Síndrome de Rebecca: o que fazer com o ciúme do passado?
Histórias passadas podem gerar uma insegurança em níveis que afetam a relação. Aprenda a identificar os sinais, entender as causas e lidar com esse sentimento sem se martirizar

“E se a pessoa ainda estiver pensando no ex?” Quem nunca sentiu uma pontada de incômodo ao ouvir histórias do passado amoroso do parceiro? Em alguns casos, esse sentimento ultrapassa o desconforto comum e se transforma em um sofrimento real, persistente e até destrutivo. A Síndrome de Rebecca dá nome a um tipo específico de ciúme: aquele que se volta não ao presente da relação, mas ao que já passou, à ex, ao que existiu antes de você, às memórias que não são suas.
O termo tem origem no romance “Rebecca”, nome de um filme do cineasta Alfred Hitchcock, que por sua vez foi inspirado no romance da escritora Daphne du Maurier. Narrando a vida de uma mulher atormentada pela lembrança da falecida esposa de seu marido, o conceito se popularizou para descrever o impacto psicológico de viver à sombra de um passado amoroso alheio.
Mas situações assim não acontecem apenas nas obras de ficção. Para a psicanalista Tássia Borges, esse tipo de ciúmes pode gerar um intenso sofrimento emocional, comprometendo a autoestima e a qualidade da relação. “Nessa dinâmica, o indivíduo se sente ameaçado ou desconfortável com relações que já se encerraram, mesmo que elas não apresentem qualquer interferência no relacionamento atual.”
Como identificar quando o ciúme vira obsessão
A pessoa não está mais na vida do seu parceiro, mas parece estar na sua. A Síndrome de Rebecca, também chamada de ciúmes retroativo, se manifesta quando o passado amoroso do outro se torna uma presença constante, alimentando comparações, inseguranças e pensamentos obsessivos. Porém, Tássia afirma que isso não se dá apenas no âmbito do relacionamento amoroso, apesar de ser o mais comum.
“Vejo isso acontecer em outros relacionamentos também, em relação a colegas de trabalho, chefes, amigos ou ex-amigos. Daí se inicia um processo de obsessão e fixação que leva a pessoa que sente o ciúme a considerar essas figuras do passado verdadeiras inimigas. Sofrem por uma concorrência que não existe e que é completamente fantasiosa, como se fosse uma assombração”, relata.
De acordo com a psicanalista, os sintomas mais comuns da síndrome incluem:
- Pensamentos obsessivos sobre o passado amoroso do parceiro(a);
- Busca constante por informações sobre a pessoa em redes sociais, fotos antigas, lembranças;
- Comparações frequentes, mesmo que veladas, entre si e o outro;
- Sensação de ameaça constante, como se nunca fosse suficiente ou bom o bastante;
- Desvalorização de si mesmo e idealização da outra pessoa;
- Dificuldade em se vincular ao presente da relação, pois o passado do outro ocupa um lugar central.
Por que o passado incomoda tanto?
As causas podem variar, mas geralmente envolvem perfis com pensamento ruminante e tendências fantasiosas. Pessoas com histórico de baixa autoestima ou experiências de rejeição anteriores também são mais vulneráveis. “É como se a ex ou o ex nunca saíssem de cena. Mesmo que a relação atual seja boa, a presença invisível do passado interfere e domina o espaço emocional”, explica Tássia.
“Existe aquele famoso ditado ‘o que os olhos não veem, o coração não sente’, mas na síndrome de Rebecca, o que não se viu é o que mais machuca. A imaginação preenche as lacunas com angústia.”
Além disso, há uma diferença marcante de como homens e mulheres costumam lidar com esse tipo de ciúme. “No contexto social em que vivemos, mulheres tendem a responsabilizar a ex, enquanto homens geralmente culpam a parceira atual por manter alguma conexão com o passado. Isso reflete também um olhar machista sobre posse e pertencimento nos relacionamentos”, comenta.
Assumir o problema é raro e, quando acontece, costuma vir acompanhado de sofrimento, não de maturidade. Em muitos casos, a dor é projetada: o parceiro vira suspeito, e a ex vira inimiga. “É mais fácil culpar o outro do que lidar com a própria insegurança. Mas isso só adia o enfrentamento real do problema.”
Como saber lidar com a Síndrome de Rebecca?
O primeiro passo é reconhecer o que se sente. Isso nem sempre é fácil e, muitas vezes, só acontece quando o parceiro ou alguém próximo aponta que o ciúme saiu do controle. A psicanalista também reforça algumas práticas que podem ajudar a entender e amenizar esse sentimento.
- Dissocie pensamentos da realidade: perceber que os pensamentos de ciúme são apenas pensamentos e que eles não necessariamente refletem a realidade;
- Fortaleça a autoestima: trabalhar na construção de uma autoimagem positiva pode diminuir a tendência de comparações com ex-parceiros;
- Comunique-se abertamente com seu parceiro: expressar suas inseguranças e ter um diálogo verdadeiro para falar sobre seus sentimentos sem acusações constrói uma confiança mútua;
- Busque apoio profissional: a terapia, seja individual ou de casal, pode ser extremamente benéfica para facilitar a comunicação;
- Valorize os aspectos positivos da relação atual: aprecie as qualidades e momentos positivos que você compartilha com seu parceiro no seu relacionamento atual para que os pensamentos sobre o passado fique de fora.
E para quem convive com alguém que sofre da síndrome, o desafio é manter a empatia sem ultrapassar os próprios limites. A abertura para o diálogo é essencial, assim como a firmeza para não ceder às exigências invasivas, como senhas, acessos e monitoramento da vida pessoal. “Dar total transparência pode parecer solução, mas só alimenta o ciclo de insegurança. É preciso amor, paciência e limites saudáveis”, finaliza.
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