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O que é liberdade de expressão?
Foto: Unseen Histories/Unsplash
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Quando eu tinha 17 anos, uma das minhas aulas fa­voritas no Ensino Médio era a de redação. Era fas­cinante e assustador poder expor minhas ideias em forma de texto. Usando não apenas minha opinião, mas fatos, a história, dados.

Meu professor, Norber­to, deve ter visto minha animação com a escrita e me incentivou durante os vários anos em que foi meu mestre na difícil tarefa de trabalhar com pala­vras.

Nunca fui uma pessoa competitiva, no entanto, eu tinha o desejo de ganhar a competição de redação da escola. Estudei no mesmo colégio desde os 12 e nunca havia conseguido o primeiro lugar. Medalhas no fu­tebol de campo ou de salão não me importavam tanto quanto aquela, a ser conquistada tecendo textos argumentativos.

Finalmente, no terceiro ano, meu desejo foi realizado. Venci a competi­ção e fui premiado como o melhor escriba da escola. Havia até uma ceri­mônia de entrega do prêmio, realizada no mesmo dia em que o colégio distribuía comendas aos alunos por seu desempenho acadêmico.

Meu nome foi chamado ao palco, fui cumprimentado pelo reitor, pelo meu professor de redação e desci com um prêmio em mãos. Ao abrir o pacote, vi um livro grosso, A Ditadura Envergonhada, de Elio Gaspari.

Trata-se do primeiro de cinco volumes escritos pelo jornalista a respeito do perí­odo da Ditadura Militar do Brasil, que foi de 1964 a 1985. Na página de rosto do livro, uma dedicatória do professor de redação.

O lembrete me incentivava a usar as palavras para evitar que tempos obscuros como aqueles que o livro de Gaspari descreve voltassem ao nosso país.

Fiquei muito satisfeito com o bilhete, claro, mas só fui entender a importância e a influência daquela mensagem mais de uma década mais tarde, quando eu já atuava como jornalista profissional.

Enfim, o que é liberdade de expressão?

Você deve estar se perguntando por que estou contando essa história em um texto cujo título se propõe a explicar a liberdade de expressão. Essa resposta virá em breve. Primeiro, vou explicar o que é liberdade de expressão.

A ideia de que os cidadãos têm o direito de dizer o que bem en­tendem é antiga. Os gregos antigos (sempre eles!) já acreditavam que era essencial poder debater ideias para chegar às melhores decisões.

Isso se refletia nos inúmeros espaços de conversa existentes nas cidades e nos órgãos de governo. Até os tribunais recorriam à deliberação pública para deferir sua sentença. Nas ágoras (praças), era possível ouvir e ser ouvido, apresentar suas ideias e conhecer as de outras pessoas.

Ao longo dos séculos, o conceito de liberdade de expressão se desenvolveu e se tornou um dos pi­lares das sociedades em que vive­mos. Ter o direito de expor ideias se tornou possível não apenas nas praças públicas, mas também por meio de boletins, livros, revistas, redes sociais, grupos de discus­são, etc. Poder opinar e expressar preferências é um dos elementos que definem uma grande parte do mundo em que vivemos.

Uma lei que se pratica com responsabilidade

Em 1215, o documento Magna Carta, uma espécie de Constitui­ção, já determinava que os ingleses deveriam poder debater ideias e expressar suas opiniões. Séculos mais tarde, em 1789, a Revolu­ção Francesa tornaria famosa a expressão “direitos do homem” e estabeleceu que a liberdade de ex­pressão seria um deles.

Depois, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Organização das Na­ções Unidas determinou que todos os países do mundo dessem condi­ções a seus cidadãos para que, en­tre outras coisas, opinem a respeito dos assuntos comuns a todos.

É tão fundamental que o direito à liberdade de expressão está na Constituição do Brasil. O artigo quinto garante que são livres “a manifestação do pensamento” e “a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunica­ção” no Brasil.

Apesar dessa ideia ser poderosa e valiosa, ela também pode levar as pessoas a agir e pen­sar de modo extremo, distorcendo seu propósito. Por isso, precisamos entender também o que a liberda­de de expressão não é.

O que não é liberdade de expressão?

Não se trata de falar tudo o que vem na sua cabeça sem sofrer ne­nhuma consequência. Qualquer direito tem também seus limites. Insultar alguém, divulgar informa­ções falsas, promover discurso de ódio contra minorias são abusos da liberdade de expressão – e não o exercício dela.

Outro engano co­mum é achar que alguém está abu­sando da liberdade de expressão porque tem uma opinião contrária à sua. “Discordo profundamente do que essa pessoa está falando, por isso ela não deveria poder dizer o que está dizendo.”

Viver junto, numa sociedade democrática, sig­nifica não só poder se expressar li­vremente (respeitando os outros), como também aceitar que existem opiniões diferentes das suas.

Você não precisa gostar delas, pode até não querer ouvi-las, mas não pode impedir que elas existam. Sendo assim, iberda­de de expressão tem que valer para todos, não importa quem sejamos.

O contrário da liberdade de expressão é a censura, ou seja, o poder de algumas pessoas determinarem o que pode ou não ser dito. Sociedades plurais e res­peitosas não impedem ninguém de dizer e/ou expressar em diferentes formas o que pensam.

A censura é característica onipresente em regimes autoritários, uma vez que ambos não dão espaço a opiniões que discordem das oficiais.

Por que a liberdade de expressão é importante?

Sem liberdade de expressão, não temos a liberdade de nos reunir e discutir assuntos do nosso bairro, cidade ou país. Ela é, portanto, necessária para que a política exista e organize-se em partidos, em gru­pos de interesse; precisamos dela para protestar nas ruas ou elogiar ideias e pessoas de quem gosta­mos.

Liberdade de expressão é um dos pilares da imprensa. Só assim ela pode investigar, questionar e explicar os acontecimentos. Só as­sim posso escrever esse texto com a certeza de que ninguém irá me punir caso discorde do que estou dizendo.

Se eu fosse adulto durante a ditadura militar brasileira, teria mais dificuldade para exercer mi­nha profissão. Quando o governo não gostava de uma matéria que seria publicada, ordenava aos edi­tores que a tirasse.

Muitas vezes, os militares substituíam o artigo por uma receita de bolo. Pessoas morreram (e continuam a morrer) pelo mundo todo por desejar exprimir suas opiniões de maneira livre.

E era essa exata mensagem que meu professor Norberto tentava me mandar em sua dedicatória. Ele teve a experiência de quem viu de perto os horrores do autoritaris­mo. E por essa (legítima) razão, ele me mostrou o quan­to eu (e todos nós) somos pessoas privilegiadas. Isso porque temos o direito de escrever o que quisermos, sem medo de violência ou retaliação.

Demorei para de fato entender o que meu mestre estava dizendo. Apreciava seu gesto, claro, e tinha uma boa noção dos estragos causados pelo regime militar no nosso país.

No entanto, só compreendi a impor­tância real de suas palavras ao experimentar na pele (ainda que numa escala ínfima) os perigos da falta de diálogo, da desinformação, do fanatismo político.

Liberdade de expressão é com respeito e consciência

A organiza­ção internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF) publica em um relatório anual um ranking de liberdade de imprensa pelo mundo.

No documento mais recente, a con­clusão foi a de que aconteceu uma “expansão de um sentimento de ódio dirigido aos jornalistas”. No Brasil, “a liberdade de informação está longe de ser uma prioridade para os poderes públicos, avalia a RSF. Nosso país caiu de posição de 2017 para 2018: estamos na 102a posição, de um total de 180.

Enfim, me vejo aqui, quase duas décadas depois, com o privilégio de con­versar com todos vocês graças a séculos de compreensão de que o direito de falar livremente é essen­cial para a existência do ser huma­no tanto individualmente quanto em sociedade.

Com preocupação, vejo também que há quem tente impedir os cidadãos de expressar suas opiniões, tenham elas rela­ção com política ou não.

Por isso, espero que meu profes­sor tenha passado uma lição não só para mim, mas para todos os cidadãos. Afinal, quem é que gostaria de perder o direito de ter uma voz, de se ex­pressar? Espero que ninguém.

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Sobre a Série Nossas Questões

A SÉRIE NOSSAS QUESTÕES é uma parceria entre a Vida Simples e o Me Explica (meexplica.com), site de jornalismo explicativo fundado em 2013 por Diogo Antonio Rodriguez. Durante seis edições, iremos destrinchar temas importantes relativos ao viver junto: democracia, direitos civis, direitos humanos, justiça, igualdade e liberdade de expressão.


DIOGO ANTONIO RODRIGUEZ formou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Jornalista há 10 anos, também deu cursos sobre a importância da política para todos, na Unibes Cultural e na Virada Política, ambos em São Paulo. Em 2013, criou o site Me Explica, para tornar as notícias mais acessíveis.


Conteúdo publicado originalmente na Edição 206 da Vida Simples

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