Do medo à coragem: o que aprendi com a escalada
Como a superação do medo e a vivência de novas experiências ajuda a desenvolver autoconfiança e autoconhecimento.
Foram meses até eu dizer sim. O convite chegou num bom momento da vida, em que a minha paixão por regiões serranas só aumentava, mas superar a vontade de ficar em uma cama quentinha no amanhecer frio da montanha para caminhar e subir, subir, subir – não pelo chão, mas pelas paredes de uma rocha – parecia mesmo algo impraticável para mim. “Não tenho força nos braços. Não tenho corpo para isso nem a mente equilibrada. Não tenho coragem.” A certeza da minha incapacidade era tanta que eu só enxergava o que eu não tinha.
Com o passar dos dias, fui percebendo que a proposta da amiga escaladora e psicanalista Cristina Hirashima, idealizadora do projeto Experiência Ártemis, incluía também outras camadas além da prática esportiva propriamente dita: sua ideia era unir mulheres e proporcionar a elas a experiência da escalada como via terapêutica de autoconhecimento e superação de desafios, tanto na rocha quanto na vida. E, assim, sem saber se aquilo daria certo ou não, aceitei o desafio.
Encontrei minhas parceiras de escalada, também iniciantes, Gaby, Giovanna e Tania, numa avenida em São Paulo rumo à cidade Pedra Bela, que ancora a Pedra do Santuário, uma das primeiras de muitos escaladores, batizada assim em homenagem à linda capela em seu topo. Da pousada já era possível ver o desafio da manhã do dia seguinte.
O caminho para superar o medo
Desistir era uma opção. Afinal, o dia anterior em meio à natureza, com rodas de conversa e meditação, já havia sido transformador em alguma medida. Soma-se a isso o fato de eu não ter acordado tão disposta quanto gostaria, por conta da ansiedade, do medo intenso e da autocrítica ainda latente. No entanto, achei melhor tomar essa decisão diante da rocha, olhando para ela e tentando “ouvir” o que a própria me diria. Subi na caçamba de uma caminhonete branca, sorrindo, nervosa, ao lado das novas amigas, que não pareciam tão diferentes assim de mim. Éramos nove pessoas: além das parceiras de viagem, faziam parte do grupo Ana e sua filha, também iniciantes, e os escaladores Vivi e Well, da equipe da Cristina, também presente. Descemos do carro e, durante a caminhada pela trilha, já notamos a presença de mais homens do que mulheres.
Nossa ideia era ocupar uma das vias de escalada do fundo da pedra, mas, quando chegamos lá, por ironia do destino, um grupo de escaladores estava ocupando mais de uma via, à espera de outros homens prestes a chegar – e dominar todo o lugar. Foi quando me senti um tanto desconexa, com a sensação de não fazer parte daquele ambiente tão bonito e desafiador, precisando fortalecer o laço de quem estava comigo. Optamos por mudar o plano e montar nossa base em outro ponto, mais distante e silencioso. Já instalados, abrimos a primeira roda de conversa do dia com o tema que, logo cedo, caiu no nosso colo: a falta de empatia ou interesse daquele grupo de homens e a ainda escassa, porém próspera, presença de mulheres na escalada. Tudo nos levava a refletir sobre a importância da integração positiva de princípios do masculino saudável, como disciplina e autonomia, e do feminino sagrado, como aceitação e acolhimento, em cada um de nós. Pensando nesse equilíbrio entre força e sensibilidade, com mulheres ao redor e aos pés da santa pedra, fui sentindo meu coração, ainda com medo, vibrar de amor. Algo me dizia (talvez a rocha falante) que aquilo era coragem.
O primeiro passo para encarar o medo
Já que o temor e a insegurança não desapareciam, resolvi aceitá-los, sem deixar, no entanto, de me esforçar para mudar meu estado mental. Com amor e respiração atenta, fui abrindo espaço para a autoconfiança até ouvir uma voz real. Era Cristina dizendo: “Bel, chegou sua vez”. Escutei com atenção todas as orientações, me amarrei nas cordas e olhei para cima, já com as mãos na rocha, tentando ganhar ainda mais intimidade com ela. Ao encaixar o pé direito, quase desisti porque, no fundo, eu realmente acreditava que não seria capaz de tirar o esquerdo do chão. Observei a Giovanna com o corpo bem próximo à pedra e fiz igual. Sem dar tanto impulso, transferi o peso do meu corpo até que o pé esquerdo encontrou seu lugar na subida. O primeiro passo foi dado. E o primeiro sorriso da nova escaladora também.
A empolgação foi tanta que, de repente, me vi já no sexto ou sétimo passo, todos muito largos e exagerados. Olhei para baixo, um tanto convencida, e recebi um sábio conselho: “Suba com mais calma e cautela, com passos menores, para não ficar muito cansada”. Os passos seguintes tiveram mais consciência e passei a dar valor a cada movimento que surgia na rocha, surpreendentemente tão fluida quanto rígida. Entre passos e pegadas, fui encontrando meu ritmo, minha relação com a altura, com a pedra, com meu corpo e a minha base – a pessoa que fica atenta em mim, com os pés no chão, conduzindo a corda que me traz segurança. Eu estive nesse papel também, compreendendo que a escalada é individual ao mesmo tempo em que é coletiva.
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No alto, perto dos 30 metros, fiz a minha primeira parada de contemplação. O silêncio tão profundo lá de cima aumentou ainda mais a grandiosidade daquela paisagem e aventura. O vento no rosto vinha como um abraço e passei a me sentir parte daquele lugar, confiante, maravilhosa, capaz de fazer o que eu achava não ser capaz. Quis dançar e dancei. Quis escalar um pouco mais e escalei.
Ao chegar nos 60 metros, tive um desequilíbrio que me fez ceder. É estranho dizer, mas eu sabia que estava segura com a corda. Não senti medo e, livre dele, acho que criei novos jeitos de olhar para mim e para o mundo. Retomei a postura, reconectei as relações comigo mesma e com os outros e segui em frente, percebendo que, na rocha, assim como na vida, desequilíbrios acontecem e que a flexibilidade é a forma mais eficaz de encontrar o eixo de novo. Ao voltar para o chão, nada podia conter minha alegria. Sei que, para uns, 60 metros de uma rocha não é muito. Mas sei também que o mais valioso dessa experiência foi a sensação de superação e vitória, muito mais interna do que externa. E é com essa força (bem maior que meus braços) que, hoje, busco enfrentar os obstáculos da vida: com mais autoconfiança, cuidado, coragem e prazer.
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