A criatividade não é um dom, e sim uma competência
Criatividade pode ser desenvolvida e fortalecida ao longo de toda a vida, desde a primeira infância; e a leitora Débora Borsatti traz argumentos de que a leitura pode fazer aflorar o seu lado criativo
Débora Borsatti, da comunidade Vida Simples, enviou para o blog Você + Simples um texto sobre a criatividade e sua relação com a leitura constante. Boa leitura!
“Viver não é necessário. Necessário é criar.”
A frase de Fernando Pessoa nos provoca a refletir sobre o papel da criatividade na vida humana. No imaginário da maioria das pessoas o lugar do ser criativo é ocupado por ilustres artistas e/ou gênios cientistas, pais das grandes descobertas que mudaram o mundo.
Quase ninguém reconhece nesse espaço o seu vizinho, o (a) seu parceiro (a) de vida, colega de trabalho e, muito menos, a si mesmo. É como se fôssemos todos desautorizados a cogitar que podemos criar.
A forma como somos educados, reflexo da realidade ao nosso redor, contribui fortemente para a construção destas crenças.
Ao contrário do que se pensa, a criatividade não é um dom, mas uma competência valiosa que pode e deve ser desenvolvida.
Ela não se limita apenas às artes. A criatividade mas permeia todas as áreas da vida, desde a resolução de problemas cotidianos até a inovação em negócios e tecnologia.
Promover o desenvolvimento dessa competência permite o florescimento da capacidade de pensar de forma original, enfrentar os desafios de maneira única e transformar ideias em realidade. Desenvolver a criatividade é, portanto, essencial para o crescimento pessoal e profissional de todas as pessoas.
Estudantes brasileiros estão pouco criativos
Pois bem, o resultado do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelou, em julho de 2024, uma preocupante realidade para o Brasil.
Mais da metade dos estudantes brasileiros apresenta um nível baixo de criatividade ao tentar solucionar problemas sociais e científicos.
Essa situação coloca o país entre os últimos no ranking internacional neste quesito, evidenciando uma crise educacional que vai além do desempenho em matérias tradicionais como matemática ou língua portuguesa.
É sabido que o contexto das escolas públicas brasileiras – e da educação de um modo geral – congrega diversos fatores que contribuem para este dado alarmante.
Sanar este problema requer sobretudo um plano de mudanças estruturais no sistema educacional do país, e um bocado de boa vontade dos governantes para investir pesado nesta direção, seguindo o exemplo dos líderes desse ranking.
Singapura, Coreia do Sul, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Finlândia são países que vislumbram o cenário mundial e planejam o futuro de seus cidadãos.
Diante desse dilema, a questão proeminente é: o que acontece com uma nação que sem criatividade?
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Falta de criatividade nos torna medíocres
A dificuldade de “pensar fora da caixa” torna o ser humano medíocre no sentido literal da palavra, uma pessoa de qualidade média. Essa mediocridade gera uma espécie de cegueira muito particular representada nos versos iniciais do poema Paixão, de Adelia Prado:
“De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo.”
Alguns podem dizer que o avanço da Inteligência Artificial (IA) pode ser a solução, afinal as máquinas estão pensando por nós.
Entretanto, conforme explica Walter Longo, especialista em Inovação e Transformação Digital, a imaginação é uma peça-chave para o uso da IA.
Porém, segundo Longo, para se ter imaginação é preciso ler muito. A leitura promove a expansão de vocabulário, outro ponto ressaltado pelo especialista ao citar pesquisas que indicam que estamos perdendo vocabulário por falta de leitura. Fator que dificulta o trabalho com IA.
A leitura pode ser uma saída emergente para o resgate da criatividade dos estudantes brasileiros, uma vez que ela age como um “alargador de horizontes” (referenciando o saudoso poeta Manuel de Barros), abrindo a mente para novas perspectivas da vida que permitem aceitar que a verdade não é única.
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Leitura é trampolim para a criatividade
“Querer a verdade é confessar-se incapaz de a criar”, conforme apontava Friedrich Nietzsche. Portanto, leitura e criatividade andam de mãos dadas e essa forte conexão enriquece a experiência humana.
Quando lemos, especialmente histórias de ficção, abrimos espaço para a mente explorar diferentes mundos e personagens. Eestimulamos a criatividade ao imaginar cenários, situações e indivíduos. Esse exercício mental desenvolve a capacidade de pensar de forma inovadora e original.
Livros apresentam ideias, conceitos e culturas que podem servir como fontes de inspiração para criações artísticas, soluções de problemas e inovações.
Leitores frequentes desenvolvem habilidades de análise e pensamento crítico, essenciais para a criatividade. Além disso, mergulhar em uma boa história proporciona relaxamento e prazer, elevando os níveis de felicidade.
Ao entrar em contato com experiências humanas universais, os leitores podem sentir uma conexão mais profunda com a humanidade e com suas próprias emoções. Isso promove o sentimento de empatia, senso de pertencimento e o contentamento.
O psicólogo croata Mihaly Csikszentmihalyi se dedica ao tema da felicidade e desenvolveu o conceito de estado de flow (fluxo). Nele, a pessoa permanece totalmente imersa em uma atividade, esquecendo preocupações e ansiedade.
Este estado de concentração e prazer profundo é associado a altos níveis de bem-estar. A leitura, assim como atividades criativas, proporciona o estado de flow, trazendo um senso de realização, propósito e satisfação pessoal, elementos fundamentais para uma vida feliz.
Diante disso, observamos que leitura, criatividade e bem-estar estão intrinsecamente conectados, formando um círculo virtuoso e em prol da felicidade.
A leitura desperta a imaginação e a criatividade que, por sua vez, promove o bem-estar através da expressão pessoal e do estado de fluxo.
O bem-estar emocional e físico contribui diretamente para a felicidade, que é nutrida pela sensação de propósito, conexões sociais e crescimento pessoal.
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Débora Borsatti tem formação em Psicologia e em Letras. O amor pela leitura se estende ao interesse por temas relacionados à linguagem, felicidade e bem-estar. A escrita de crônicas do cotidiano é um modo a unir a paixão pelas palavras ao estudo do comportamento humano.
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