Sem fotos, por favor!
Os registros de viagem nem sempre conseguem contar o que vivemos nos lugares. Às vezes até me brota o impulso de fazer uma foto. Daí guardo a câmera antes que eu esqueça a real razão da viagem.
Os registros de viagem nem sempre conseguem contar o que, verdadeiramente, vivemos nos lugares. Às vezes até me brota o impulso de fazer uma foto. Daí guardo a câmera antes que eu esqueça a real razão da viagem.
A mochila de viagem de Eli, meu amigo israelense, era um tanto desengonçada – notava-se quando ele a jogava nas costas. O desequilíbrio era culpa da carga de peças desiguais, recordações que ele ia colhendo no caminho: uma pedra, um livro, a quinquilharia garimpada em feira… O que Eli não carregava era uma câmera. Ele temia que, na busca pelo melhor ângulo, deixasse passar alguma experiência excepcional, dessas que a gente diz que “só mesmo estando lá para entender”.
Viver a experiência da viagem. Real
Não sou fotógrafa habilidosa, logo gostei da ideia e também desencanei das lentes. Ainda que me faltem palavras para exprimir a cena a seguir, não creio que conseguisse expressá-la com meus cliques amadores: perto do meu apartamento temporário em Beirute havia a carcaça de um cinema. Ali, a claridade vinha em feixes de luz passando por centenas de buracos de bala. Era uma lembrança da guerra civil libanesa (1975-1990). Quase toda tarde eu entrava lá e fuçava o espaço relembrando o que ouvi sobre os combates – não fiz fotos.
O fato é que, além de dispensar fácil a câmera, Eli não tinha a menor vaidade: jamais pretendeu esfregar na nossa cara que esteve no Polo Norte ou em Fiji. Na Polônia, esticou até Auschwitz, o campo de extermínio da Segunda Guerra, hoje aberto ao turismo. Fotos? Nem cogitou. Recentemente, a organização do lugar repudiou o que considera fotos desrespeitosas feitas por visitantes e postadas nas redes sociais: “não é lugar para brincar”, diz em nota.
Foi por isso que me lembrei de Eli e das vezes que perdi a experiência real para a neura da melhor foto. Às vezes até me brota o impulso de fazer uma só para mostrar que fui lá e… você não! Daí guardo a câmera antes que eu esqueça a real razão da viagem.
Juliana Reis é uma viajante em busca de histórias, pessoas, lugares e experiências que a modifiquem. @viagenstransformadoras
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login