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O que o medo está tentando nos dizer
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Neste artigo:

Abrir mão de uma busca neurótica por segurança é um passo necessário para apreciar a vista. Viver é correr riscos e chegar perto da margem. Com medo e apesar do medo. Nessas horas, me sinto a mais corajosa das covardes.

Dizem que a melhor maneira de superar o medo de altura é se aproximar de um precipício. É se permitir ficar ali, na beirada, naquele terreno desconhecido a um passo da completa aniquilação, onde todo o seu ser parece estar sob ameaça. Não para que a pessoa torture a si mesma e sofra deliberadamente, numa espécie de jogo sádico intencional. Mas para que ela se familiarize com o medo e faça as pazes com ele, de maneira aberta e honesta, sem tentar fugir da situação. Dizem que só assim, aceitando o medo, é possível, de fato, ter coragem.

Eu tenho pensado muito nisso, na origem do medo. De como ele surge e se cristaliza em algum subsolo da nossa psique, de onde passa a nos influenciar e moldar nossas ações com base em experiências que há muito tempo ficaram pra trás. De como, sem perceber, deixamos que esse mecanismo se aposse das nossas vidas. E de como – e se – é possível ir além dele e chegar à outra margem. 

Acho que todo medo é o medo da aniquilação total, da morte pura e simples. Do não existir. Temos medo porque queremos nos preservar de alguma ameaça incompreensível, alguma coisa que, real ou não, pode nos machucar ou nos destruir, mesmo que não entendamos muito bem o que seja. 

Sei disso porque tenho muitos medos e, em maior ou menor grau, todos eles me fazem sentir a mesma coisa. 

Vou te contar uma informação pessoal que até então só a minha terapeuta sabia: eu tenho pavor de intimidade. Um medo danado da sensação de que estão me conhecendo a fundo e sabendo coisas sobre mim. É uma sensação tão maluca que acabo me esquivando de contatos mais profundos com as pessoas porque não quero que elas “me vejam”. 

Conversando com minha terapeuta, percebi que tudo não passa do medo de ser rejeitada. Se as pessoas não me conhecem direito, se não podem se aproximar, então também não podem se afastar e concretizar aquilo que eu mais abomino: a sensação de não ser querida. A negação à intimidade é, na verdade, um escudo para não sofrer a dor da perda do afeto. E contanto isso a vocês, estou fazendo a coisa que mais abomino: estou expondo um detalhe íntimo a meu respeito, o que é profundamente incômodo. 

Reflexão

Mas só assim eu consigo me aproximar de uma dimensão da vida a qual sempre me nego: a vulnerabilidade. Só assim eu consigo desafiar um pouco o medo e me abrir, ainda que bem timidamente, para o desconhecido da experiência que mais me assusta – a de criar laços com outro ser humano. Não que entre nós vá surgir qualquer relação duradoura, não é isso. Mas ao mesmo tempo, é apenas quando nos permitimos ser vulneráveis que laços verdadeiros são criados. A intimidade anda de mãos dadas com a vulnerabilidade e estar confortável com isso é um grande ato de coragem.

Quando reconhecemos e aceitamos nossa vulnerabilidade, aceitamos também que podemos – e que irremediavelmente vamos, em algum momento – ser feridos. E quando somos feridos, encaramos a verdade inalienável de que não somos indestrutíveis. De que algo pode nos cortar em pedaços – metafórica e literalmente. De que vamos, algum dia, deixar de existir. 

É isso. Temos medo porque queremos nos preservar da incerteza da vida, como a incerteza de saber se seremos amados ou não. Porque a incerteza é um lembrete de que não podemos controlar as circunstâncias, não sabemos o que vem a seguir. Então tentamos impedir a todo custo qualquer situação desagradável que perturbe a aparente proteção da nossa condição atual. 

Sempre é hora de perceber

O que não percebemos na maioria das vezes – e que eu demorei 28 anos para perceber – é que nenhuma dessas estratégias de autoproteção efetivamente funciona. Nunca estamos plenamente protegidos. Continuamos atraindo as mesmas experiências que despertam os mesmos gatilhos emocionais do pavor, como se a vida tentasse esfregar na nossa cara que não é possível passar por ela ileso, que você vai se arranhar se quiser contar alguma história. Do contrário, se está morto. 

Não estou dizendo que é preciso provocar situações perigosas para provar a própria coragem, longe disso. O senso de autopreservação é quase sempre benéfico. O medo é muito útil quando nos faz, por exemplo, usar o cinto de segurança ou dirigir mais devagar; quando faz com que nos afastemos de uma situação de abuso ou quando nos põe em alerta ao vermos um uma cobra, um precipício, etc. Eu mesma evito esportes radicais por isso: morro de medo de quebrar uma perna, o pescoço, a coluna…

Não corra do urso

No entanto, esse mesmo senso de autopreservação é que pode ser o causador da nossa ruína. Um exemplo disso é o que acontece quando seres humanos se encontram com ursos. A reação instintiva de qualquer pessoa seria correr para se afastar do animal, mas é esse, ironicamente, o primeiro comportamento que estimularia um ataque. Outro exemplo é o meu pavor de intimidade: evito a possibilidade da decepção a todo custo, mas, ao mesmo tempo, me privo de viver a plenitude dos afetos.

Depois de muito refletir e falar sobre esse assunto com a minha terapeuta, acho que estou aceitando que, mesmo nas situações em que o medo é baseado numa ameaça real, vale a pena se aproximar dele. Vale a pena se familiarizar com esse amigo superprotetor e cheio de artifícios. Se permitir conversar com ele a respeito do que ele quer tanto me proteger. 

Então, às vezes, me permito ousar

Quando me sinto à vontade, gosto de convidar meus medos para se sentarem comigo. Às vezes passeamos a beira de um precipício, às vezes preferimos só observar de longe – mas juntos e conscientes de tudo o que está acontecendo, da altura da queda ao escuro lá embaixo – a ameaça de destruição sempre presente… E nessas horas mágicas de uma presença integral, eu tenho um lampejo raro de compreensão e vejo que é impossível estar completamente protegido.

Que as incertezas nem sempre são uma ameaça, que abrir mão de uma busca neurótica por segurança é um passo necessário para apreciar a vista. E ainda, que viver é correr riscos e chegar perto da margem. Com medo e apesar do medo. Nessas horas, me sinto a mais corajosa das covardes.

 

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