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Como conversar com crianças sobre a morte?
(Foto: Caleb Woods/Unsplash) Não se trata de 'não chorar' na frente da criança, mas de mostrar que o luto é parte da vida e que os sentimentos têm lugar para existir
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Neste artigo:

Entre tantas dores causadas pelo falecimento de alguém próximo, explicar para as crianças o que é a morte pode ser um momento de muita sensibilidade. Isso porque falar sobre como lidar com o luto ainda é um tabu dentro das famílias em um contexto que adultos acreditam que crianças não entendem o que significa morrer.

Porém, é justamente o contrário. Crianças podem e devem entender o que significa a morte como forma de compreender a própria tristeza e lidar com ela. Então, como conversar com crianças sobre a morte? As metáforas são bem-vindas? Como o luto se expressa neles?

O luto infantil

Ninguém sente o luto da mesma forma, nem mesmo entre os adultos. Com as crianças, isso não seria diferente. Enquanto pessoas que já entendem o que é a morte tendem a mergulhar no sofrimento quando alguém próximo morre. Por outro lado, os pequenos vivem o sentimento em ondas.

“As crianças alternam momentos de choro e saudade com brincadeiras, risos e distração. Isso não significa que o luto seja menor, mas que é do tamanho que a alma delas suporta sentir de cada vez”, explica Ana Claudia Quintana Arantes, especialista em psicologia do luto e autora do livro “Onde Fica o Céu?”, obra que trata sobre o luto infantil e o entendimento da morte.

Nas reações de cada criança, dois fatores são importantes: a idade e o estágio de desenvolvimento. Elas compreendem a morte de formas diferentes, logo, suas reações também variam.

  • Até os 3 anos, a criança sente a ausência, mas ainda não entende o conceito de morte. Ela precisa de presença e rotina;
  • De 3 a 6 anos, pode ver a morte como algo reversível e fantasioso. É comum que faça perguntas repetidas sobre o que aconteceu;
  • Dos 6 aos 9 anos, começa a compreender que a morte é irreversível, mas ainda pode personificá-la (como um monstro ou vilão);
  • A partir dos 9 anos, já entende a morte como um evento natural, inevitável e universal.

Alguns comportamentos e reações comuns, como regressão (voltar a comportamentos infantis já superados), irritabilidade, dificuldade de concentração, apatia, ansiedade, problemas de sono, raiva e problemas escolares. “Ken Doka, referência em Tanatologia [estudo científico da morte], lembra que cada criança é única e sua compreensão dependerá também do ambiente familiar, das crenças espirituais e da qualidade dos vínculos afetivos”, aponta Ana Claudia.

Devido às diversas respostas e reações, ambientes e famílias, é necessário adaptar a conversa sobre a morte para cada maturidade emocional e cognitiva das crianças.

Sinceridade e honestidade

Conversar sobre a morte em contextos de luto na família pode ser delicado para os adultos, mas lidar com a situação com honestidade e sensibilidade ajuda a acolher a própria dor e a das crianças.

“É preciso lembrar que amor e dor podem coexistir. Não se trata de ‘não chorar’ na frente da criança, mas de mostrar que o luto é parte da vida e que os sentimentos têm lugar para existir. Quando um adulto acolhe a própria dor com honestidade, ele ensina à criança que ela também pode fazer isso.”

O reconhecimento que a criança merece saber o que aconteceu e porque a rotina, sentimentos e pessoas ao seu redor estão diferentes é um passo importante para o preparo para a conversa.

Na hora de falar, lembre-se que as crianças são capazes de lidar com a verdade, desde que seja dita com amor. Recorrer a metáforas para suavizar a dor é compreensível e muito comum, mas não é necessário.

Ao falar que a pessoa “virou estrela” ou “foi morar no céu”, há o risco de gerar mais confusão. As crianças podem ter medo de ir descansar, assim como a pessoa falecida, associar o sono com a morte ou medo de ir morar no céu.

A morte não precisa ser enfeitada para caber no coração da criança. Precisa, sim, ser dita com verdade e ternura”, diz Ana Claudia. “A melhor abordagem é falar a verdade com simplicidade: ‘a vovó morreu, o corpo dela parou de funcionar, e agora não vamos mais vê-la, mas podemos sempre lembrar do quanto ela nos amava’.”

No livro “Grief in Children: A Handbook for Adults” (“Luto em crianças: um manual para adultos”), do psicólogo Atle Dyregrov, o autor aponta instruções gerais de como guiar a conversa e abrir espaço de diálogo sobre o tema:

  • Comunicação honesta: com explicações adequadas a idade da criança, explique honestamente o falecimento;
  • Dê um tempo para a criança processar a informação: permita questionamentos e conversas. Aceite que talvez a conversa seja curta e que a criança demonstre indiferença;
  • Com carinho, mostre que a perda foi real: deixe a criança participar de rituais, não esconda seus sentimentos. Revisite fotografias se necessário;
  • Estimule a superação emocional: apoie a criança em dar continuidade à rotina de estudos. Converse com ela sobre os sentimentos e reações.

A morte, o luto e o velório não devem ser postos e tratados como um trauma. “O que traumatiza é o silêncio, o segredo, a exclusão. Quando a criança é impedida de participar, ela sente que algo muito grave aconteceu, mas ninguém diz o quê”, diz a autora. 

No caso dos velórios, Ana Claudia aponta que pode ser uma oportunidade de despedida, mas deve ser explicada com clareza, respeitando os desejos da criança e com um adulto emocionalmente disponível em companhia. “A criança que participa do ritual de despedida, acompanhada com cuidado, tem mais chance de elaborar um luto saudável. Não se trata de obrigar, mas de convidar e permitir.”

Se necessário, busque apoio psicológico com um especialista em luto infantil. “Como costumo dizer, o melhor que você pode fazer por uma criança em luto é estar inteiro – não perfeito, mas inteiro na verdade e no afeto.”

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