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Por onde anda o seu olhar?
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Muitas vezes, o exercício de perceber o mundo com mais cuidado pode nos levar por um caminho de leveza e simplicidade

Sempre fui fascinada pela rua, desde muito pequena. O cheiro, o movimento, as diferenças, as cores me atraem o olhar e fazem com que eu caminhe com mais leveza. Por isso, sempre que posso, deixo o transporte público e faço meus trajetos a pé, sem nenhuma pressa. Nessas andanças, descubro pequenezas que aliviam qualquer tensão ou ansiedade. Aprendi, por exemplo, a perceber a chegada da chuva ou os primeiros sinais da mudança das estações só pela força do vento. E descobri que, embora tenham um aroma parecido, dama-da-noite e quaresmeira são flores completamente diferentes.

Parece pouco, eu sei. Mas a soma desses pequenos prazeres permite que eu me apaixone todos os dias pela vida, principalmente quando me deparo com alguma dificuldade ou algum descontentamento. Entender que nossa forma de olhar pode modificar como vivemos é um jeito de prestar mais atenção aos detalhes pequenos que estão ao nosso redor, alterando nossa rotina, sem precisarmos sair completamente dela. Em seu poema A Arte de Ser Feliz, Cecília Meireles nos lembra desse exercício de observar as pequenezas. Linha por linha, ela descreve a vista de sua janela, com jardim, jasmineiro em flor, às vezes nuvens espessas ou crianças indo para a escola. E como essas miudezas, que estão também diante das nossas janelas, constroem suas felicidades certas de forma extremamente simples. Mas declara a poeta: “É preciso aprender a olhar para poder vê-las assim”.

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Pensamentos são energias

“Quando mudamos o olhar, com compreensão, nós conseguimos perceber os sinais e vivenciar a felicidade em nossa vida”, observa a terapeuta holística Katia Castro. Há mais de dez anos, Katia trabalha com reiki, uma prática de troca de energia por meio das mãos que busca reestabelecer o equilíbrio espiritual, emocional e físico. Nesse tempo, ela percebeu a própria necessidade de se comunicar e entender mais o outro, dentro da igualdade que somos.

Segundo ela, nossos pensamentos são energias que vêm das nossas emoções e, quanto mais nos envolvemos em preocupações, medos, culpas e autocobranças, mais nos distanciamos daquilo que é realmente importante. “Entrando no automatismo, deixando-nos engolir por essa busca de querer, de sempre realizar coisas grandes e extraordinárias, a gente esquece de sentir a vida na sua simplicidade cotidiana”, exemplifica ela. E esse esquecimento pode se manifestar de outras formas. Muitas vezes, ele também chega disfarçado em uma briga sem sentido, em uma irritação ao derramar o café pela manhã ou em um atraso pelo despertador que não tocou na hora certa. Assim, vamos transformando nossa rotina em um círculo vicioso, dominado pelo mau humor, pelo cansaço e pelo desânimo. Quando nos damos conta, estamos tomados por uma visão torta e angustiante, que nos impede de reconhecer quem realmente somos.

Reaprendendo a ver em cada olhar

Para o escritor e psicanalista Carlos de Brito e Mello, uma das coisas que mantêm o mundo em atividade, nesse sentido da percepção e do olhar, é a possibilidade de reinaugurá-lo a cada experiência. “É claro que ele não é inaugurado 100%. A gente não tem essa possibilidade de zerar a vida. Mas podemos fazer alguma coisa do que já foi feito, desconstruir, reconstruir, jogar no chão, fazer de novo”, observa.

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E essa possibilidade está ligada ao quanto nos abrimos e nos colocamos à disposição para viver essa ou aquela experiência. Nós podemos até saber de cor onde vai dar o caminho que fazemos, e ele pode ser igual todos os dias, mas, quando nos colocamos à disposição de vivê-lo como se fosse algo inédito, a mágica acontece e os pequenos prazeres fazem realmente sentido. “Embora você já tenha experimentado muitas coisas relacionadas à sua experiência, é importante não abrir mão de estar presente quando ela acontece”, completa Mello. Ele diz que, mesmo que a memória exerça seu papel de nos vincular ao passado e o desejo nos aponte para o futuro, precisamos ter a consciência de que tudo está enraizado no presente.

Quando entendemos isso, deixamos de lamentar nossas ausências e aproveitamos o tempo para enxergar em volta com mais gratidão e menos cobranças. “Se a gente tem a capacidade de estar lá naquele momento, naquele espaço, as coisas se expandem, se ampliam, se tornam deliciosas”, avalia. Ele sugere, ainda, que abandonemos o desnecessário que muitas vezes carregamos como se fosse nosso dever ou responsabilidade. “Abandonar é uma das coisas mais deliciosas que a gente pode fazer. Abandonar algumas coisas que a gente carrega e que são muito pesadas. É bom quando você deixa isso para trás. Você segue mais leve”, lembra.

Fazendo as pazes com a rotina

Mas, para que toda essa forma de olhar e perceber o mundo com leveza se manifeste, é preciso afastar a ideia da rotina como algo ruim e encará-la como um lado positivo diante do nosso aprendizado de percepção e mudança. Quando estendemos a mão para ela, compreendendo que ela também é essencial para que as coisas fluam, selamos uma espécie de contrato de paz e passamos a conviver melhor com o que nos aflige. “É legal reconhecer aquilo que é rotineiro como algo que é gostoso. Que é divertido. Que não precisa que nada muito grandioso aconteça para que seja rico e para que valha a pena”, considera Carlos de Brito e Mello.

Claro que nem tudo são flores e, em algum momento, vamos cair em tentação e desejar que nossa rotina seja extraordinária, esquecendo que ela não depende disso para ser interessante. Nessas horas, é importante que a gente tire da gaveta da lembrança a ideia de que não dá para nos separarmos do que chateia, do que frustra, do que trava. No entanto, a diferença está na forma com que lidamos com tudo isso. Para não ser engolida pelas tarefas do dia a dia, a professora Wânia de Araújo descobriu a sua fórmula mágica de lidar com a rotina.

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Experimentar o cotidiano

Mesmo dividida entre aulas em duas escolas, orientações de TCC, iniciação científica e mestrado, ela cuida de separar alguns minutinhos ao longo do dia para ficar sozinha e em silêncio, como uma espécie de filtro diante do movimento excessivo e dos sons cotidianos. “Também me esforço para não ficar ansiosa diante de um problema, fazendo literalmente o exercício de não adiantar preocupações antes de elas existirem concretamente”, explica. Wânia se dá, ainda, um dia inteiro do fim de semana para se dedicar aos seus pequenos prazeres, como tomar um drinque e sair com o namorado ou com os amigos. “Ver formas diferentes de experimentar o cotidiano me ajuda a fazer do meu dia algo menos pesado”, reflete.

A descoberta dos pequenos prazeres

Para mim, é difícil pensar nesses pequenos prazeres sem associá-los ao filme francês O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Nas cenas, Amélie, personagem principal, encontra satisfação em acontecimentos e atitudes muito simples e corriqueiros, como quebrar a calda de caramelo do crème brûlée – sobremesa típica francesa – com uma colher ou afundar os dedos em sacos cheios de sementes ou grãos. É meu filme preferido, e recorro a ele sempre que preciso recobrar a fé e a delicadeza.

O interessante desses prazeres é que eles não precisam de grandes planejamentos ou muita preparação para nos tirar sorrisos. Porque eles estão associados sempre a algo simples, como receber e retribuir um abraço, descobrir um novo hobby e aprender mais sobre ele, comer brigadeiro de colher assistindo sua série preferida, ouvir sua música favorita no meio do dia, abrir a caixa de correio e encontrar uma carta de um amigo distante. Aos poucos, essa descoberta vai remontando também aquilo que somos e nos aproximando cada vez mais dos nossos ideais, crenças e da nossa essência.

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Superar medos 

O consultor financeiro Luiz Fabiano, por exemplo, foi um pouco além no encontro de um dos seus pequenos prazeres. Motivado por desafios desde a juventude, ele descobriu na superação de seus medos e limites um caminho para driblar a rotina e deixá-la mais divertida. “Dizem que a vida começa quando você sai da sua zona de conforto. Eu concordo. Me sinto melhor. E acredito que sempre posso ir além”, diz. Toda essa paixão por aventura e adrenalina, que já o fizeram pular de bungee jump, saltar de tirolesa e praticar arvorismo, nasceu de sua identificação com os conceitos de liberdade e velocidade, presentes no primeiro filme da série Velozes e Furiosos.

E é ancorado neles que, agora, Luiz Fabiano se prepara para um novo desafio: a corrida Bravus Race, na qual o participante tem que passar por vários obstáculos. A modalidade é inspirada nos treinamentos militares, e leva cada participante a acreditar na superação dos próprios limites. “Exige disciplina, dedicação, não é fácil, mas sempre será possível. Melhorar 1% todos os dias é melhor do que tentar melhorar 365% no último dia do ano”, completa.

Qual o seu canto?

Essa arte de olhar e de encontrar pequenas motivações no que nos cerca está relacionada, ainda, ao nosso propósito maior. Perceber que temos objetivos mais significativos do que nascer, crescer, comer e trabalhar nos aproxima mais do nosso caminho e direciona a experiência de percepção e leveza. “O grande propósito da vida é nos conhecermos, nos aceitarmos e aprendermos a nos amar para também aprendermos a amar o outro”, explica Katia Castro. Em seu livro Propósito – A Coragem de Ser Quem Somos, o mestre espiritual Sri Prem Baba também nos desperta para essa reflexão sobre o nosso verdadeiro objetivo. Para ele, esse propósito está dentro de nós, vinculado às nossas habilidades e, quando experimentado, temos a sensação de estar em harmonia com aquilo que nos cerca.

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Quanto mais próximos estamos do que nos faz felizes, do que nos completa, mais claro é o caminho ao encontro da simplicidade. E vice-versa. Para esse trajeto, Mello nos sugere a reflexão: “Qual o seu canto? Qual a sua música? Qual a sua bandeira? Você está levantando o quê?”. Ele acredita que essas questões podem transformar a forma de existir e nos levar a perceber algo mais interessante do que o que estamos habituados. Então que essa seja a tarefa para os próximos dias. Pensar: estamos aproveitando o caminho, seguindo por onde ele quer nos levar? O que estamos colhendo e observando nessa trajetória? Dá para ser mais leve? Esse é o meu canto? Que a gente se dê uma trégua em meio ao caos e perceba que, diante da nossa janela, o mundo pode ser aquilo que a gente quiser. É só uma questão de aprender a ver.

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Débora Gomes é jornalista e encontrou nas palavras, nas cores, na fotografia e em tomar chá quentinho alguns de seus pequenos prazeres.

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