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É só ser feliz?
Foto: freepik
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Um dia, minha filha de cinco anos me perguntou, enquanto colocava glitter em seu desenho: “Mãe, você é feliz?” E, antes que eu pudesse responder, ela completou com a maior naturalidade: “Eu sou!”

Aquilo me pegou de jeito. Não porque eu não fosse feliz, mas porque, enquanto ela falava, eu estava mentalmente listando o que faltava fazer: colocar as roupas na máquina, resolver as pendências do trabalho, marcar o pediatra… De repente, me vi tentando encaixar a felicidade entre as tarefas. Será que era assim que eu queria ensinar minha filha a viver?

Essa pergunta me acompanhou por dias e, como acontece com boas perguntas, abriu espaço para outras: Por que, mesmo quando temos tanto, sentimos que não é suficiente? Por que é tão difícil “só ser feliz”?

Um espelho da simplicidade

Na primeira infância, as crianças são mestres em “ser feliz”. Elas têm uma habilidade quase mágica de transformar qualquer coisa em alegria: uma caixa de papelão vira um foguete, um banho vira uma festa de espuma, um sorriso recebido na rua é motivo de gargalhada. Elas não vivem na expectativa do futuro nem carregam o peso do passado. Estão presentes, completamente.

Pesquisas neurocientíficas confirmam que o cérebro das crianças nessa fase é moldado pela experiência. Segundo a Dra. Adele Diamond, professora de neurociência do desenvolvimento que escreveu The Development and neural bases of higher cognitive functions (Annals of the New York Academy of Sciences), momentos de brincadeira livre e conexão emocional são cruciais para o desenvolvimento da saúde mental e da resiliência.

São nesses momentos, desprovidos de pressa ou pressão, que o cérebro constrói as bases para uma vida emocionalmente equilibrada.

Mas o que fazemos como adultos?

Muitas vezes, atropelamos essa simplicidade com nossas próprias ansiedades. Apressamos os pequenos, ocupamos suas agendas, tentamos “otimizar” seu tempo, como se a felicidade pudesse ser planejada entre uma aula de inglês e outra de natação.

O que não percebemos é que, ao impor essa aceleração, estamos ensinando a mesma pressa que nos sufoca. Estamos dizendo, sem palavras, que só ser feliz não basta, é preciso “merecer”.

O peso da culpa na adolescência

Se na primeira infância a felicidade é uma experiência natural, na pré-adolescência e na adolescência ela se torna uma busca. Nessa fase, nossos filhos começam a olhar para fora: para os amigos, para as redes sociais, para as expectativas da sociedade. É um momento delicado, em que a comparação entra em cena, e o “ser feliz” começa a se misturar com o “parecer feliz”.

O psiquiatra Daniel Siegel, no livro Brainstorm, explica que o cérebro adolescente está em constante remodelação. Isso os torna mais sensíveis a estímulos externos e mais vulneráveis ao estresse. A pressão por resultados, seja na escola, nos esportes ou nas amizades, pode intensificar a ansiedade e levar à sensação de que nunca se é bom o suficiente.

E aí entra o papel do adulto

Quando você mesma está presa no ciclo de culpa e autoexigência, é difícil oferecer um espaço seguro para que seus filhos errem, experimentem e se reconectem com o que realmente importa. Muitas vezes, estamos tão ocupadas tentando ser “a mãe que só acerta” que esquecemos de ser apenas humanas.

Uma vez, depois de um desentendimento com meu filho, ele me disse: “Mamãe, você quer que eu fique calmo, mas você grita quando está nervosa.” Aquilo foi um soco no estômago. Ele estava certo. Eu queria que ele tivesse ferramentas emocionais que eu mesma não estava usando. E veja bem, a questão não é que nunca devemos gritar, mas que é injusto alimentarmos a expectativa que a criança se auto regule num piscar de olhos.

Ansiedade e culpa: de onde elas vêm?

Elisama Santos, especialista em comunicação não violenta, diz que muitas mães carregam um fardo emocional pesado porque confundem autocuidado com egoísmo. Achamos que, ao nos priorizar, estamos falhando com nossos filhos. Mas o que acontece é exatamente o oposto: uma mãe que se cuida e se acolhe é uma mãe mais presente e conectada.

A culpa, segundo Elisama, nasce dessa desconexão entre o que queremos ser e o que conseguimos ser. Ela nos paralisa e nos impede de olhar com clareza para nossas próprias necessidades e emoções. É como uma nuvem que bloqueia o sol: o brilho está lá, mas a culpa não nos deixa enxergar.

E quanto à ansiedade? Ela está diretamente ligada à nossa dificuldade de estar no momento presente. Ficamos presas no futuro, tentando antecipar problemas ou garantir resultados. O budismo ensina que a verdadeira felicidade está na aceitação do agora. Nitiren Daishonin, mestre budista, diz que “a paz está em cada passo”. Mas como dar esse passo quando a cabeça está sempre um quilômetro à frente?

Como começar o ano com mais leveza

Talvez o primeiro passo seja admitir, verdadeiramente, que não precisamos carregar tanto. Não precisamos ser perfeitas, nem dar conta de tudo. Precisamos apenas estar inteiras e isso começa com pequenas mudanças na forma como nos tratamos.

Aqui estão algumas práticas para começar:

Pergunte-se: O que é realmente importante?

Antes de preencher a agenda dos seus filhos (e a sua), pare e reflita: isso é para eles ou para atender a uma expectativa externa? Muitas vezes, o que as crianças mais precisam é de tempo livre e de sua presença genuína.

Desacelere sua mente

Reserve momentos do dia para estar presente. Pode ser uma caminhada, uma meditação guiada ou simplesmente tomar um café sem pressa. Quando você desacelera, seus filhos sentem e se permitem fazer o mesmo.

Pratique a autocompaixão

Quando errar (porque você vai errar), respire fundo e se pergunte: “O que eu diria para minha melhor amiga nessa situação?” Trate-se com o mesmo carinho que você ofereceria a ela.

Ensine pelo exemplo, não pelo discurso

Se você quer que seus filhos lidem melhor com a ansiedade, mostre como você faz isso. Fale sobre suas emoções, suas estratégias para lidar com o estresse e, principalmente, sobre como é normal não ter tudo sob controle.

Reconecte-se com a simplicidade

Volte às bases: o que te fazia feliz quando você era criança? Que tal compartilhar essa memória com seus filhos? Pode ser brincar na terra, pintar com as mãos ou inventar histórias.

Para inspirar ainda mais

Se esse texto ressoou com você, recomendo a leitura do artigo “O poder do amor está nas suas mãos e no seu coração“, publicado aqui mesmo no site Vida Simples. Ele traz reflexões profundas sobre como a atenção plena e o amor incondicional podem transformar a relação com nossos filhos.

Lembre-se: seus filhos não precisam de uma mãe perfeita; precisam de uma mãe real, que se permite errar, rir, descansar e só ser. Afinal, talvez “só ser feliz” não seja uma meta, mas um estado de presença. Que esse novo ano traga mais leveza para você e para a sua família.

Com carinho,

Mariana

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