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Tudo sobre o sankofa, símbolo africano que conecta passado e futuro
(Foto: Bagaball/Wikimedia commons)
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Sabe aquele momento em que uma situação dá errado e alguém te diz que, olhando pelo lado bom, ao menos serviu para ensinar uma lição?

No futuro, quando você se encontrar novamente em um lugar parecido, poderá olhar para trás e saber como agir – ou não agir. Essa reflexão é algo que, desde os primórdios, fazemos.

Porém, atualmente, vivemos em uma cultura formatada para esquecer rapidamente o seu passado. “Nossa sociedade valoriza o imediatismo, sem nenhum tipo de reflexão daquilo que passou. Então, cada vez mais, as ciências humanas são necessárias para o entendimento da nossa própria condição humana”, aponta o historiador Pierre de Sousa Grangeiro.

Para Pierre, a história é essencial para estudar o passado, entender o presente e, de uma certa maneira, transformar o futuro.

O movimento de olhar para trás para refletir e aprender sobre a trajetória pode ser representado por um símbolo que surgiu no século 17: o sankofa.

Seres humanos são criadores de símbolos

É fundamental abordar dois aspectos antes de explicar o símbolo sankofa e a sua origem: o ser humano é um ser que trabalha o simbólico, é criador de símbolos. Quem aponta isso é Luciano Gomes dos Santos, professor de Ciências Sociais da Faculdade Arnaldo Janssen, de Belo Horizonte (MG).

“O ser humano, do ponto de vista antropológico, é um ser simbólico”, aponta o professor. Isso acontece, segundo Luciano, porque a capacidade de criar e compreender símbolos é fundamental para nossa cognição, socialização, expressão, adaptação cultural e construção de realidades sociais.

“Os símbolos desempenham papel central em praticamente todos os aspectos da experiência humana, desde a comunicação até a expressão criativa, da identidade à adaptação cultural, e são essenciais para nossa compreensão e organização do mundo ao nosso redor”, explica.

Sankofa e a origem dos adinkras

sankofa Tatuagens com o síimbolo sankofa (Foto: Katie Cowden/Flickr/creative commons)

Na África Ocidental, um exemplo da importância cultural dos símbolos são os adinkras. Os adinkras são um sistema de comunicação baseado em símbolos que representam uma mensagem ou provérbio. Assim explica Mayra da Cruz Honorato, professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM) e psicóloga sanitarista.

“Os adinkras pertencem à cultura dos povos da língua Akan, que em sua maioria se localizava na região que hoje reconhecemos como Gana, Burkina Faso, Togo e Costa do Marfim”, esclarece a professora.

Segundo Pierre de Cristo, historiador e antropólogo do coletivo cultural Olhar da Perifa, o sankofa é um dos mais de 80 símbolos que constituem os adinkras, criados pelo rei Nana Kofi Adinkra.

“Ele era proprietário de uma fábrica de tecidos na Costa do Marfim, e decidiu incluir vários conceitos de sabedoria em seus tecidos para a vestimenta do povo Akan”, relata o historiador.

Volte e pegue: o importante significado de sankofa

Luciano Gomes explica que sankofa é uma palavra da língua Twi ou Axante, falada pelos Akan. “A palavra é composta pelos termos san, que significa ‘retornar’, ko, que significa ‘ir’, e fa, que quer dizer ‘buscar’ ou ‘procurar’. A tradução do termo seria ‘volte e pegue”.

Dois símbolos representam a palavra: o primeiro é um pássaro mítico e o segundo, um coração estilizado, com desenho baseado no formato do pássaro mítico. “Em sua simbologia, sankofa representa a ideia de olhar para trás para aprender e buscar sabedoria nos ensinamentos do passado, enquanto avançamos para o futuro”, aponta o professor.

O pássaro representa o conceito de prestar atenção no passado para aprender e buscar sabedoria nos ensinamentos mais antigos. Ele simboliza que devemos aprender com nossas histórias e tradições para nos guiarmos em direção a um futuro melhor.

“O ovo, que costuma aparecer nas costas do pássaro, representa o potencial, a fertilidade e as oportunidades que surgem quando nos reconectamos com nossas raízes e aprendemos com o passado. Ele simboliza a ideia de renascimento, crescimento e rejuvenescimento que ocorre quando reconhecemos e valorizamos as lições do passado”, elucida Luciano.

Já o coração estilizado no símbolo sankofa representa o aspecto emocional e afetivo do retorno ao passado para aprender. Ele simboliza o cuidado com a própria história e a valorização das tradições e culturas de nossos antepassados.

“O coração também pode representar a conexão emocional que sentimos ao nos reconectarmos com nossas raízes e aprendermos com a sabedoria acumulada ao longo do tempo”, sugere o professor.

Retomar o passado garante um presente e um futuro mais justos

Luciano defende que a história é como o DNA coletivo da espécie humana. “Por meio do estudo histórico, podemos compreender a causa primeira dos problemas sociais e compreendê-los porque perpetuam até hoje em nossa sociedade”, justifica o professor.

A discriminação racial tem suas raízes em sistemas de escravidão ou colonização. Enquanto a desigualdade de gênero é resultado de normas culturais e estruturas patriarcais historicamente enraizadas, exemplifica o especialista.

Para Luciano, compreender essas origens nos ajuda a abordar os problemas de maneira mais eficaz, visando suas causas fundamentais. “Podemos aprender com os sucessos e fracassos dessas políticas e usar essas lições para informar abordagens mais eficazes no presente”, aponta.

Além disso, o professor ressalta que a história muitas vezes é contada a partir da perspectiva dos vencedores ou dominantes, deixando de fora as experiências e perspectivas das comunidades marginalizadas.

Por conta disso, é importante estudar a história de forma inclusiva, aprendendo com as narrativas de experiências de grupos que foram historicamente excluídos ou marginalizados. “Isso nos permite entender melhor como certos grupos foram afetados por problemas sociais e como essas experiências continuam a influenciar suas vidas até hoje”, ressalta Luciano.

Sankofa chega ao Brasil por meio da metalurgia

sankofa Foto: Silvana De Jesus Santos

O símbolo do sankofa pode ser encontrado de diversas formas em grades, janelas e portas de ferro das casas aqui no Brasil. “Parte de resgatar o passado é entender como esse símbolo chegou e se popularizou aqui no Brasil, mesmo que nem todos tenham consciência de seu significado”, explica a professora Mayra.

“A região da costa africana ocidental, onde se localiza hoje Gana, Burkina Faso, Togo e Costa do Marfim, dominava historicamente a metalurgia. A partir do tráfico negreiro, ao chegarem no Brasil, as pessoas escravizadas são alocadas na mineração e metalurgia para exploração da sua mão de obra”, conta a professora. Como consequência, as mãos que produzem e manuseiam os ferros das casas são mãos africanas e descendentes de diferentes nações africanas.

“Pensando no significado do sankofa, é importante reconhecer esta estratégia de comunicação. Ao decorar os portões e janelas com o símbolo, é passada uma mensagem a todo o povo Akan de que não devem esquecer do seu passado e de sua origem”, reflete a professora.

Sankofa como um símbolo de resistência para afro-descendentes no Brasil

No Brasil, o símbolo sankofa tem sido cada vez mais reconhecido e utilizado. Principalmente dentro do contexto da cultura afro-brasileira e da luta por equidade racial.

“Embora o sankofa tenha suas raízes na África Ocidental, sua mensagem de olhar para trás para aprender com o passado tem ressonância em diversas comunidades afrodescendentes ao redor do mundo, incluindo no Brasil”, aponta Luciano.

Conforme o professor, o sankofa no Brasil é muitas vezes utilizado como um símbolo de orgulho e afirmação da identidade africana e afrodescendente. “Em um país com uma rica história de cultura africana e uma população significativa de ascendência africana, o sankofa pode ser visto como uma maneira de celebrar e reconhecer essa herança cultural. Promovendo, assim, um maior entendimento e valorização das contribuições das pessoas afro-brasileiras para a sociedade”, justifica.

Relembrar o passado é buscar sua própria identidade

O passado de uma sociedade molda sua identidade coletiva. “Ao compreender de onde viemos, quem éramos e como chegamos onde estamos, podemos ter uma compreensão mais profunda de nossa identidade como comunidade, nação ou cultura”, aponta Luciano. E, dessa forma, fortalecer os laços sociais e culturais entre os membros da sociedade.

Para o professor, o resgate do passado ajuda a preservar a memória coletiva de uma sociedade. Isso significa reconhecer e honrar as contribuições de gerações anteriores, mantendo viva sua história, cultura e tradições. Como consequência, uma sociedade que negligencia seu passado e seus ancestrais, arrisca perder parte de sua identidade e sabedoria acumulada ao longo do tempo.

Neste sentido, o sankofa não é apenas sobre retornar para reconhecer os erros, mas também os acertos. Quem aponta isso é Mayra. “Sankofa, para os descendentes do povo africano, é sobre quais estratégias foram usadas para sobreviver ao que passou e como isso se apresenta nas nossas estruturas sociais até os dias de hoje”.

“Acredito que resgatar o passado, tendo em mente a população negra brasileira, é importante para reconhecer que existem várias histórias, povos, culturas e saberes anteriores à colonização e à escravização. É o exercício do retorno a algo que o tráfico atlântico retirou”, finaliza a professora.

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