Crip Camp: a revolução que aconteceu num campo de férias
Crip Camp (título original), EUA, Netflix, documentário, 105 minutos.
Crip Camp (título original), EUA, Netflix, documentário, 105 minutos.
Muito se fala sobre as revoluções iniciadas nos anos 60 e 70. Lutou-se pelos direitos civis dos negros, das mulheres e dos homossexuais. E o cinema tratou de reportar esses feitos tão fundamentais em inúmeras obras de ficção e documentários. Mas ninguém tinha ainda contado que houve uma revolução liderada e apoiada por jovens portadores de deficiência por seus direitos básicos. Naquela época, eles eram privados de executar as mais simples tarefas do dia a dia com segurança e dignidade – escolas não aceitavam crianças deficientes, prédios não tinham rampas, calçadas não eram adaptadas, empregos não eram oferecidos.
O documentário da Netflix, Crip Camp – Revolução pela inclusão da produtora de Barack e Michelle Obama, narra o ponto zero de todas as lutas pela inclusão da diferença. Dirigido por Nicole Newnham e Jim LeBrecht, o filme conta que foi num acampamento de férias para portadores de deficiência que tudo começou. Localizado perto de Nova York, o Crip Camp (acampamento para deficientes, numa tradução literal) era um acampamento de verão que recebia jovens com as mais diversas deficiências. Idêntico a tantos outros espalhados pelos EUA, com a única diferença que ali o deficiente era bem-vindo. Ninguém olhava a deficiência como uma doença.
Pertencimento
O documentário mostra a história de deficientes que finalmente podiam conviver com pessoas iguais a eles, cantar e fumar, ouvir a música que todo jovem daquele tempo ouvia, sem precisar lembrar o tempo todo que eram diferentes. Havia um clima de pertencimento. Finalmente conseguiam esquecer o sentimento de frustração por nunca conseguir “reparar” o defeito que os colocava no lugar de párias da sociedade. Cada um com seu tipo de limitação, ali sentiam-se livres.
Dessa experiência surge o movimento de exigir os seus direitos básicos como cidadãos – como ir e vir, estudar, trabalhar. Nasce uma organização política para lutar para que fossem finalmente vistos como mulheres e homens, e não como deficientes. As imagens são potentes, os registros, impactantes. Os depoimentos mostram que no acampamneto eles se sentiam notados por aquilo que podiam oferecer e não por aquilo que lhes faltava.
Inclusão
Liderados por Judy Heumann — que teve pólio na infância e é cadeirante — os jovens vão às últimas consequências pelo direito de andar de ônibus, ter um trabalho, entrar num restaurante ou num prédio, frequentar uma escola. Crip Camp não trata apenas de tolerância e inclusão, vai além. Ele dá voz até a quem, literalmente, não a possui. Os depoimentos de jovens com paralisia cerebral são emocionantes e inspiradores. Apesar das conquistas, Judy admite que a discriminação ainda tem raízes difíceis de arrancar: “Estou cansada de me sentir grata por banheiros acessíveis”, desabafa. “Se eu continuar a me sentir assim, quando serei considerada igual na comunidade?” questiona.
Suzana Vidigal é tradutora, jornalista e cinéfila. Gosta de pensar que cada filme combina com um estado de espírito, mas gosta ainda mais de compartilhar com as pessoas a experiência que cada filme desperta na mente e na alma. Em 2009 criou o blog Cine Garimpo (www.cinegarimpo.com.br e @cinegarimpo) e traz, quinzenalmente, dicas de filmes pra saborear e refletir.
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