COMPARTILHE
A escolha deve ganhar do impulso na hora das compras
(Foto: Blake Wisz/Unsplash) Resistir ao impulso não é fácil, mas é possível, apesar da sensação de controle
Siga-nos no Seguir no Google News
Neste artigo:

Comprar “mimos”, presentes, lembrancinhas, roupas e equipamentos tecnológicos dá uma sensação de poder, de liberdade e, principalmente, de escolha. Quando você está ciente dessas decisões é fácil se organizar financeiramente. Mas quando questões pessoais entram em jogo e o controle se confunde com impulso, consumir não é tão empoderador assim.

Às vezes a vida fica complicada, cheia de problemas e a primeira reação pode ser tentar se distrair dessa realidade. A procura pelo prazer imediato ou algo recompensador pode resultar em um impulso, uma vontade automática e avassaladora. A psicanálise, por exemplo, se refere à “passagem ao ato”, que é um momento de angústia e sofrimento psíquico que se transforma em uma ação impensada. 

“O impulso é quando você desaparece dentro de si mesmo, mas alguma coisa ficou automática: apareceu uma necessidade, uma vontade que você simplesmente atendeu”, define Aderbal Vieira Júnior, responsável pelo ambulatório de dependências de comportamentos, do PROAD (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) da Unifesp. 

Os compradores esperam ganhar conforto a partir do hábito de comprar, um ato que, por vezes, é impulsivo. No entanto, adquirir algo também provoca perdas – que vão gerar ainda mais problemas para aqueles que compram para se distrair. 

O professor cita as três dimensões das perdas dos compradores. A primeira é econômica, em que até mesmo sem dinheiro, os dependentes gastam sem planejamento financeiro. Depois, a acumulação: compra de coisinhas pequenas e desnecessárias que levam a desmoralização quando a pessoa percebe a impulsividade do ato e não sabe o que fazer com as aquisições. Por fim, o negligenciar de outras atividades e fontes de prazer e alívio em detrimento do comportamento – algo que cada vez mais ganha uma fatia maior da rotina do dependente.

Esperando gerar alívio com as compras, a pessoa entra em um ciclo vicioso. “Isso [a dependência comportamental] vale para qualquer hábito que não é intrínseco a ele [ao próprio ato]. Comprar não serve para para resolver questões conjugais, comprar não serve para resolver dificuldades com o chefe, e assim em diante”, explica. 

Como identificar o impulso

A característica intrínseca do ato de comprar é a necessidade física de algum produto, como ir ao supermercado porque precisa de mantimentos ou adquirir um livro porque precisa estudar. Também podemos comprar pelo prazer de ter ou vivenciar algo, como um celular mais tecnológico ou um ingresso de show. Nesses casos, o prazer está relacionado ao “ter”. E, ainda, existem pessoas que sentem prazer no próprio “comprar”.

“O ato de comprar, de alguma maneira, dá uma sensação de potência, de expansão, até mesmo um prazer antecipatório. Tudo isso é fisiológico, normal e, de certa forma, saudável. Mas, tem pessoas que compram por escapismo, tentando tirar do ato uma função que não é a intenção dele, que a compra não tem como dar”, diz Aderbal.

Em qualquer tipo de dependência (de substância ou comportamental), o primeiro sinal é a sensação de falta de liberdade e perda de escolha. O comprador patológico se sente compelido a fazer a compra ainda que não precise ou não queira fazê-la, ainda que não tenha o dinheiro, ainda que a compra não satisfaça nenhuma necessidade.

A facilidade moderna em cumprir esses impulsos incentiva ainda mais o ato de comprar, com modos abstratos de aquisição. Um deles é o cartão de crédito. Não dá pra ver o dinheiro indo embora. Você passa um plástico na maquininha e a cobrança só chega no final do mês. “Cria uma desconexão entre o ato de comprar e a observação do prejuízo que você está criando”, afirma Aderbal. 

As compras on-line oferecem ainda mais comodidades na realização do comportamento. Não é necessário ir até uma loja, se frustrar porque não tem determinado produto e andar por diversos lugares até achar o melhor preço. No virtual, a oferta é praticamente infinita, com produtos nacionais e importados, além das promoções “imperdíveis” e as inúmeras propagandas. Para quem compra por impulso, tudo isso pode ser uma armadilha.

Como controlar o impulso?

Se o impulso é o desaparecer dentro de si, a solução é retomar as rédeas de suas vontades e reassumir o controle. “A principal ferramenta contra o impulso é estar atento a si mesmo, é você não entrar no automático.”

Para o especialista, o problema não é a vontade, mas deixar que ela te domine. É como um prédio sem ninguém na recepção controlando quem entra e quem sai: não é possível perceber esse sentimento chegando e, quando vê, ele já se estabeleceu e não há mais controle. É importante identificar essa vontade se aproximando e negociar com ela. Se pergunte se é boa ou ruim, se é adequada e legítima. Se é possível. Depois, faça a escolha.

“Se for o caso, eu vou ter que brigar comigo mesmo, vou dizer não. Vou passar pela frustração de dizer não para mim mesmo, ou posso dizer um sim sem culpa”, diz o professor. No caso do sim e do não, a escolha foi feita. E ela é o contrário do comportamento impulsivo. Se for fazer algo, que seja por escolha.

Resistir ao impulso não é fácil, mas é possível. É importante ter mecanismos de alívio e prazer, mas não são esses hábitos que devem controlar suas ações. Construir um repertório de outras atividades que te fazem bem pode ser uma saída para sentir alívio.

“Geralmente achamos que o problema principal do dependente é parar de fazer. Na verdade isso não dá trabalho nenhum. O que dá trabalho é o que você vai sentir e o que vai viver quando parar com o comportamento. O que é trabalhoso é construir uma estrutura de vida mais fluente e saudável.”

Ele destaca o papel humanizado do PROAD, um serviço gratuito à comunidade que atua na área de dependências comportamentais, como jogo patológico, sexo compulsivo, dependência de compras e de internet, além de compulsão por esportes. O enfoque da assistência não é a dependência, é o ser humano em sua singularidade e em sua totalidade.

➥ Leia mais
Sonho de ter saúde mental é reflexo de uma ‘sociedade exausta’
É possível mudar a personalidade ou só um traço aqui e ali?
O que a sua ‘bateria social’ tenta te dizer?

0 comentários
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

Deixe seu comentário