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ENTREVISTA – A essência do ser
TIAGO GOUVÊA • @TGOUVEA
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A biologia nos lembra que viemos das mesmas substâncias das galáxias. Portanto, nosso verdadeiro eu é o próprio Universo, como explica o cientista e buscador espiritual Fábio Hazin

Fábio Hazin conhece profundamente os oceanos. A certa altura da carreira acadêmica, o engenheiro de pesca e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), envolvido também com o desenvolvimento sustentável e a preservação da fauna e da flora marinhas, fez seu doutoramento no Japão. Aí, foi tragado por outro mergulho. Dessa vez, na mente humana, ancorado pelo zen-budismo.

Muitos ventos sopraram e, por volta de 2010, uma nova onda redirecionou sua rota para a espiritualidade. Participou de retiros em mosteiros de tradição budista e do hinduísmo Vedanta, no Brasil, na Índia, no Nepal e na Austrália.

Em seguida, Fábio passou a ministrar oficinas de ciência, meditação e introdução ao budismo. Entre seus mestres-aliados estão Pema Chödrön, Chögyam Trungpa, Alan Watts, Jiddu Krishnamurti e Eckhart Tolle. A síntese dessa viagem pelos mares interiores originou o livro A Arte de Aprender a Ser (Gryphus), inspiração para a conversa que vem a seguir.

COMO VOCÊ DEFINE O SER?

O ser, como o próprio nome diz, é quem verdadeiramente somos, e isso deveria ser algo extremamente simples de ser compreendido, se não vivêssemos mergulhados na ilusão do ego, da individualidade, na heresia da separatividade, como diziam os tibetanos, na ilusão de Maya, como descrito pelo budismo, ou na Matrix, como naquele famoso filme. A partir de um dos ensinamentos mais primordiais do hinduísmo Vedanta, porém, Tat Tvam Asi, que significa literalmente “Isto Você É”, compreendemos que “isto” é o próprio Universo, é tudo o que existe. Esse somos nós. Esse é o nosso verdadeiro ser. Somos todos o mesmo ser brincando de sermos seres diferentes. Somos todos folhas dessa imensa e gigantesca árvore. E galhos. E raiz. E frutos também.

“Deixar de viver em função do ego para viver
pelo ser é viver em paz. É viver livre, liberto da
dualidade, do julgamento e opinião dos outros.
É viver livre do medo, da solidão e da morte”

INTERESSANTE VOCÊ TRAZER A CONCRETUDE DA BIOLOGIA PARA A CONVERSA SOBRE O SER…

Há 4 bilhões de anos, todos os seres vivos que existem hoje na superfície do planeta Terra eram apenas uma única célula, o primeiro organismo vivo que conseguiu se duplicar e que deu origem a todas as formas de vida. Apesar de terem se passado 4 bilhões de anos, embora aquela primeira semente de vida microscópica tenha se transformado em uma árvore gigantesca, continuamos a ser todos folhas dessa mesma árvore, partes desse mesmo ser. Nós pertencemos, portanto, uns aos outros, como pertencem às suas mães todos os filhos e todas as filhas da Terra.

Mas, se voltarmos ainda um pouco mais no tempo, seremos obrigados a constatar que, há 4,5 bilhões de anos, não existia ainda no planeta nenhuma forma de vida. Tudo o que havia eram pedras e minerais. As substâncias químicas presentes na superfície do planeta, irradiadas permanentemente pela energia emitida pelo Sol, ainda não haviam adquirido a capacidade de se replicar, ainda não haviam se tornado “vivas”. Então quem somos senão pedras que, ao longo de 4,5 bilhões de anos, aprenderam a andar, a falar e a se comunicar umas com as outras?

COMO VOCÊ ELUCIDA NO SEU LIVRO, A MECÂNICA QUÂNTICA CHANCELA ESSA VISÃO, NÃO É?

A mecânica quântica nos diz que todas essas pedras, como tudo que existe no Universo, são formadas por uma dúzia apenas de partículas subatômicas combinadas de diferentes formas. E que todas essas partículas estão conectadas de maneiras que nós não conseguimos ainda compreender. Daí a ideia de que o Universo é um jogo de lego infinito, formado por uma dúzia de pedrinhas coloridas, jogando consigo mesmo, se criando e se recriando em um espaço-tempo onde tudo se transforma em tudo o tempo todo. Então nosso pertencimento não está restrito apenas aos seres “vivos”, mas a tudo o que existe.

POR QUE NÃO NOS VEMOS COMO PARTE DE TODOS OS SERES?

Infelizmente, não vivemos essa existência por meio do nosso ser, mas pelo nosso ego. Por esse personagem construído pela nossa mente, atrás do qual nos escondemos e por meio do qual nos relacionamos com todos os outros seres. Sem compreendermos a nossa sacralidade, como o próprio Universo que somos. Passamos, assim, nossa vida enfeitando esse personagem e o defendendo como se nossa vida dependesse dele, por acreditarmos que o nosso valor nasce dele, e não de quem verdadeiramente somos. E assim nos tornamos dependentes da opinião alheia, atravessando essa existência nos mensurando sempre pela régua dos outros.

PARA NOS APROXIMARMOS DA NOSSA REALIDADE MAIS PROFUNDA, PRECISAMOS ESTAR DISPOSTOS A QUÊ?

Tem uma frase do [filósofo britânico] Alan Watts que diz: “Acordar para quem você é requer desapego de quem você imagina ser”. Para nos libertarmos da ilusão do ego, precisamos ter a coragem para seguir o caminho do coração, que, aliás, é o próprio significado da palavra coragem. Coragem para nos libertar do apego que nutrimos por esse personagem, essa pessoa que, ilusoriamente, acreditamos ser.

QUAL É A GRANDE BÊNÇÃO DO DESPERTAR?

Deixar de viver em função do ego para viver pelo ser é viver em paz. É viver livre, liberto da dualidade, do julgamento e da opinião dos outros. É viver em um mundo onde toda a raiva é substituída pela compaixão. É viver livre do medo. Do medo da solidão e do medo da morte. Como podemos estar sós se todos os seres são parte de quem somos? E como poderíamos morrer se somos o próprio Universo?

NO DIA A DIA, É NATURAL OSCILAR ENTRE PERÍODOS MAIS E MENOS CONECTADOS AO SER?

A trilha que nos conduz à libertação do nosso ego é cheia de altos e baixos. Aos poucos, vamos rompendo com essa identificação e aprendendo a observar as nossas emoções, os nossos sentimentos, os nossos pensamentos, percebendo, cada vez com mais clareza, que nós não somos eles.

Fábio Hazin, engenheiro de pesca e professor, também mergulhou no entendimento da essência do ser, ancorado pelo zen-budismo

DE QUE FORMA ESSA CONEXÃO PROFUNDA PODE TRANSFORMAR A JORNADA HUMANA?

Essa conexão pode transformar o nosso ângulo de visão sobre quem somos e o que estamos fazendo aqui. Significa a diferença entre viver mergulhado em profunda dor e sofrimento, em um mundo dual, de julgamentos, de mágoas e ressentimentos, ou viver na unidade, em um mundo livre da identificação com o ego e, portanto, liberto do apego e de todos os sentimentos que nascem dele. Em um mundo de paz e de sentido.

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