões mais importantes são, por definição, difíceis – afinal, há muito em jogo. O problema é que essa dificuldade pode evoluir para um estado de permanente incapacidade decisória, de procrastinação. Há pouco mais de uma década, lancei uma teoria neurocientífica chamada IDD (intuição derradeiramente decisória). De acordo com esta, existe um tipo especial de intuição que muitas vezes nos salva da indecisão extrema.
Em resumo, a ideia é a seguinte: quando uma decisão é importante e a incerteza é grande, é fácil ser sequestrado pela narrativa mental das opções, com seus inúmeros fatores, de curto, médio e longo prazo. Nestes casos, a tomada de decisão forma uma espécie de labirinto, onde a intensificação do esforço para encontrar a saída correta só aumenta a frustração por não conseguir fazê-lo.
Por que isso ocorre? O que a IDD mostra é que, nestes casos, a reiteração do esforço para mapear tudo o que está em jogo dificulta a ativação de alguns processos afetivos importantes para navegar pela incerteza e pela alta complexidade.
Daniel Kahneman e Amos Tversky fizeram uma revolução na economia comportamental falando de um processo decisório dual, onde o sistema 1, de base intuitiva, faz o pré-processamento, enquanto o sistema 2, de base analítica, faz a parte fina. A IDD teoriza e demonstra experimentalmente que existe um sistema 3 que entra em jogo quando o sistema 2 mostra-se insuficiente para a tarefa de nos guiar pela incerteza e alta complexidade, mas que isso depende de uma manobra psicológica, por meio da qual o indivíduo para de focar o problema em si e passa a focar a reminiscência das experiências afetivas produzidas enquanto tentava encontrar a alternativa ideal para sair do impasse.
Aqui vão alguns ensinamentos práticos da IDD: (1) a incerteza rapidamente depleta nossa capacidade analítica; (2) é importante aceitar esta impotência analítica, nas situações em que a mesma se mostra verdadeira – não é porque queremos que seremos capazes de controlar o futuro; (3) quando o esforço racional bate contra a parede é preciso ser flexível e trocar a análise com o “olho da mente” pela análise das emoções residuais, formadas enquanto corríamos atrás da decisão ideal e maneira analítica; (4) tal mudança de foco estimula o surgimento de uma espécie de intuição decisória, que nos ajuda a escolher com convicção e a viver bem com as consequência disso.
Um ponto importante a se notar é que a IDD não diz que decidir as coisas sem pensar é melhor do que decidir analiticamente – isto foi algo erroneamente interpretado por alguns interlocutores da década passada, mas já superado. O sistema 3 recebe seus inputs enquanto analisamos as opções e quebramos a cabeça para encontrar uma saída para impasse. A questão, simplesmente, é entender que o problema decisório pode estar além da nossa capacidade analítica e que, nessas situações, há uma inteligência de base afetiva que não pode ser desprezada.
Por que algumas pessoas têm mais dificuldades do que outras para tomar decisões?
Há dois tipos de dificuldades: vieses sistemáticos que conduzem a más decisões e, assim, à cronificação da infelicidade; e sofrimento mental para decidir, que pode ou não afetar a qualidade da decisão. Considerando apenas o segundo tipo, que dá o tom da pergunta, as dificuldades são manifestações da insegurança. Este é o principal traço a atravancar o processo decisório “normal”.
A insegurança, por sua vez, pode ser uma decorrência de um traço psicológico específico (o que chamamos de sub-personalidade), ou pode ser fruto de uma história de insucessos decisórios. No primeiro caso é mais difícil mudar; já no segundo, sentimentos como rancor e frustração tendem a ser mais intensos. Assim, cada tipo sofre por uma causa.
A moral da história é que não podemos conhecer uma pessoa apenas por sua falta de firmeza decisória. Importa saber o quanto ela está relacionada a decisões específicas e o quanto é uma decorrência de sub-personalidades. Isto, naturalmente, aplica-se ao autoconhecimento: quem se identifica com esta descrição deve dar o próximo passo, investigando seu histórico de desfechos decisórios versus sua insegurança estrutural, para embarcar numa jornada de superação.
É possível romper com os dogmas e crenças pré-existentes em cada um para tomar decisões mais criativas e romper com determinados padrões?
Sem dúvida. Mas estas transformações vão se tornando mais difíceis conforme a mente vai se cristalizando. Dado que a sociedade sempre muda e se adaptar é sempre vantajoso, segue que devemos abordar o envelhecimento como uma espécie de missão em prol da flexibilização cognitiva e decisória. Quanto mais, melhor.
Em alguns momentos, dizer “não” para ideias e pessoas é incrivelmente satisfatório, dá uma paz de espírito. Por que, por vezes, sabemos colocar em prática nosso desejo e em outras isso é tão pesado?
Dizer não é complexo. Por maior que seja a roubada, é raro não sentirmos que algo de bom pode estar sendo desperdiçado – afinal, isso não deixa de ser uma possibilidade, ainda que improvável. Do mais, fato é que quem diz não para tudo e para todos, acaba sem nada e sem ninguém.
Por força desses argumentos, condensados no medo do arrependimento, muita gente diz sim para tudo, ou quase tudo. Parece curioso, uma vez que é muito mais difícil se arrepender da oportunidade desperdiçada do que da roubada escolhida – afinal, nem sempre dá para conhecer o desfecho daquilo que negamos, enquanto o desfecho das nossas escolhas nos olha nos olhos.
Para entender porque as coisas são assim é preciso ter em mente que o medo do arrependimento costuma ter bases inconscientes e relações íntimas como nossos desejos. Por exemplo, quem vive a fantasia de maximizar sua existência no planeta, costuma sofrer com o chamado FOMO (feeling of missing out), que é uma espécie de ansiedade ligada à noção de perdendo algo extraordinário.
Há uma verdadeira epidemia de FOMO adolescente (por falar nisso, o FOMO tem papel relevante na proliferação da COVID-19), mas a verdade é que o sentimento pode existir em todas as idades. O FOMO é um forte inibidor dos nãos saudáveis. E assim descem as roubadas em cascata.
No dia a dia, existe um momento essencialmente ruim para tomar decisões?
Sim. Existem vários: todos aqueles em que você está dominado por um estado emocional intenso, relacionado a algo que não tem nada a ver com o assunto que precisa ser decidido. Essas emoções incidentais impedem uma conexão adequada com as emoções que emergem da análise das opções decisórios (sistema 3, como denominei na IDD) e subvertem a criatividade para pensar em novas possibilidades. Decidir tem a ver com dançar: é a conexão perfeita entre o que está dentro e o que está fora que faz a mágica acontecer.
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