Como equilibrar o que o futuro promete com o que o presente exige?
Vivemos 'sem tempo' e sob a pressão de sermos multifuncionais e produtivos. Também, vemos a cobrança de se manter em constante e intenso aprendizado para acompanhar o mercado de trabalho. Será possível essas duas realidades coexistirem sem colapsarem?
Você provavelmente já ouviu por aí que, para se manter relevante no mercado (e no mundo), é preciso aprender o tempo todo. O conceito de life long learning — ou aprendizado ao longo da vida — vem sendo apontado como chave para o futuro, para a empregabilidade e até para a saúde do cérebro. O problema é que o futuro cobra velocidade, mas a vida cobra boletos, louça lavada, descanso, filhos e prazos.
É como se a gente ficasse preso no dilema entre “aprender o conceito de Big Data ou arrumar a pilha de roupas que está na cadeira do quarto”. O que vale mais: uma nova habilidade ou a capacidade de viver o agora sem se sentir insuficiente? É possível aliar as duas coisas? E será que nosso cérebro dá conta de tanto estímulo, novidade e exigência?
Aprender sempre pode ser uma coisa boa — desde que a gente também aprenda a descansar, a dizer “não sei”, a respeitar o próprio ritmo. O desafio não é só se preparar para o amanhã, mas atravessar o hoje com plenitude. Talvez a pergunta não seja “o que mais eu preciso aprender?”, e sim “do que eu realmente preciso agora?”. Esse “talvez” aí é genuíno.
A ilusão de estar sempre atrasado
“O tempo ficou mais curto”, ouvimos com frequência. Mas será que foi o tempo que encolheu ou fomos nós que começamos a querer demais?
Para Alfredo Castro, professor da FIA Business School, essa sensação de urgência permanente tem relação direta com a forma como lidamos com o conhecimento hoje. “Vivemos um momento em que precisamos aprender o tempo todo, e isso pode parecer angustiante. Mas o aprendizado, na verdade, sempre foi uma necessidade. A diferença é que, agora, queremos acelerar esse processo, como se fosse possível aprender tudo de uma vez.”
Essa ansiedade por atualização constante gera um ruído interno que bloqueia o verdadeiro aprendizado. “A aceleração é real, mas a percepção de colapso é, em parte, uma construção emocional — amplificada por redes sociais, algoritmos e discursos de escassez de tempo”, afirma.
“De nada adianta adquirir novos conhecimentos sem nos preocuparmos em esquecer os antigos. O maior desafio é saber o que aprender, quando aprender e por quê”, complementa Edson Carli, CEO da Academia Brasileira de Inteligência Comportamental. “O mundo não nos exige saber tudo. Somos nós que criamos essa expectativa.”
Como o cérebro influencia na hora de aprender?
Nosso cérebro é plástico, adaptável — e essa elasticidade é justamente o que nos permite aprender ao longo da vida. Mas até essa flexibilidade tem limites: ela depende de pausas, sono adequado, motivação e propósito. Aprender cansa. E cansa ainda mais quando a motivação vem do medo de ficar para trás, e não de um desejo genuíno de crescer.
“Criamos um ideal de que precisamos estar em constante movimento, que se não estivermos atualizados o tempo todo, seremos excluídos. Mas isso é exaustivo. Há um limite entre querer aprender por desejo e querer aprender por medo de ficar para trás”, pontua Alfredo.
A ideia do aprendizado ao longo da vida não deveria ser uma corrida para alcançar o amanhã, mas uma disciplina para sustentar o presente em constante transformação.
“O futuro que tentamos identificar é, em boa parte, uma construção mental, uma atitude. Tentamos projetar cenários baseados em tendências, dados, intuições… mas o futuro em si é volátil, ambíguo, até caótico”, afirma Castro. “Os mais inovadores estrategistas não acreditam em prever o futuro. O que podemos — e devemos — fazer é nos preparar para responder, mais do que prever.”
Ninguém precisa ser bom em tudo
Diante de tantas exigências, é comum acreditar que precisamos ser multicompetentes, capazes de tudo o tempo todo. Mas isso é real ou apenas mais uma ilusão de produtividade?
Segundo o docente, “essa ideia de que precisamos saber tudo o tempo todo é um novo tipo de opressão. Ela ignora nossos ciclos, nossa necessidade de descanso e até a complexidade dos próprios aprendizados”. “Nenhum de nós será competente em tudo — e nem deveria tentar. A exigência de sermos ‘multicompetentes’ é muitas vezes usada como desculpa para a falta de clareza sobre o que realmente importa. O maior risco não é não aprender tudo, mas aprender superficialmente”.
Essa pressão por desempenho constante também tem raízes mais profundas, ligadas à forma como lidamos com a insegurança e a busca por validação. “O maior medo do ser humano é ser considerado incapaz de algo. Daí vem a tentativa de acumular saberes e títulos, como se isso resolvesse a nossa insegurança interna, mas quem faz boas perguntas é muito mais interessante do que quem tenta ter todas as respostas”, completa Edson.
Como eu me preparo para aprender algo sem ficar ansioso?
Se o mundo está em constante mudança, como acompanhar tudo sem sucumbir ao cansaço ou à cobrança? A resposta, segundo Castro, não está em correr mais, mas em desacelerar com intenção.
“O sucesso nesse cenário dependerá da capacidade de adaptação e da disposição para adquirir novos conhecimentos ao longo da vida. Mas, acima de tudo, da sabedoria de reconhecer o que é essencial agora”. “Devemos investir no que chamo de alicerces silenciosos: pensamento crítico, ética, escuta ativa, colaboração, empatia.”
Para Edson, é preciso entender que o termo pode ser substituído por ‘aprendizado suficiente’. “Pare, reflita sobre seu propósito e, a partir dele, defina o que é essencial aprender. O resto é só ruído de fundo”. Além disso, outras práticas de como lidar com tudo isso e manter a calma:
- Defina seu propósito atual: antes de sair acumulando cursos ou informações, pergunte-se: ‘qual meu objetivo neste momento da vida?’. Isso ajuda a direcionar o aprendizado e filtrar o que é essencial;
- Estabeleça um ritmo saudável: aprender não precisa ser uma maratona. Organize uma rotina leve e realista para adquirir novos conhecimentos, com tempo para descanso;
- Crie pausas conscientes: o cérebro precisa de tempo para processar. Inclua momentos de ócio, silêncio e desconexão digital no seu dia;
- Troque comparação por curiosidade: em vez de se comparar com o que os outros estão aprendendo, exercite a curiosidade genuína sobre o que desperta seu interesse e faz sentido para você.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login