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O efeito Terra
Sergydv | iStock The image follow me to Saturn 3D illustration. Structures are generated in 3d to the program
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Depois de observar o planeta do espaço, astronautas voltam para casa diferentes. Nos enxergar de uma maneira tão frágil, na imensidão do Universo, dá um novo sentido para as nossas relações em terra

“Quando me encontrava preso, na cela de uma cadeia/Foi que vi pela primeira vez, as tais fotografias/ Em que apareces inteira, porém lá não estavas nua/E sim coberta de nuvens/ Terra, Terra…”. A Terra que Caetano Veloso cantou é a mesma que, em 1968, assombrou integrantes da Apollo 8, os primeiros homens a circundar a Lua.

Nessa missão, o astronauta Frank Bormans apontou sua câmera para cá e a imagem, conhecida por “Terra nascente”, teve um efeito revelador: fomos à Lua, mas descobrimos a Terra. O contraste entre o cinza, desolador e inabitável do satélite, e o azul e o branco vívidos de nosso planeta, marcou uma geração. A foto revelou nossa beleza, e expos também a fragilidade de um lugar que sempre nos pareceu imenso mas que, quando visto de uma boa distância, não passa de um diminuto oásis de vida solto na imensidão.

Anos depois, o escritor e filósofo americano Frank White, que vira as mesmas imagens de Bormans, cunhou um termo que ele acredita ser muito importante nos dias de hoje: overview effect (efeito Terra). Após conversar com os astronautas de várias missões, White concluiu que, ao visualizar a Terra de uma perspectiva panorâmica, uma mudança cognitiva – e definitiva – ocorre no observador.

De um ponto de vista espacial, presencia-se uma série de díades (pares) que são ao mesmo tempo sim/não, micro/macro, porque, de longe, as fronteiras e barreiras não podem ser vistas. Vê-se um globo uniforme, mas, ao mesmo tempo, há o conhecimento de que ele é cheio de divisões e heterogeneidades. O efeito Terra dilui os maniqueísmos e a divisão da realidade em polos opostos, como sim/não ou bem/mau.

A importância disso está em compreender que um mesmo objeto, seja um átomo, pessoa ou nosso planeta, pode ser visto como unidade e diversidade ao mesmo tempo – tudo depende da perspectiva escolhida. E, apesar de já sabermos disso intelectualmente, a grande transformação está em vivenciar essa simultaneidade.

Nas nove missões que se seguiram à Apollo 8, muitas fotos da Terra foram tiradas. E apenas 24 astronautas estiveram suficientemente distantes – pouco mais de 40 mil quilômetros – para vê-la por inteiro.

Entre os cosmonautas, há um passatempo semelhante: observar a Terra. “Tínhamos seis horas de descanso, a cada 24 horas, na Estação Espacial Internacional, para dormir. Mas sempre utilizava esse tempo para apreciar nosso planeta”, diz Marcos Pontes, o primeiro astronauta brasileiro. “Tirei mais de duas mil fotos nos seis dias em que passei na Estação”, completa.

Outra foto que rodou o mundo, tirada por Carl Sagan em 1996 e feita a 3,7 bilhões de quilômetros de distância, mostrava um pálido ponto azul em um fundo escuro. “Nossa atitude, nossa importância concebida, nossa ilusão de estarmos em uma posição privilegiada no universo, são contestadas por esse ponto de luz”, disse Sagan ao revelar a imagem.

Para ele, somos uma partícula solitária em uma imensidão negra. “Nessa imensurável negritude, nessa sombra infinita, não há qualquer gesto de ajuda de que algo virá nos salvar de nós mesmos”, refletiu.

O mito de todas as pessoas

“Não há como alguém ir ao espaço e voltar o mesmo”, afirma Marcos Pontes, assim como concorda quando dizem que o efeito Terra torna as pessoas mais altruístas e engajadas em projetos ambientais e sociais. Ele acrescenta que essa mudança cognitiva “só pode ocorrer se estiver subordinada ao desenvolvimento intelectual e moral, pois, caso contrário, a importância de visualizar a Terra da perspectiva espacial se perderá por falta de conhecimento e educação”.

Assim, independentemente de sermos astronautas ou não, o efeito Terra é importante para redimensionar nosso ponto de vista. “Ao longo de nossa história, sempre fundamentamos a imagem de nós mesmos sob um olhar terreno”, escreveu o mitólogo Joseph Campbell no livro Para Viver os Mitos.

Assim como os templos budistas que são construídos no alto das montanhas, com paisagens no horizonte – experiência que estimula a expansão da visão e a diminuição do “eu” –, a imagem da Terra que flutua no espaço é um estímulo para enxergarmos além. E aprimorarmos nossa relação com o planeta.

Segundo Campbell, o brutal relacionamento que temos com o planeta se deve, em grande parte, à carência de mitos contemporâneos. Eles nos ajudam a compreender ideias conhecidas e desconhecidas e tem papel primordial na orientação da vida, indicando valores individuais e coletivos.

Campbell sugere que o próximo mito, “e o único que valerá a pena cogitar no futuro imediato”, é aquele que fala do planeta como um todo, que diminui a importância do indivíduo e amplia a do coletivo.

Percebendo a Terra na terra

Chris Hadfield, um dos astronautas mais populares dos últimos anos, com milhões de views na web, já sabia da importância da Terra como símbolo antes mesmo de se imaginar fora dela. “Todos nós que fomos ao espaço, só estamos lá por causa e para outros e, desde meus sonhos de garoto, tinha planejado divulgar ao máximo o que fazemos e tirar muitas fotos para mostrar como o mundo é incrível e que não deveríamos precisar ir ao espaço para contemplá-lo”, diz ele, que teve sua fama multiplicada por postar seu material nas redes sociais.

“Tirava muitas fotos da Terra e, instantaneamente, com poucos minutos de diferença, compartilhava”, conta. Assim, uma aurora boreal, um furacão ou uma imensa tempestade de raios, vistos do espaço, puderam ser observados por milhares de pessoas. “Além de nos ajudar a ver o planeta um pouco melhor, acho que toda essa troca de informações, diretamente da Estação Espacial Internacional, nos ajuda a vermos nós mesmo um pouco melhor”, conclui.

Apesar de tudo, o efeito Terra, como experiência que altera nossa perspectiva, fica um tanto distante dos que jamais verão esse planeta do espaço, porque mesmo com as mais avançadas tecnologias, fotos e filmes, ele perde potência como experiência. E torna-se um símbolo que não causa uma mudança imediata.

Segundo Marcos Pontes, uma “experiência equivalente em terra é extremamente subjetiva, já que não há como comparar algo tão particular e de público tão diminuto a uma população inteira.” Mas afirma pouco depois: “o fio que liga esses extremos, talvez esteja justamente no esforço e dedicação para se tornar um astronauta. Afinal, todas as dificuldades, sofrimentos e abdicações para ver a Terra do espaço, são recompensadas em um instante que altera perspectivas.”

Logo, muito do que se perde pode ser reencontrado em alguma ação que demande um grande esforço e dedicação. Assim, quando visualizamos o instante do sucesso, toda experiência toma um novo significado. “Fomos à Lua como técnicos, voltamos como humanistas”, disse Edgar Mitchell ao retornar da missão Apollo 14, em 1971.

Assim, na política exploratória da Lua e do espaço, astronautas de inúmeras missões tiveram que deixar a Terra e viajar milhões de quilômetros, apenas para descobri-la como o mais belo e importante objeto a ser compreendido e preservado.

O efeito Terra, inevitavelmente, se perde na distância entre nós e o pálido ponto azul. Mas as lições e experiências se perpetuam através das poucas pessoas que têm o privilégio de vê-la por completo. E que trazem consigo muitas descobertas capazes de ressignificar, também, a nossa relação com o planeta.

Marcos Lembo Grellet acredita que não precisamos ser astronautas para enxergar a Terra.

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