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Os benefícios dos remédios com maconha
Folha da maconha, uma planta que acompanha a humanidade há pelo menos mil anos (Foto: Manish Panghal)
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Quando Cláudia Marin descobriu que estava grávida, começou a sonhar como seria a criança. Como toda mãe, sonhava em vê-la brincando, sorrindo, correndo e sendo, da forma que ela imaginava, uma criança feliz. Mas a vida, às vezes, não é como a gente idealiza.

“Eu sempre digo que às vezes vivemos alguns lutos na nossa caminhada”, relata a mãe, nascida em Santa Cruz do Rio Pardo (SP). “E eu vivi o luto da idealização de um filho típico. Mas, Deus me presenteou com o maior presente que ele tinha: um filho atípico”.

Mateus, de 16 anos, convive com Síndrome de West. A condição é um tipo raro de epilepsia de difícil controle, que geralmente começa nos primeiros meses de vida. “O Mateus convulsionava muito, até 80 vezes por dia” relembra a mãe. Foram diversas as tentativas de remédios e cirurgias sem um resultado efetivo.

Até que, em 2014, Cláudia se deparou com uma matéria sobre remédios com uso do canabidiol, um dos princípios ativos da planta da maconha. “Eu jamais imaginei que isso pudesse ajudar, mas quando vi, pensei ‘é isso que eu vou atrás. Viver de preconceito não vai fazer a diferença, o que vale é salvar a vida do meu filho”, recorda a mãe.

Porte de maconha é descriminalizado

A caminhada de Cláudia para obter o medicamento para o filho foi árdua, mas é um dos caminhos que estão convergendo para a instituição de leis a respeito do porte e do uso de maconha.

Esse processo, apesar de lento, segue dando seus primeiros passos. No dia 25 de junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) votou para descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal.

Com a maioria do STF votando a favor da decisão, o ato de comprar, guardar ou transportar maconha para uso pessoal não será mais considerado crime. Isso significa que, apesar da maconha continuar sendo ilegal, quem a consome não responderá criminalmente pelo consumo.

Uma virada de chave: maconha muda a vida de Mateus

Cláudia lutou atrás do remédio para seu filho. Conseguiu entrar com uma ação judicial e o Estado fornecia, a cada dois meses, uma seringa de medicamento com canabidiol para Mateus. Nos outros meses, Cláudia precisava pagar mais de dois mil reais pelo medicamento.

Ao compartilhar sua luta, a terapeuta canábica Fernanda Peixoto viu a história da família de Cláudia na televisão e resolveu oferecer sua ajuda. A especialista produzia o óleo Full Spectrum. Esse óleo preserva os componentes do gênero de planta Cannabis para uso medicinal.

“Eu confiei nela, assim como ela confiou em mim, e nós fizemos o óleo do Mateus pela primeira vez em 2018”, lembra a mãe. Em apenas quatro dias, o maior sonho de Cláudia se realizou: Mateus parou de convulsionar.

“Eu não sabia se chorava, se ria ou se gritava. Eu consegui ver, pela primeira vez, meu filho sorrir de verdade, gargalhar, e tentar pegar objetos”, recorda Cláudia.

Cannabis: como funciona em nosso organismo

“Cannabis é o nome científico do gênero de plantas que são mais conhecidas pelo termo maconha”.

Assim explica Liberato Brum Júnior, farmacêutico e gerente de novos produtos na indústria farmacêutica Prati-Donaduzzi (PR).

“A planta possui em torno de 2 mil componentes, sendo cerca de 300 deles chamados canabinoides. São esses que podem ter efeito terapêutico em seu uso”, aponta o farmacêutico.

Esses componentes atuam em nosso corpo no sistema endocanabinoide, responsável pelo equilíbrio de outros sistemas que garantem o funcionamento do nosso organismo. O próprio corpo humano produz substâncias parecidas com as encontradas na maconha. Dessa forma, os componentes da planta podem complementar e equilibrar o sistema endocanabinoide, onde essas substâncias se encontram.

Vários tipos de doenças podem surgir por conta de uma deficiência de endocanabinoides. Sendo assim, ao repor esses componentes por meio da planta, pode existir uma melhora dessas condições.

As dificuldades da legalização da maconha no Brasil

Cannabis e maconha são a mesma planta, porém seus nomes carregam pesos diferentes. Quem afirma isso é a médica Mariane Ventura, pós-graduada em cannabis medicina pela Unyleya.

A maconha é utilizada pela humanidade há mais de dois mil anos e está nos primeiros registros de plantas medicinais utilizadas na história. “A sua proibição foi um ato racista, já que o consumo da planta sempre é associado a pessoas negras e pessoas marginalizadas”, explica a especialista.

Faz menos de 100 anos que a maconha foi proibida. Foi em 1938, pelo Decreto-Lei nº 891 do Governo Federal, que a planta passou a ser ilegal no Brasil. “Com a proibição, aumentou o estigma relacionado a fumar maconha”, aponta a especialista.

Mas, grande parte das pessoas que consomem são por motivos terapêuticos, conforme explica Mariane. “Não exatamente da melhor forma e com a melhor planta. Mas, muitas vezes, é por questão de insônia, de dores, de ansiedade. Mesmo a pessoa que fuma, ela está tendo um grau de benefício medicinal”, aponta.

Para a médica, é essencial uma legislação mais permissiva, um acesso maior à informação e uma democratização do tratamento. Com essas condições, os consumidores da cannabis podem aprender a utilizar a planta da melhor forma, reduzindo os danos e fazendo um tratamento personalizado.

O que são CBD e THC, que compõem a maconha?

A cannabis é uma planta que tem vários componentes, e os de interesse terapêutico são conhecidos como fitocanabinoides. Entre os mais de cem fitocanabinoides, Mariane cita os principais encontrados em produtos medicinais.

O canabidiol (CBD), conhecido como óleo de maconha, é utilizado principalmente para casos de dor, epilepsia, insônia e demências. Além disso, o extrato oleoso da flor da maconha pode ser um remédio para doenças autoimunes, inflamatórias e ansiedade.

Já o tetrahidrocanabinol (THC) é o componente da maconha que tem efeitos psicoativos. No uso medicinal, é feito uma dosagem para não atingir esse resultado. Mesmo assim, ele pode ser utilizado para diversas doenças, como dores crônicas. O componente também possui efeito anti-inflamatório.

“Existem muitos tipos de cannabinóides sendo utilizados, mas os principais que eu diria são esses, com essas aplicações”, aponta a médica.

Atualmente, existem remédios com cannabis permitidos no Brasil

Além da decisão do STF sobre a descriminalização de consumidores, que comentamos no começo desse texto, existe uma resolução que garante o uso medicinal da maconha. Sendo assim, hoje em dia, alguns remédios com uso de cannabis já são legalmente comercializados no Brasil.

“Com o advento da resolução RDC 327/2019, existe a autorização sanitária para a fabricação, a importação, comercialização, prescrição e fiscalização de alguns produtos da maconha para fins medicinais”, explica Liberato.

Segundo a médica Alejandra Debbo, professora no curso de medicina na Universidade Tiradentes (UNIT) e pós-graduada em cannabis medicinal, é possível encontrar farmácias que vendem algumas opções de remédios.

“A Anvisa liberou alguns medicamentos e produtos à base de cannabis. Temos associações brasileiras autorizadas para produzir esses produtos, além de medicamentos importados que a Anvisa também autoriza a importação”, elucida Alejandra.

Um sonho de uma família se tornou uma luta coletiva

“Mateus nunca mais ficou internado, nunca mais eu tive que visitá-lo numa UTI ou chorar pelo medo de perder sua vida”, conta Cláudia, após o uso do remédio de maconha para seu filho.

Mesmo depois dos remédios mudarem a vida de Cláudia e Mateus, sua luta continuou. A terapeuta Fernanda, que fez o óleo responsável por ajudar a qualidade de vida do pequeno, convidou a mãe para entrar em um movimento que ajudaria mais famílias no direito ao uso da maconha medicinal.

“Eu, sem pensar nenhum segundo sobre o que viria após essa minha fala, disse que sim, poderíamos fazer essa mudança”, recorda Cláudia. Com o conhecimento da Fernanda e do seu marido, Márcio, eles se uniram para criar a associação canábica Maria Flor, que hoje atende mais de 10 mil pacientes pelo Brasil.

Atualmente, a associação luta junto a outras instituições e o poder Público de Marília (SP). Em 2024, Cláudia representou a Maria Flor em uma audiência pública no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O STF procurou ouvir as principais instituições do país que atuam com o óleo medicinal extraído da planta maconha, para entender mais sobre a luta. Ela levou a sua história, seu conhecimento e números que mostram a eficácia dos remédios.

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