Como proteger os filhos de ofensas nas festas de fim de ano
Veja quatro falas clássicas das confraternizações e como evitar o constrangimento de crianças e jovens imposto por adultos indelicados.
Na última semana das aulas de educação socioemocional nas escolas, costumo conversar com os estudantes sobre o que passaram no último ano e sobre o que desejam para os próximos meses. Culturalmente, é um momento de reflexão e expectativas, então é natural e necessário que a escola proponha essa autoanálise. Não sei se aconteceu porque as turmas já estão mais adaptadas à dinâmica dos nossos encontros, mas nunca tinha escutado abertamente tantas angústias relacionadas à pressão, à comparação e às expectativas impostas por suas próprias famílias, especificamente nos momentos de festa. Afinal, o que podemos fazer para proteger os filhos de comentários inconvenientes nessas ocasiões? A seguir, comento quatro situações clássicas das confraternizações e como lidar em cada uma delas para evitar o constrangimento de crianças e jovens.
Dezembrite: um fenômeno que impacta muitas pessoas
Fiquei tão impressionada que comecei a pesquisar o tema e descobri a existência de um fenômeno conhecido como “dezembrite”, também chamado de “síndrome do fim de ano”. De forma resumida, se caracteriza por um aumento significativo dos sintomas de tristeza, ansiedade e frustração, claramente associados ao encerramento de um ano e início de um novo. No Brasil, reconhecido pela OMS como o país mais ansioso do mundo, essa síndrome acomete mais pessoas do que imaginamos.
Para os estudantes, contudo, a “dezembrite” parece adquirir contornos ainda mais desafiadores. Em um estágio da vida em que a autonomia muitas vezes é limitada, eles se encontram à mercê das expectativas familiares, sem a capacidade plena de moldar as dinâmicas desses eventos. A falta de controle sobre as circunstâncias e a impossibilidade de escolher livremente como vivenciar essas festividades intensificam as pressões emocionais, tornando a “dezembrite” uma experiência particularmente difícil para crianças e adolescentes.
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Será que você também está sofrendo com a “dezembrite”?
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Como proteger os filhos e ajudá-los a celebrar com felicidade
Selecionei, por isso, algumas questões que eles levantaram durante nosso papo e trago aqui algumas dicas sobre como evitar o desconforto de nossos filhos em um momento que deveria ser de celebração e felicidade para todos.
“E as namoradinhas?”
A clássica pergunta sobre os relacionamentos amorosos já virou até meme, mas, para os adolescentes – e, às vezes, até para as crianças, principalmente para os meninos – não há nada de engraçado nesse questionamento. Muitos deles ainda estão entendendo a própria sexualidade e já precisam lidar com a pressão social do próprio círculo de amigos e com todas as expectativas diante da ideia de se relacionar amorosamente.
Insegurança, baixa autoestima e comparação já são sensações muito presentes ao longo do crescimento, então é importante que a família não reforce essas angústias. Além disso, é constrangedor falar sobre o tema na presença de parentes com quem não se tem intimidade ou o hábito de conversar. Em vez de focar nas relações amorosas, pergunte sobre as amizades: quem são os melhores amigos ou o que costumam fazer juntos. Se o assunto surgir naturalmente, não faça piadas, alardes ou julgamentos. Escute com atenção e cuidado.
“E as notas?”
O desempenho escolar é fonte de ansiedade e insegurança para muitos estudantes. Por isso, classificá-los como bons ou maus segundo as suas notas é injusto e só contribui para mais autocobrança. Se você tem um filho que foi reprovado ou precisou fazer provas de recuperação, não o exponha para a família e não permita que isso seja feito por outros parentes.
A sensação de incapacidade intelectual é muito frequente entre eles e o sermão não vai contribuir para o desenvolvimento acadêmico ou emocional. Se você deseja promover um ambiente mais saudável, procure destacar as habilidades da criança ou do adolescente. Estimule o desejo pelo conhecimento e criar um ambiente em que os erros sejam encarados como oportunidades de aprendizado e não como falhas irreparáveis.
“Você ganhou uns quilinhos desde o ano passado, né?”
Nenhum corpo deveria ser pauta de debates. Inclusive, os comentários sobre mudanças físicas, mesmo feitos de forma aparentemente inocente, podem ter um impacto significativo na autoestima e na saúde mental de qualquer pessoa. O peso é uma parte íntima da experiência humana e cada corpo é único, especialmente durante a adolescência, já que os hormônios desempenham um papel fundamental nas transformações físicas.
Muitos dos transtornos alimentares são causados pelas próprias famílias e as meninas são especialmente afetadas. É impressionante como elas apontam essa realidade com clareza. As festas de fim de ano, com a usual abundância de comida, aumentam ainda mais a possibilidade de julgamentos em torno do que está sendo consumido. Troque o “vai comer outra vez?” por um elogio honesto e amoroso.
“Mas ela te pegou no colo quando você era bebê!”
Em algumas famílias, é comum que parentes e amigos dos pais que não fazem parte do cotidiano estejam presentes nas festas de fim de ano. Os reencontros costumam ser motivo de felicidade para os adultos, mas esse sentimento não é obrigatoriamente extensivo às crianças e adolescentes da casa. Crianças costumam ficar envergonhadas ou intimidadas diante de uma pessoa desconhecida, então é muito importante não forçar os beijos, abraços e sorrisos.
Aliás, essa postura ajuda a fazer com que elas entendam que não devem ser forçadas a estabelecer contato físico com ninguém, evitando os abusos. Por outro lado, no caso dos adolescentes, costuma haver a cobrança por um afeto que não foi construído. Se para nós, adultos, já é desconfortável quando alguém nos força a estabelecer uma relação com outra pessoa, é pior ainda para eles. Afinal, ainda não tiveram tempo de construir repertório emocional para lidar com essa situação. Isso porque confiança, intimidade e laços levam tempo para serem construídos. Respeite o tempo de cada um.
Por que permitimos comentários ofensivos contra nossos filhos?
E o mais importante: reflita sobre os seus próprios sentimentos. O que faz com que você faça ou permita comentários violentos sobre as suas crianças e adolescentes? Será que essa época do ano também te causa apreensão? Por quê?
Portanto, como cuidadores, é comum que nos sintamos inseguros com o possível julgamento que parentes e amigos podem fazer sobre a nossa parentalidade. Assim, podemos acabar deixando de proteger os filhos e permitindo que eles sejam desnecessariamente expostos e constrangidos.
Parte fundamental de nosso papel como cuidadores é a proteção, tanto física quanto emocional. Quando compreendemos as origens das nossas inseguranças, podemos fortalecer a capacidade de tomar decisões que priorizem o bem-estar e o respeito pelas suas experiências individuais de nossos filhos. Dessa forma, contribuímos para a construção de um ambiente familiar que realmente seja sinônimo de porto seguro, cuidado e carinho.
Que 2024 nos permita, cada vez mais, botar em prática a educação respeitosa com nossas crianças e adolescentes. Feliz natal e um excelente ano novo!
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