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O que define uma família nos afetos e vínculos diários?
(FOTO: UNSPLASH) Família também é o lar que encontramos amor e afeto
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Por muito tempo, o conceito de família esteve atrelado a laços de sangue, casamentos formais ou obrigações legais. Hoje, esse entendimento se amplia para incluir a força dos vínculos afetivos como base legítima para definir o que é  e quem compõe uma família.

Vivemos um tempo em que a família deixou de ser apenas um dado biológico ou jurídico para se tornar, cada vez mais, uma construção afetiva. Amizades que sustentam rotinas, vizinhos que cuidam uns dos outros, redes de apoio formadas por afinidade e respeito mútuo: essas formas de convivência, muitas vezes invisibilizadas, têm ocupado o lugar de suporte prático e emocional que antes era reservado, quase exclusivamente, à família tradicional.

Sob a ótica da sociologia, essa ampliação não é mero detalhe contemporâneo: é reflexo de transformações profundas. “A família é uma construção social em constante mudança”, explica Luciano Gomes dos Santos, professor de sociologia no Centro Universitário Arnaldo, de Belo Horizonte. “Ela se adapta às condições culturais, econômicas e políticas de cada época”.

A vivência por escolha

As chamadas “famílias escolhidas” vêm ganhando força principalmente em contextos urbanos. Elas surgem como resposta a diferentes demandas: o afastamento geográfico, os rompimentos afetivos, ou, simplesmente, o desejo de viver relações mais horizontais e baseadas no afeto.

Emilly Gondim, estudante de jornalismo, compartilha a sua visão sobre as famílias que escolhemos. Ela relata sua experiência pessoal, que começa com uma decisão: “Com 17 anos, passei na Universidade de São Paulo e precisei decidir em entrar na faculdade e abandonar minha família, ou continuar na minha cidade e fazer uma faculdade perto, mas continuando próximo.”

Mas ela decidiu arriscar e foi conquistando sua liberdade primeiro ao morar sozinha e depois conquistando uma família com amigos e grupos de apoio, como o time de basquete na qual faz parte. “Foi no ambiente da faculdade que me ajudou na forma de autodescoberta. O time é composto por meninas sáficas, ou seja, mulheres que se relacionam com mulheres, e elas foram uma inspiração para eu mesma me entender e me sentir acolhida, criando uma sensação de pertencimento que eu nunca tive com a minha família de origem”. 

Para o docente, “o conceito de família se transforma com a sociedade. Ele não está congelado em um modelo único”. Ou seja, podem ser grupos de amigos que vivem juntos, como é o caso da Emilly, casais, avós que criam netos, coletivos organizados por afinidade, todos esses arranjos cumprem funções que tradicionalmente foram atribuídas à família, como socializar, cuidar e acolher. 

A reconfiguração dos afetos

“Acho que a palavra ‘família’ nunca mudou de sentido para mim, mas ela se tornou mais concreta. Na minha visão, o termo não se restringe unicamente aos seus laços sanguíneos, a quem te pariu, a quem te deu o dinheiro para você crescer, só por conta da obrigação, sabe? Não acho que família seja isso e não acho que família também deixa de ser isso”, conta a estudante de jornalismo.

As famílias escolhidas representam um lugar de amparo emocional e liberdade, são laços que se constroem no dia a dia, que respeitam a individualidade. Muitas vezes, são esses vínculos que sustentam a saúde mental de quem, por inúmeras razões, não pode contar com a sua família de origem.  

Essa pluralidade de afetividade evidencia que em vez de relações impostas por norma, o que conta é a qualidade do vínculo e a capacidade de gerar pertencimento. “O foco contemporâneo está menos em definir o que é uma ‘família ideal’ e mais em compreender como os vínculos afetivos, os arranjos de convivência e os papéis sociais se articulam nas diferentes experiências familiares”, reflete Luciano.

Família é família 

O conceito de família não desaparece, mas se expande com o tempo. Em vez de um ideal fixo, ele passa a ser um campo aberto de experimentação e afeto. “Estamos vivendo uma reconfiguração dos afetos”, diz Luciano. “A família caminha para ser, cada vez mais, uma escolha baseada no cuidado e no reconhecimento mútuo. Não é mais o lugar que nos cabe, mas o lugar que criamos junto com quem escolhemos estar”.

“É, poder sair com os meus amigos para um bar, beber uma cerveja e eu nem gosto de cerveja, mas eu gosto muito deles, então eu entro nessa e enquanto todos eles discutem algo eu paro e penso: “Nossa, como eu me sinto em casa e como é bom fazer parte de uma loucura conjunta em que todas as pessoas, todas as partes, escolheram se integrar”, finaliza Emilly. 

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