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Contato com natureza é essencial para as crianças
ILUSTRAÇÃO: TIAGO GOUVÊA • @TGOUVEA Brincar na chuva, se cobrir de lama... Estar perto da natureza é uma necessidade essencial no desenvolvimento das crianças
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Depois que vai embora, a chuva deixa um ras­tro de terra molhada e aquele cheiro tão ca­racterístico, de nome “petricor”, palavra que é quase poesia. Talvez você tenha uma lem­brança desse aroma em seus tempos de crian­ça. Pode ter ficado guardada alguma imagem de um dia de chuva que virou brincadeira e hoje se desdobra em memória afetiva. Rafa­el, 6 anos, Hermano, 3, e Aurora Flor, quase 2, nem bem cresceram e já guardam na coleção de miudezas da infância uma cena perfuma­da de petricor e emoldurada em afeto.

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O dia em que as crianças brincaram em uma poça de lama foi como uma festa de família, cheia de folia. Havia chovido e eles voltavam de uma cami­nhada ao ar livre.

Hermano foi quem primei­ro experimentou com o pé. Água fria e aquele buraco de terra melada embaixo. A mãe, a bi­óloga Lúcia Moura, não hesitou ao notar o in­teresse, e animou: “Vocês querem brincar na lama? Vão lá”!

O pai, o médico Augusto Conti, foi o primeiro a correr e saltar sobre a poça. Chutar, mexer com as mãos e fazer bolinhas com a lama foi a grande vivência daquela ma­nhã de céu nublado em Mucugê, cidadezinha da Chapada Diamantina, na Bahia.

“Deu um pouco de trabalho para lavar a roupa de­pois, mas valeu a pena. Eles lembram disso até hoje”, conta Lúcia, rindo.

Crianças e adultos também fazem parte da natureza

São momentos assim que guardam o melhor da vida. Me pego pensando em como banho de chuva é sempre uma festa também para os meus filhos.

Diferente de Lúcia, que escolheu a vida no interior, rodeada por trilhas, rios e cachoeiras, moramos em um prédio de uma cidade grande, onde o contato com a natureza passa a ser uma decisão.

Penso na sorte de ter escolhido uma escola da pedagogia Waldorf para os meus filhos, onde subir em árvore faz parte das conquistas valorizadas como etapa de desenvolvimento.

As crianças aprendem a plan­tar, festejar o vento, observar as fases da Lua. Na escola, é comum andar descalço na terra.

Coisas tão simples que deveriam fazer parte do dia a dia de todos. Por isso, falar da relação entre criança e natureza é falar da vida em si.

Cada criança que vem ao mundo, ela é a natureza se manifestando“, resume Léa Tiriba, pro­fessora da Escola de Educação da Unirio, no documentário O Começo da Vida 2: Lá Fora, lançado ano passado pela Maria Farinha Filmes.

O longa-metragem é uma ode a uma vida mais natural, da qual nunca de­veríamos ter nos afastado. É também um alerta a pais, mães, responsáveis, profes­sores e chefes do poder público para refle­tirmos: o que estamos fazendo com nossas crianças ao privá-las dessa experiência tão necessária para a manutenção da vida?

O que é Transtorno do Déficit de Natureza?

crianças na natureza Na natureza, elas imaginam, criam brincadeiras e têm tudo aquilo de que precisam para se desenvolver de forma integral

De acordo com a Agência de Proteção Am­biental dos EUA, as pessoas chegam a pas­sar 90% do tempo em espaços fechados – e olha que esse número é anterior à pande­mia.

Estamos vivendo a era do Transtorno do Déficit de Natureza, termo cunhado pelo jornalista norte-americano Richard Louv, fundador do movimento Children and Na­ture.

Os impactos disso tornam-se visíveis no aumento da obesidade infantil, do dia­betes, dos distúrbios de atenção, da depres­são e até da miopia.

Para fugir desse confinamento urbano, que piorou em 2020, a empresária Laila Ro­mano decidiu se mudar com a família para uma casa de campo.

Adotou o home office e trocou o centro nervoso de São Paulo pela quietude verde do interior. Agora os filhos José, 4 anos, Joaquim, 3, e Liz, 2, passam o dia explorando as possibilidades naturais da nova moradia.

“Sei que isso vai deixar marcas e grandes memórias na infância deles”, diz Laila. Ela comanda a Fábrica Era Uma Vez, empresa que promove o resgate do lúdico e acredita na potência das brinca­deiras na saúde emocional das crianças.

“O brincar, por si só, já é terapêutico. Por isso, quando as crianças brincam ao ar livre, usam mais a criatividade e desestressam”.

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Crianças na natureza são mais criativas

Um comportamento mais criativo é o que também percebe a educadora Ana Carol Thomé, que pesquisa a relação entre na­tureza e infância desde 2010.

Ela reforça que, nas mãos dos pequenos, “um graveto nunca é só um graveto, é espada, varinha mágica, vara de pescar, colher, é milhões de coisas”.

No Instagram do seu projeto Ser Criança É Natural (@sercriancaenatural), Ana Carol propõe uma série de ativida­des simples que podem ser feitas em casa. Como por exemplo reparar nas cores das nuvens, obser­var o percurso da Lua, descobrir folhas de tamanhos diferentes. São algumas opções para se conectar com a natureza do lado de fora, mesmo estando dentro de casa.

Melhor ainda é sair para dar uma volta no bairro e descobrir as árvores que ocupam o quarteirão. De que elas são feitas, como são seus galhos, suas folhas?

Vale fazer o percurso no tempo da criança, reparando em cada detalhe que chama atenção. Na volta, que tal coletar pedrinhas, gravetos e flores para montar um cesto de elemen­tos naturais e inspirar novas brincadeiras?

Para Lúcia, o passeio ao ar livre já é prá­tica diária com os filhos, além do contato em casa, com plantas e a criação de grilos e jabutis.

Em Mucugê, ela também montou o espaço Jardim das Crianças, para atender as famílias em busca dessa presença na na­tureza. Exercício, afinal, de fazer com que o coti­diano ganhe um novo sentido pelos olhos infantis.

“É importante que a gente consiga ter essas pequenas conexões ao longo do dia. Enxergar o quanto fazemos parte dis­so tudo, o quanto essa planta que cresce do meu lado também sou eu e o quanto de mim também é ela”, ressalta Ana Carol. Para isso, é necessário vivência.

Crianças precisam viven­ciar a natureza

Não adian­ta falar de flora, fauna, ecologia e ver tudo isso apenas em livros. Do mesmo modo, não basta ter jardins, se eles estão cercados por placas de “não to­que” e “não pise”.

A criança precisa viven­ciar a natureza, sentir-se parte dela. É essa relação, cultivada dia a dia, que fará com que, mais tarde, tenhamos pessoas mais saudáveis e compromissadas com os cuida­dos com o planeta.

Pois não basta apenas estar rodeada de verde: é preciso estabele­cer conexão genuína, com presença. Como vamos nos sentir responsáveis pela preser­vação do meio ambiente, se não nos encan­tarmos pelos bichos e pelas plantas?

Como aponta Richard Louv, autor do livro A Última Criança na Natureza (Aquariana), corremos o risco de ter, no futuro, ambien­talistas que carregam a natureza em suas maletas, mas não no coração.

Eis a grande barreira para o desenvolvimento dessa re­lação na infância: o adulto. Como explica Ana Carol, são os adultos que escolhem se o passeio será na praça ou no shopping, se a diversão será nas telas ou ao ar livre.

Lai­la concorda: “Cabe a nós, pais, valorizar­mos as coisas mais simples. Somos nós que propomos como será a infância das crianças”.

É importante que a gente consiga ter pequenas conexões com a natureza ao longo do dia. Enxergar o quanto essa planta que cresce do meu lado também sou eu e o quanto de mim também é ela

Natureza faz bem pra saúde

crianças na natureza É na relação íntima com as árvores, os animais e a terra que elas criam vínculo e podem, num futuro, preservar a natureza

Os pais costumam ser também fon­te do medo e da insegurança das crianças na hora de explorar os espaços naturais. Receosos de o filho se machucar ou adoe­cer, o cercamos de tantos cuidados que o afastamos de experiências vitais para ele.

Ana Carol lembra, como professora de es­cola pública, ter ouvido de alguns pais que os filhos não poderiam participar de certas atividades, pois adoeciam. Isso a fez ques­tionar: “Será que essas crianças estão fican­do doentes porque brincam com água ou porque não brincam com água? Porque vão ao parque descalços ou porque não vão ao parque descalços?”.

Pois, de acordo com o pediatra sanitarista Daniel Becker, cientifi­camente já se sabe que meninas e meninos criados em bolhas de assepsia ficam mais doentes depois.

No filme O Começo da Vida 2, ele afirma que as crianças afastadas da natureza estão menos preparadas para enfrentar infecções e tendem a doenças crô­nicas e autoimunes.

Além de se tornarem sintomáticas, com insônia e até rebeldia. Contudo, em um mundo mais consciente, a gente nem deveria aguardar as pesquisas confir­marem o que nossos ancestrais já sabiam intuitivamente: natureza faz bem à saúde.

“A gente não precisa do carimbo dos especia­listas, esperar Harvard provar, a gente pode sentir no corpo”, considera Ana Carol.

Nós somos natureza

Mas como sentir o nosso corpo se estamos tão desconectados do ambiente natural? Cada vez mais plugados nos aparelhos eletrôni­cos, não sobra tempo para observar o céu.

Deixamos até mesmo de perceber o efeito dos alimentos em nosso organismo e desa­prendemos a regular as nossas emoções.

Para as crianças que crescem numa re­lação mais próxima com a natureza, o de­senvolvimento é mais integral, na motri­cidade, na segurança dos movimentos, na qualidade de fala. Inegavelmente, todos os sentidos ficam mais refinados.

“Encontramos tudo o que o nosso corpo precisa para se desenvolver porque somos natureza”, resume Ana Carol. Quando nos damos conta disso, nos sentimos pertencentes, acolhidos.

“É como um abraço de mãe, um aconchego”, expres­sa Lúcia Moura. Ou como diz a pequena Julis, no documentário: “A natureza, para mim, é um lar”. Enfim, após um dia de correria e concreto, nada como voltar para casa.

Quem sabe você relembre a sua infância, quando seus pés descalços corriam soltos na terra e no verde. Quem sabe possa ofe­recer isso também a uma criança perto de você…

Repare no céu agora mesmo, perce­ba a dança das nuvens, o cheiro da terra. Vamos tomar um banho de chuva?

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LUISA SÁ LASSERRE gosta de recarregar sua energia na natureza, e incentiva os Filhos a pisar descalços na terra e a subir em árvores.


Conteúdo publicado originalmente na Edição 230 da Vida Simples

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