Por que o excesso de autocontrole pode fazer mal à saúde mental
A vida não pode ser uma bagunça, mas autocontrole excessivo também não é a solução. Saiba como equilibrar as suas ações no dia a dia.
Agenda, e-mails, compromissos e atividades cotidianas. A sucessão de atividades que acontecem no dia a dia, embora previsíveis em grande parte, carregam infinitas possibilidades: tudo pode acontecer. O pneu do carro pode furar no caminho do trabalho ou uma queda de energia talvez atrase uma reunião importante. Nesse momento, o que você faria? É claro que há decepção, frustração e até raiva a depender do contexto. Um conjunto de emoções deste tipo está presente em tentativas de autocontrole. No entanto, há uma resposta para isso: o equilíbrio.
Para o psicólogo Michael Zanchet, o controle remete a um estado emocional relevante para a saúde mental. “Quer dizer que controlamos impulsos, aceitamos a opinião dos outros e temos capacidade de convívio”, explica o especialista da Kurotel. Já Erica Maia, gerente de saúde mental da Conexa, lembra que é importante compreender em que extremo você se encontra, se em uma posição de autocontrole ou o contrário.
“Pode começar com uma autorreflexão, passando para entender como você lida com as frustrações e com as adversidades, porque isso diz muito sobre como é nosso padrão de controle”, afirma a especialista. Segundo Erica Maia, se frustrar de forma frequente pode significar que há um problema em conviver com a falta de controle.
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O ideal de autocontrole e a ilusão de agirmos como robôs
A fixação com o autocontrole pode parecer mais doentia do que representar uma atitude saudável. “Não somos senhores em nossa própria casa”, é o que diz uma famosa frase do psiquiatra e neurologista Sigmund Freud. “Ele descobriu que existe ‘algo’ que nos move, uma espécie de ‘saber insabido’ ao qual respondemos e que não temos tanto controle sobre isso como nós imaginávamos“, explica o psicanalista Guilherme Facci.
Para o especialista, existe em cada pessoa um desejo inconsciente que subverte o pensamento cartesiano de “penso, logo sou”. Não à toa, o sintoma neurótico, para a psicanálise, passa pelo desejo de “salvar” o outro e, por isso, há um ímpeto de controlar tudo ao redor, inclusive a si mesmo. “O psicanalista Jacques Lacan nomeou esse imperativo de controle neurótico como ‘Delírio de autonomia’, um termo absolutamente atual”, lembra Facci, que é host do podcast A loucura nossa de cada dia.
Pode até parecer que o autocontrole é positivo e, em certas situações, valorizado socialmente, mas não é bem o caminho mais seguro. Facci explica que a tentativa de se autocontrolar pode, na verdade, provocar um afastamento das emoções fundamentais para o funcionamento do corpo, como a angústia, a agressividade, a tristeza e o amor.
“O sintoma sociocultural ocidental vigente nos ordena isso: que a gente se torne um robô produtivo para poder competir com outro robô”, frisa Facci.
A solução? Ele mesmo, o “equilíbrio”
Balancear as situações, equilibrar as estratégias sociais e mediar os conflitos internos são os caminhos mais seguros, segundo os especialistas. É claro que uma regra não será universal para todas as pessoas, já que cada situação é particular e depende de muitos fatores. “É preciso não agir no impulso, mas sim respirar, refletir, dialogar, ouvir e expressar a opinião”, explica Michael Zanchet.
Já Erica Maia sugere buscar apoio profissional em casos mais graves que atrapalhem a convivência consigo e com o outro. “Muitas vezes a terapia pode te ajudar a identificar esse padrão de comportamento e entender o quanto aquilo te faz sofrer”, lembra. Ela explica ainda que isso ajuda a compreender o que pode ser patológico e o que é apenas característica padrão de uma personalidade. “Pode ser uma característica que você pode conviver tranquilamente em sociedade ou pode trazer sofrimento para si”, afirma.
O psicanalista Guilherme Facci orienta que um trabalho psicanalítico aponta para a deliberação de questões, queixas e desejos. “Deliberar no sentido de poder tomar uma decisão que leva em consideração a contingência e que exatamente por isso nos coloca a ‘responsabilidade’ sobre o nosso próprio desejo. É uma saída ética, e não moral”, finaliza.
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