Aprenda a respeitar limites
Para ter uma vida profissional mais leve e produtiva é preciso estar atento a si mesmo, saber respeitar limites do seu corpo, mente, emoções e o próprio tempo
Para ter uma vida profissional mais leve e produtiva é preciso estar atento a si mesmo, saber respeitar limites do seu corpo, mente, emoções e o próprio tempo
Era uma terça-feira normal, e uma grande amiga, a Flavia Sobral, que estava na cidade por conta de reuniões de trabalho, vinha pousar em casa por uma noite. Lembro-me de, ao abrir a porta, ver em seus olhos a agitação pelas responsabilidades como empresária, a preocupação com os filhos, em especial o mais novo, que dormiria longe da mãe pela primeira vez, e seu marido; a urgência com as resoluções de uma casa em obra. A sensação de precisar dar conta de tudo era nítida.
Depois de instalada, abrimos um vinho e sentamos no sofá. Como num resgate, voltamos aos nossos vinte e poucos anos e falamos da vida sem grandes preocupações. Como resultado, relaxamos sem nos culparmos pelas mensagens que surgiam no celular e que iriam esperar a gente viver aquele momento. Nossos corpos e mentes pediam por aquela pausa, por um respiro. Talvez fosse a sinalização de um momento em que respeitar os limites era necessário.
Respeitar limites é essencial, principalmente os seus
O estresse demasiado e contínuo, principalmente quando possui relação com o trabalho, leva a uma exaustão emocional, mental e física, conhecida como Síndrome de Burnout. Segundo pesquisas realizadas pela ISMA-BR (International Stress Management Association no Brasil), 72% dos profissionais brasileiros sofrem algum nível de estresse. Desses, 32% chegam a desenvolver Burnout. Ana Maria Rossi, presidente da instituição, conversou conosco para esta matéria e comentou que a síndrome pode afetar qualquer um, independentemente de idade, sexo ou atividade profissional. “As pessoas infelizmente não conhecem seus limites. Quando se aproximam dele, pedem mais e mais de si mesmas e não reparam nos sintomas que surgem ao ultrapassá-los. Seguem praticando abusos contra si, até que se sentem, literalmente, sem saída”.
Ana compartilha, ainda, que o Burnout surge sempre conectado a algumas sensações e situações no trabalho, como excesso de tarefas, pouca autonomia, recompensa insuficiente, senso de injustiça, conflito de valores e falta de respeito pelo próprio trabalho. “Lidar com isso depende muito da estrutura emocional de cada um na vida e, também, naquele momento em especial. Em resumo, pessoas diferentes na mesma situação podem apresentar ou não um quadro de exaustão profunda”.
O que vamos contar a seguir são histórias sobre como lidar com uma sobrecarga de estresse passa por compreender e respeitar nossos limites. Já é um bom ponto de partida aceitar que não existe qualquer problema em não estar bem e não nos sentir culpados por isso. Viva com mais calma.
Dê tempo ao (nosso) tempo
“Ninguém já mudou o mundo numa semana de 40 horas”, disse o presidente-executivo da montadora de carros elétricos Tesla, Elon Musk, em sua conta no Twitter. E, muito provavelmente, nem com o dobro desse tempo. Nesse caminho, nascem projetos que propõem a reflexão sobre como viver, com prazer, uma melhor relação com o tempo interno de cada um. O Desacelera SP é um exemplo disso. Ele tem o objetivo de disseminar a cultura do conhecer e respeitar os nossos ritmos, agir com atenção plena ao que se está fazendo, com afetividade e consciência temporal.
Foi no evento “Um Dia Sem Pressa”, do Desacelera SP, que tive contato pela primeira vez com a história recente da jornalista Izabella Camargo. Ali, ela expôs, como disse mais tarde em uma rede social, o que é viver de excesso de presente, o que é descobrir-se com a Síndrome de Burnout. “Eu tenho uma amiga que teve e não reconheci em mim os sintomas. E por quê? Porque vamos tratando tudo como caixinhas isoladas e não paramos para ouvir os sinais e tomar consciência do que está acontecendo conosco como um todo. Não reparamos em nós mesmos”, contou.
Muito engajada em lutar para reduzir casos como o seu, passou a falar abertamente de algo que lhe causou um quadro bastante delicado. “Extrapolei o meu limite. Costumo dizer que, quando a gente tenta colocar muita coisa dentro da mala, o zíper estoura. Da mesma forma que no caso do Burnout, a síndrome faz você pensar no que anda fazendo com seus limites”, afirma.
O início e os primeiros sintomas
Os sintomas para atingir essa exaustão não começam de um dia para o outro. Izabella comenta que, entre 2015 e 2016, começou a ter uma frequência de sono inferior ao que precisava. Essa carência trouxe outros desequilíbrios, como irritação e má alimentação. Seu diagnóstico e afastamento chegaram revelando que seu tempo de trabalho dedicado nas madrugadas não lhe fazia bem por conta de uma agenda muito diferente do que seu corpo demandava.
Com a voz firme de quem está se sentindo no rumo certo, disse: “Meu maior aprendizado ao ultrapassar meus limites é parar e olhar para dentro. E, depois de muito tempo, ter a sensação de voltar para casa e priorizar o cuidado comigo”.
Ouça a voz do coração
Conheci o Flávio Fogaça no trânsito. Ele, hoje, é motorista e atende clientes por meio de diferentes aplicativos de viagem. Chamou minha atenção sua natural curiosidade pelo outro. Sem forçar uma conversa, conduz calmamente o papo – e, claro, o carro.
“Sempre gostei de ter contato com pessoas e poder aprender com elas, mesmo nesses momentos rápidos”, conta. Mas faz pouco tempo que ele começou a abraçar essa voz que vem de dentro do seu peito. Flávio ingressou no mercado de trabalho aos 16 anos, como protético, na sua cidade natal, Tatuí (SP). De lá para cá, foram quase 20 anos dedicados ao ofício, que surgiu como uma oportunidade na adolescência para conquistar o primeiro emprego.
Nos últimos 5 anos, no entanto, ele viveu períodos angustiantes em que se viu em estado de extremo estresse por estar se sentindo desconectado do trabalho. “Mesmo achando a função importante e bonita, aquele mundo já não fazia mais sentido e ficou penoso ter que levantar cedo e atravessar a cidade”, diz. “Eu não vi mais para que continuar fazendo aquilo”. Flávio contou com ajuda médica e psicológica para conseguir, depois que 2017 estava no final, deixar a profissão de protético, dar tempo ao tempo e dedicar-se rumo a um sonho: retomar a carreira de comissário de bordo e ir em direção ao seu propósito, encontrar prazer na jornada profissional.
Em 2008, logo após que nasceu seu primeiro filho, havia acabado de se formar e, com a constituição da nova família, optou por manter-se na função, já que lhe dava alguma estabilidade. Hoje, aos 36, seu desejo é poder conquistar uma vaga nos ares e levar sua simpatia e curiosidade para dentro dos aviões.
Cuide de si mesmo
Essa é a regra número 2, do livro 12 Regras Para a Vida, do Jordan B. Peterson (Alta Books). Ele, que já teve inúmeras profissões, hoje é considerado por seus alunos, um dos professores que mudou suas vidas. Em um trecho de seu livro, ele diz que “cuidar de si mesmo da forma como cuidaria de alguém sob sua responsabilidade significa considerar o que seria realmente bom para você”.
Ou seja, não se trata de ser o que quer ou o que acredita que o faria feliz. E emenda “é considerar o futuro e pensar: como a minha vida seria se eu estivesse cuidando de mim adequadamente? Qual carreira me desafiaria e me tornaria produtivo e prestativo, de modo que eu pudesse carregar minha parte do fardo e aproveitar as consequências? O que eu deveria fazer, quando tenho uma certa liberdade, para melhorar minha saúde, expandir meu conhecimento e fortalecer meu corpo?”
Autodescoberta e o entendimento de respeitar limites
A personagem que ilustra a abertura desta reportagem, a Flavia, é casada e mãe do Rafael e do Guilherme, de 1 e 3 anos, e empresária. Pouco tempo depois daquele encontro, que começou a ser sucedido por outros, confidenciou-me estar vivendo a Síndrome de Burnout. E me disse também como foi importante aquele momento para ver o quanto sua vida precisaria ganhar a mesma importância que ela dava para outras coisas. “Quando o Gui nasceu, as coisas aconteceram de forma diferente e eu me senti muito estressada. Estava preocupada com a empresa, que estava num momento delicado, precisava cuidar da casa, do meu outro filho, que estava no período de férias, ao mesmo tempo em que meu marido precisava também passar mais tempo fora”, diz.
Além de apoio médico, começar a conviver mais com amigos, seja como for, a fez lembrar quem ela era. “Foi nesse resgate que decidi sair de um ciclo, que era o de dar conta de tudo. Foram seis meses angustiantes, mas que me levaram para um lugar novo e desconhecido, que me mostraram que eu posso ser quem eu era antes, mesmo sendo uma executiva, mãe e mulher.” É preciso ter clareza de para onde está indo. Com isso, conhecer seus limites e até onde o caos pode entrar, de forma saudável, em sua vida, é saber botar ordem e trazer a fé em si mesmo para o mundo.
Dica importante para saber respeitar limites
A Ana, da ISMA-BR, dá uma dica importante para quem está lidando com uma pessoa nessa condição: “ofereça um par de orelhas. Portanto: ouça, não interrompa ou julgue e evite dizer para que se acalme. Estar num quadro de exaustão profunda não é uma situação confortável”. E finaliza: “sugira que a pessoa olhe para si, por mais que seja difícil, que pense no autocuidado e no estilo de vida que está levando. Utilize perguntas ao invés de respostas a fim de que ela elabore as informações”.
Eduardo Alves, escrevendo esta matéria, descobriu-se com um bom par de orelhas e um confortável ombro amigo.
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