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Como lidar com as dificuldades
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É possível superar as adversidades com uma boa dose de resiliência, atribuindo um novo sentido à experiência e criando oportunidades a partir dela

Prestes a completar três anos e oito meses de vida, ganhei um irmão. Tenho memórias não muito nítidas da barriga da minha mãe crescendo e eu brincando com o bebê que havia dentro dela. Mas, àquela época, não fazia a menor ideia de que, de lá, sairia alguém tão pequenino e bonitinho, com um par de olhos cor de mel que me fariam acreditar que eu tinha ganhado um boneco lindo e de verdade. Fiquei realmente bem surpresa com aquele superpoder da minha mãe.

Bem, meu irmão cresceu e minha casa foi inundada por uma trupe de super-heróis. O preferido era o Homem-Aranha. Em suas brincadeiras, atirava teia para todos os lados da casa e ia de um cômodo para o outro mais rápido que um piscar de olhos. Apesar do favoritismo do protagonista vermelho e azul, os outros personagens também tinham seu valor. “Lu, se você pudesse ter um poder especial, qual seria?”, eu lhe perguntava cheia de curiosidade. Ora ele respondia que queria ser invisível, ora que gostaria de correr como o The Flash.

Quando a pergunta era devolvida para mim, no entanto, eu não sabia responder. Queria que meu superpoder fosse alguma coisa que surgisse de dentro. Um sentimento, talvez. Como aquela sensação inesquecível de quando, ao terminar a tarefa de casa, eu podia assistir aos desenhos da Cultura enquanto comia um bolo de chocolate. Queria sentir isso para sempre, porque era algo poderoso. Sempre ouvia meus pais dizendo que tinham que resolver alguns problemas de adulto, e eu não queria que esses contratempos chegassem para mim – gente grande não parecia tão feliz ao ter que lidar com eles. A vida era muito gostosa aos seis anos e às três horas da tarde.

Conforme crescia, minha busca por essa aptidão especial aumentava. Não me recordo de quando foi a primeira vez que ouvi a palavra resiliência. O fato é que a achei tão bonita que a incorporei no meu dicionário particular sem ao menos saber o que exatamente ela significava. Tomei consciência de que estava ligada a uma forma de enfrentar dificuldades, o que parecia perfeito. Afinal, era capaz de entender que, em algum momento, passaria por situações desconfortáveis semelhantes às que se sucediam para os mais velhos. Associei o termo com força e coloquei-o, rapidamente, como pré-requisito de sucesso. Tratei como uma questão de honra: eu precisava ser resiliente, superar qualquer dificuldade, encarar de frente os problemas, ser uma fortaleza. Era o que me levaria a algum lugar na vida, aquilo que eu tanto procurava.

Pouco tempo depois, lá estava eu, frustrada, aos prantos para minha terapeuta: “eu não sei ser resiliente!”. Precisava lidar com uma chefe que gritava comigo o tempo todo na frente de clientes por eu não saber, só de olhar, a qual marca determinada peça de roupa pertencia. “Essa é uma situação difícil, tenho que enfrentar isso e permanecer forte”, imaginava. Em seguida, o choro vinha, porque aquilo doía. E doía ainda mais quando eu pensava que estava sendo uma garota mimada por não conseguir administrar todo o contexto. E, então, veio a descoberta. Pude, enfim, adicionar um significado ao superpoder que eu almejava ter. Resiliência não é tornar-se um saco de pancadas e aceitar qualquer situação como se aquilo fizesse parte, de certa maneira, do crescimento emocional e psíquico individual. Entendi que há batalhas que não temos que enfrentar, e fazer essa escolha não nos coloca frente a frente com o fracasso ou a fraqueza. Muito pelo contrário: resiliência também é saber que temos limites e valores – e precisamos respeitá-los. “Essa confusão é bastante comum”, conta Lisete Barlach, doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo. “O termo chegou ao Brasil associado a uma ideia de resignação e conformismo. E continuamos aprendendo assim equivocadamente”, declara ela.

Ser resiliente está muito mais ligado à capacidade que temos de enfrentar as adversidades, os percalços da vida, e enxergá-los de uma maneira diferente, acreditando que pode surgir uma solução criativa a partir deles, mesmo que isso não fique claro em um primeiro momento. É ser capaz de suportar ou de se recuperar de situações complicadas ou mesmo duras e, ao final dessa caminhada, perceber-se mais forte, apesar do sofrimento – sim, porque não podemos ignorar a dor. Imaginemos uma mãe que perde um filho em um acidente: ele foi atropelado por um motorista extremamente alcoolizado. É claro que, com o luto, essa mulher vivenciará uma dor e uma tristeza profundas. Mas, no meio desse processo e depois que a dor se tornar menos dilacerante, ela também pode entender que aquela situação é recorrente e que não é a única pessoa que está passando por isso – outras já viveram algo parecido.

E mais: isso ainda ocorrerá com muitas mães no decorrer do tempo. A partir dessa percepção e clareza, ela decide criar um projeto educativo de conscientização no trânsito, por exemplo. Seja qual for a solução encontrada por ela, a força motriz é a mesma: a vontade de acolher, ajudar e transformar a própria vida, dando um novo sentido a ela e, consequentemente, à do próximo. Ao abraçar uma causa e traçar planos de ação, a pessoa se torna maior do que a vivência ruim que experimentou. É o sentimento de pertencer a algo mais intenso do que o sofrimento individual. “Outra observação importante diz respeito à criatividade, que é uma característica importante da resiliência. Ela não serve só para que a pessoa pense em saídas fora da caixa, mas também para que possa ver o próprio problema de outros ângulos, o que, de certa forma, lhe dá força”, afirma Lisete.

APRENDIZADO CONSTANTE

Saber encarar as dificuldades não é algo que nasce conosco, então, de cara, já não se cobre tanto. Vamos adquirindo essa capacidade aos poucos, ao longo da vida, a cada vez que temos que lidar com um contexto desafiador, que nos tire do que costumamos chamar de normalidade. “Não precisa ser um acontecimento grandioso. Podemos pensar em cenários bem rotineiros, como quando alguém perde um voo”, diz Janaína Leão, especialista em Psicologia Sistêmica, de São Paulo. “Há pessoas que decidem voltar para casa e a frustração é tão grande, que a compromete emocionalmente por dias seguidos. Outras encaram aquilo como um erro que já aconteceu, é passado, é algo a que todos estamos sujeitos, e buscam alternativas para embarcar, seja em outra companhia aérea, seja em um horário diferente. A resiliência é um convite para enfrentar a situação, não desistir dela”.

Mas como fazer isso? Como reagir de maneira, digamos, mais equilibrada diante das dificuldades? Talvez, de cara, você não consiga encontrar uma saída para o chefe que grita a todo instante; talvez você siga com a sensação de impotência diante da situação econômica e política do país; talvez você não suporte mais perder três horas do dia no congestionamento; talvez você ainda sinta uma dor profunda quando se lembra de alguém querido que se foi. Os percalços podem ser de origens diversas, mas cada um sabe onde lhe dói mais ou menos e o quão difícil é seguir em frente, respirar, seguir tentando e, no meio de tudo, manter-se forte, em pé, inteiro.

Um ponto importante é que não dá para percorrer caminhos difíceis sem, antes, olhar para dentro e reconhecer o que estamos sentindo. Esse talvez seja um dos aprendizados mais profundos e que é cercado por muito desconforto. Em seu livro Mais Forte do que Nunca – Caia. Levante-se. Tente Outra Vez (Sextante), a professora e pesquisadora do departamento de Serviço Social da Universidade de Houston (EUA), Brené Brown, fala muito bem sobre como lidamos com nossas emoções de maneira equivocada e por quê. Segundo ela, “o que mais atrapalha na hora de enfrentar uma emoção difícil é o elemento que costuma servir de obstáculo a outros comportamentos corajosos: o medo. Não gostamos do que estamos sentindo e temos medo do que os outros vão pensar. Não sabemos o que fazer com o desconforto e a vulnerabilidade. A emoção pode ser terrível, mesmo fisicamente. Podemos nos sentir expostos, em risco e inseguros em meio às emoções. Nosso instinto é fugir da dor. Na verdade, a maioria de nós nunca foi ensinada a acolher o incômodo, conviver com ele ou comunicá-lo, mas apenas a descarregá-lo, livrar-se dele ou fingir que ele não está acontecendo”.

Lidar, primeiramente, com a dor, com o incômodo, parece ser, então, essencial. Mas você pode começar a fazer isso em passos pequeninos. Uma sugestão: exercite um olhar mais atento para os acontecimentos do cotidiano. Isso ajuda a entender como costumamos responder aos desafios e o que podemos fazer para mudar a reação do nosso corpo, para reduzir, na mesma proporção, a frustração. Aos poucos, vem o entendimento de que não estamos no controle de tudo, nem mesmo daquilo que soa como previsível. Encarar cada vivência como um aprendizado e consequente oportunidade de crescimento é um bom caminho rumo à resiliência, porque nos torna mais dispostos e flexíveis; desde que, é claro, essa circunstância não infrinja nossos valores. E como reconhecer quando ultrapassamos os próprios limites? “Quando há dor e sofrimento”, esclarece Janaína Leão.

Há dores naturais ao processo de transformação que são necessárias, e essas não são passíveis de ser evitadas. Por outro lado, existem as que nos avisam que estamos indo contra nossa verdade – e é nesse cenário que precisamos assumir que está na hora de reavaliar o caminho e ponderar se vale a pena permanecer onde estamos ou seguir por outra rota.

Se pensarmos na resiliência como uma casa, certamente nos daremos conta de que ela não se sustenta sozinha. Há outras habilidades importantes que fazem parte da construção, como a capacidade de se adaptar a diferentes situações, a flexibilidade e a persistência. “Pessoas controladoras têm mais dificuldade na concepção do ser resiliente, porque são pouco tolerantes à frustração”, explica Janaína. “É difícil perceber que há coisas que saem do controle”. A psicóloga Lisete Barlach dá mais uma pista: “a religiosidade, não necessariamente a religião, também é importante”. Acreditar que há algo maior nos permite superar algumas questões com facilidade, porque não as vemos como um acaso.

IMPORTÂNCIA DO COLETIVO

A boa nova é que você não precisa enfrentar essa estrada de forma tão solitária quanto pode imaginar. A psicóloga Elisa Mara Leão, que, em seu trabalho de doutorado, dedicou-se a estudar a resiliência, destaca que o aspecto social é um importante fator de proteção quando pensamos nas características que favorecem a formação de uma personalidade propícia ao enfrentamento das crises. O convívio que estabelecemos com as pessoas que estão ao nosso redor é determinante no processo de ressignificação e superação das turbulências. Familiares, parceiros de trabalho, amigos, integrantes de um mesmo grupo social… Todas as pessoas com quem mantemos relações são fonte de influência. Recebem nosso afeto e, em certa medida, devolvem-no para nós, acrescentado aquilo que há dentro de cada um.

Boris Cyrulnik, neurologista francês, afirma que só conseguimos enfrentar um sofrimento e fazer com ele um trabalho útil para os outros depois de termos sido acolhidos e fortalecidos. Ele chama essas pessoas, tão essenciais no caminho, de “tutores de resiliência”, gente que significa apoio e segurança para nós. Pode ser aquele amigo que sabe ouvir, um terapeuta, o companheiro ou companheira, os pais, os irmãos. Os tutores são como pontos de apoio distribuídos pelas nossas estradas pessoais mais difíceis – e isso só é possível porque eles reconhecem nossos problemas, sabem se colocar no nosso lugar, entendem o que estamos passando.

A pesquisadora Brené Brown também se refere à necessidade do apoio do outro de maneira muito bonita em seu livro Mais Forte do que Nunca. Sobre seguir em frente, em momentos difíceis, ela escreve: “essa jornada pertence a você, mas ninguém é capaz de trilhá-la com sucesso sozinho. Temos que aprender a depender de outros viajantes, por breves momentos, para encontrar refúgio, apoio e disposição ocasional de caminhar lado a lado. Para aqueles que têm medo de ficar sozinhos, lidar com a solidão inerente a esse processo é o grande desafio, enquanto para aqueles que preferem se isolar do mundo e se curar sozinhos, a exigência de estabelecer vínculos – de pedir e receber ajuda – é que se torna o desafio”.

O mais bonito de toda essa relação é que ao conseguir lidar com as dificuldades percebemos que essa realmente não é uma jornada solitária. Ela não diz respeito só a nós. Ao longo dela somos tocados (ou ajudados) pelo outro e também afetamos quem está ao redor. Tornamo-nos mais fortes para enfrentar os próximos desafios com essa palavrinha complicada chamada resiliência e entendemos que a maior capacidade de resistir é aquela feita com o amor que nasce dentro da gente e transborda para o mundo. Como diria a monja budista Pema Chödrön em seu livro Os Lugares Que Nos Assustam – um Guia Para Despertar Nossa Coragem em Tempos Difíceis (Sextante), “só quando conhecemos as nossas trevas podemos ter consciência das trevas alheias. A compaixão se torna real quando reconhecemos nossa humanidade compartilhada”.

Voltando ao início deste texto, hoje acredito ter a resposta que me foi feita lá na infância pelo meu irmão mais novo: “se você pudesse ter um poder especial, qual seria?”. O poder de olhar para dentro com uma grande lente de aumento. Isso porque entendi que para sobreviver às turbulências inerentes ao caminho não é preciso enfrentar todos os cenários de forma resistente, numa tentativa de superá-los a qualquer custo. É preciso me olhar profundamente, entender o que estou sentindo, aceitar algumas vezes, encontrar maneiras para sair do meu maremoto interno, de vez em quando. Em determinados momentos, vou conseguir fazer isso sozinha, em outros vou precisar de ajuda. E tudo bem. Mas sempre sairei transformada da experiência, sem jamais esquecer de onde vim, em que lugar estou e qual rota quero realmente seguir. Esse é o reconhecimento de uma jornada compartilhada. Resiliência, afinal.

Nara Siqueira está estreando nas páginas da revista.Ela ainda está em busca de super poderes, mas já considera a resiliência uma conquista.

 

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