As minúcias da felicidade
Cada pessoa tem o objetivo prioritário de ser feliz. Mas a felicidade não é um pacote pronto e permanente.
Cada pessoa tem o objetivo prioritário de ser feliz. Mas a felicidade não é um pacote pronto e permanente.
O certo é dizer que temos momentos de felicidade e que muitos deles dependem de nós mesmos.
Os motivos para estar feliz podem vir de grandes acontecimentos, de um grande amor correspondido, ou ainda de um sucesso profissional, família, amigos fiéis e tantos outros.
Não incluí aqui a possibilidade de ganhar na loteria, pois, a riqueza não pode comprar a felicidade. Bens materiais são úteis, trazem conforto e tranquilidade – podem atrair inveja e falsos amigos também – mas a felicidade é feita de minúcias, a maioria delas proveniente de boas ações e bons sentimentos, muitos deles quase imperceptíveis.
Por exemplo, imagine que uma pessoa distraída vai atravessar a rua em frente a um ônibus mas é detida por alguém. Pode ser também aquela palavra que se dirige a um desconhecido que demonstra uma grande tristeza. Ainda mais, o agradecimento a um gari pelo seu trabalho, chamar pelo nome um vendedor ou um garçom que lhe atende bem.
Tudo isto produz gotas de felicidade que vão saciando a sede da constante secura da vida.
Um destes detalhes para dar motivos para uma pessoa ser feliz é o restate da admiração.
Resgate da admiração para a felicidade
Há pessoas que convivem bem há anos, possuem muitos pontos em comum, encontram-se com frequência mas nunca nenhum deles ressaltou alguma qualidade ou atitude positiva do outro. Não é necessário um grande elogio em público por um feito extraordinário.
Reconheçamos que talvez mais de 90% da humanidade é composta por pessoas comuns. A maioria delas são pessoas boas, prestativas, trabalhadoras, honestas, realizam por vezes atividades altamente especializadas e de alta precisão e conhecimento, ou mesmo praticam cotidianamente o bem em absoluto anonimato. Ainda, se agigantam, discretamente, em ocasiões cruciais, como numa pandemia.
Vamos imaginar uma pessoa que trabalha diariamente numa função difícil, é pontual, correto, atende as necessidades de sua família, é um bom amigo, porém, há muito tempo mesmo não recebe um elogio, um agradecimento, um reconhecimento ou palavras de genuína admiração. Mesmo que seja apenas por sua simples conduta. É uma pessoa banal, mas procura dar o melhor de si em tudo que faz, mesmo que sejam sempre pequenas atitudes.
Mesmo porque é muito fácil admirar grandes empreendedores, esportistas de sucesso, formadores de opinião, pessoas públicas por serem mensageiras de reflexões para tentar compor uma visão de futuro melhor. Estes recebem elogios por seus feitos, são reconhecidos, reverenciados, elogiados, homenageados, tomando por pressuposto que são pessoas que fazem o bem.
Há os que fazem sucesso também mas de forma escusa, enganosa, violenta, através de um marketing pessoal que ilude muita gente. Estes, talvez, venham a ser destruídos por algum descuido de imagem ou engolidos pelo próprio Ego.
E nós, pessoas comuns, envolvidos por nossa rotina, o que está nos alimentando interiormente?
Pensemos agora no último elogio que recebemos. Há quanto tempo não somos reconhecidos? E especialmente, quando algo que alguém expressou nos fez sentirmos dignos de admiração? O que nos foi ofertado para resgatar nossa auto-estima?
Estas são as chamadas gotas de felicidade que nos saciam.
Não estamos pedindo esta demonstração de admiração e reconhecimento por termos realizado coisas grandiosas ou heroicas, mas sim apenas pelo que somos.
Embora cometamos erros diários que nossa verdade interior reconhece, todavia algo de bom também realizamos. Nos esforçamos para sermos saudáveis, fraternos, bem humorados, respeitosos com os outros, particularmente os mais humildes, que são seres invisíveis para a maioria.
Não fazemos nada de extraordinário, quase nunca praticamos boas ações intencionais, mas qualquer um tem algo de bom que mereça um elogio.
Não precisa ser ruidoso ou público, apenas uma simples observação sobre a aparência elegante ou simplesmente um sorriso, olhares carinhosos e agradecidos ou uma piscada apenas. Até mesmo algo que possa parecer um código secreto de reconhecimento entre pessoas que convivem há anos.
Naturalmente gostamos também de gratificações materiais como assistir um bom seriado de TV, almoçar num belo restaurante, fazer um passeio inesperado mas nada disto nos gratifica interiormente. Não nos supre as necessidades da alma e do coração.
Apenas um sincero gesto explicito de admiração alimenta nosso íntimo. E faz com que nos sintamos uma pessoa que conta na sociedade, que é capaz de deixar um legado.
Quem sabe fazer isto com maestria são as crianças. Elas têm seus sentimentos em flor, reagem com espontaneidade e alegria a qualquer aceno que lhes damos.
Já os adultos acreditam que os sentimentos devem ser subentendidos e não precisam ser demonstrados.
O silêncio deixa pessoas à beira do conflito pessoal até que um diálogo afetivo rompe este mutismo em benefício de todos os envolvidos. Mas, às vezes uma atitude não manifestada poderá ter chegado tarde demais, quando o encanto já acabou.
Cantor de boate
Quero recorrer a uma música, rara e antiga, do grande e falecido compositor Paulinho Tapajós, que se chama “Cantor de Boate”. Dando atenção especial à letra, ela fala com muito mais precisão e profundidade o que tentei dizer.
Pode ser que, à primeira audição possa soar como uma canção simplória, supostamente meio brega, mas isto não é o que importa.
O que desejo é que se interprete a mensagem que surge por detrás das palavras.
Para mim, é uma ode de admiração e reconhecimento mútuos entre dois personagens simples e anônimos, que fazem muito bem um à alma do outro.