Jogos de azar não são nenhuma novidade no Brasil e no mundo. Mas recentemente as apostas online – as famosas bets – entraram de vez no cotidiano das famílias brasileiras. No entanto, uma simples tentativa aparentemente inofensiva de ganhar um dinheirinho extra pode se tornar vício e, consequentemente, afetar a saúde mental e financeira.
O último levantamento do Ministério da Fazenda, de outubro de 2024, apontou que existem 100 empresas autorizadas a operar 219 casas de apostas online no país. Pesquisa do Instituto DataSenado divulgada no mesmo mês mostrou que 22,13 milhões de brasileiros apostaram em alguma dessas bets em setembro de 2024. Ou seja, as apostas online tomaram uma grande proporção no país.
Nesta terça-feira (13/05), a influenciadora Virginia Fonseca prestou depoimento na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Bets no Senado Federal. A comissão foi instalada para investigar supostas irregularidades no setor de apostas e o uso de influenciadores digitais na divulgação de bets e jogos online, como o famoso “tigrinho”.
Os sinais de que passou dos limites
O vício em bets nem sempre é percebido de forma rápida e clara. No início, a pessoa joga “só por diversão”, mas aos poucos perde o controle.
Neurologista do Hospital Japonês Santa Cruz, Flávio Sekeff Sallem afirma que um dos sinais de que a situação passou do limite é o ato de apostar cada vez mais dinheiro na tentativa de recuperar perdas. O famoso “vai que agora eu recupero tudo”.
“Além disso, a pessoa pode ficar ansiosa ou irritada quando não aposta e pode começar a mentir para amigos ou familiares sobre o quanto gasta. Também há casos em que a pessoa negligencia compromissos, trabalho e estudos. Outro sinal de alerta é tentar parar e não conseguir.”
De acordo com Sallem, o vício ocorre porque o sistema de recompensa do cérebro é ativado a cada vitória – mesmo que pequena. “A dopamina, o ‘neurotransmissor do prazer’, nos faz querer repetir aquela sensação. E o problema é que a próxima vitória pode nunca chegar, mas o cérebro continua esperando por ela.”
A psicóloga Gabriela Lembo acrescenta que não é na primeira aposta que a pessoa apresenta um padrão intenso e perigoso. No entanto, é a partir desse primeiro passo que algo é modificado no organismo.
“Isso acontece uma vez que a sensação de ganho e controle sobre o algoritmo do jogo altera a forma de se relacionar com ele. A sensação de controle e de descoberta sobre como o algoritmo do jogo funciona é falsa”, afirma a psicóloga, em relação aos jogos online do tipo “tigrinho”.
Consequências do vício em bets
O vício em apostas online traz consequências emocionais e financeiras que podem ser devastadoras. Gabriela afirma que “a vida inteira da pessoa pode se tornar um verdadeiro caos”.
“Em casos mais graves, a pessoa pode perder o emprego, a família e bens materiais conquistados a duras penas durante uma vida inteira. Em casos menos agravantes, ela pode se isolar do círculo de amigos e família e perder o interesse em outras atividades que antes gostava, o que pode limitar seu acesso a recursos básicos, como alimentos de boa qualidade, atividade física, lazer e programação em família.”
Sobre problemas de bem-estar emocional, Sallem ressalta que o vício em apostas online está associado à ansiedade, depressão, culpa e vergonha. “A autoestima vai pro chão. Além disso, as relações pessoais também se desgastam com mentiras e brigas frequentes.”
Existe um perfil mais propenso ao vício?
A partir do momento que uma pessoa entra em contato com as bets, ela já está em risco. No entanto, especialistas confirmam que há, sim, um perfil mais propenso ao vício.
“Existem pessoas que podem ter mais dificuldade de parar ou que podem cair em um padrão mais agravante. As pesquisas mapeiam homens jovens adultos de 18 a 35 anos, da classe C e D, que provavelmente buscam uma ascensão financeira ou compor a renda da família”, explica Gabriela.
Sallem acrescenta que pessoas com histórico familiar de dependência – álcool, drogas ou jogos –, com problemas financeiros ou que passam por momentos difíceis emocionalmente também tendem a ser mais vulneráveis.
Dicas de como parar (ou nem começar)
Gabriela Lembo afirma que a melhor dica é não começar. “É importante buscar outras formas de dar sentido à vida, de trazer alegria e se conectar com coisas que realmente vão nos agregar”, diz.
No entanto, caso você perceba um comportamento prejudicial em relação ao jogo, abaixo estão algumas dicas do neurologista Flávio Sekeff Sallem de como evitar ou parar:
- Estabeleça limites claros de tempo e dinheiro – e respeite-os;
- Jamais aposte com dinheiro que você não pode perder;
- Evite aplicativos com notificações constantes. Eles estimulam o impulso;
- Não aposte para fugir de problemas emocionais;
- Fale sobre isso. Conversar com amigos, familiares ou um profissional pode ajudar muito;
- Se perceber que perdeu o controle, procure ajuda especializada, como grupos e terapias específicas.
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