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Mães e filhos também erram: a elasticidade da culpa na maternidade
(Foto: Freepik) Elasticidade da culpa permite que a mãe reconheça falhas sem se aprisionar nelas
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Quem nunca ouviu ou falou a clássica “errar é humano”? Agora, compare com quantas vezes tratamos os erros inevitáveis da vida com calma, empatia, diálogo e elasticidade. Aquele momento que o discurso não se reflete na prática. E quando a culpa por algum deslize surge dentro da relação entre mãe e filhos, a situação é ainda mais sensível para ambos os lados.

O erro faz parte da experiência humana e de todas as relações que construímos, nutrimos ou rompemos. “Não existe vínculo perfeito, existe vínculo possível”, afirma a psicóloga Tatiane Paula Souza. Conforme a especialista, o bem-estar emocional dentro do “vínculo possível” entre mãe e filho também está na “elasticidade da culpa”.

“A elasticidade permite que a mãe reconheça falhas sem se aprisionar nelas, e que o filho também compreenda que a mãe é uma pessoa com emoções, limites e história. É o movimento de esticar o olhar. Sair da rigidez da culpa para um espaço de aprendizado mútuo”, diz.

A idealização da maternidade

Vivemos em uma sociedade que frequentemente romantiza a maternidade e, ao mesmo tempo, impõe às mulheres padrões rígidos de desempenho. A falta da elasticidade da culpa em uma relação entre mãe e filhos vem, geralmente, da idealização da figura da mãe: aquela que não se irrita, que está sempre disponível, que resolve tudo com amor, presença e paciência.

“Essa imagem é inalcançável e, o mais cruel: é solitária. Ser mãe não é ser perfeita, é ser humana. A mãe real precisa ser validada, acolhida e lembrada de que amar um filho não é sobre perfeição, e sim sobre constância e reparação. Falar sobre maternidade é também abrir espaço para conversarmos sobre os pesos invisíveis que tantas mulheres carregam. Entre eles, a culpa”, diz Tatiane.

A falta de compreensão e elasticidade cria um estado de alerta constante na mãe. Além disso, desenvolve uma exaustão emocional silenciosa. “Quando errar não é permitido, a mulher se vê sempre devendo e isso leva à sobrecarga, sensação de insuficiência, ansiedade e, muitas vezes, quadros de burnout materno. A ideia de que ‘mãe não pode errar’ é desumana e afasta as mulheres do autocuidado, da leveza e da autenticidade na relação com os filhos.”

Por exemplo: uma mãe que, na correria da rotina – muitas vezes marcada por dupla ou tripla jornada –, deixa o filho com um celular ou tablet para realizar tarefas domésticas ou, então, enquanto tira apenas um tempo para cuidar de si. Levar em consideração a elasticidade da culpa no “erro” de expor a criança às telas é fundamental para que a idealização e a romantização da maternidade não prejudiquem o próprio bem-estar emocional.

Elasticidade da culpa: o lado dos filhos

Esse conflito interno também interfere na criação do filho. A falta de elasticidade causada pela idealização da maternidade pode fazer com que a mãe desenvolva uma superproteção que, inevitavelmente, afeta de forma negativa o desenvolvimento da criança.

Se a mãe erra, o filho também é passível de erro. Tentar criar uma “pessoa perfeita” causa danos à relação e, consequentemente, atinge os dois internamente. Tatiane explica que o erro e a frustração são “ferramentas de crescimento”.

“Filhos que não enfrentam frustrações crescem com baixa tolerância ao erro, dificuldade de resiliência e pouca autonomia emocional. Portanto, ao tentar impedir qualquer dor, a mãe impede também o desenvolvimento da força interna da criança. A intenção é boa, mas o impacto pode ser prejudicial. Ensinar que a vida inclui limites, esperas e ‘nãos’ é um presente ainda que, às vezes, doa”, ressalta.

Para além da profissão

Como psicóloga clínica com abordagem em terapia cognitivo-comportamental, Tatiane observa diariamente o quanto mães se cobram por não serem “perfeitas”. “Como se a falha natural do ser humano invalidasse todo o cuidado, o afeto e a presença que oferecem”, diz.

Por outro lado, ela também tem uma vida que vai muito além da profissão como psicóloga: é mãe do Pedro, de 13 anos. Em entrevista à Vida Simples, ela trouxe relatos da própria relação com o filho para falar sobre o tema.

A psicóloga Tatiane e seu filho, Pedro, sentados um ao lado do outro mexendo juntos em um celular (Foto: Arquivo Pessoal/Tatiane Paula de Souza) Especialista traz exemplos da própria convivência com o filho

Neste mês de maio, em que é comemorado o Dia das Mães, Pedro completa 14 anos. Ao pensar na trajetória de maternidade e criação do filho, Tatiane cita o quanto conseguiu construir um vínculo forte e verdadeiro. “Desde que o Pedro era bem pequeno, eu sempre fiz questão de olhar nos olhinhos dele para mostrar que estava ali, inteira”, relata.

“Em todos os momentos de divergência e em situações difíceis, sempre procurei admitir que adultos também erram. E isso, pra ele, foi um alívio. Foi importante para ele saber que a mãe é humana e também se atrapalha às vezes, mas que está disposta a conversar e encontrar juntos um caminho mais confortável. Isso fez toda a diferença”, complementa.

Para ela, a troca sincera e afetiva entre os dois é fundamental para ambos. “Acredito que a construção de um espaço de fala bom o suficiente onde ele possa se sentir ouvido, acolhido e respeitado é o que nos mantém próximos. Nunca me coloquei numa posição superior por ser mãe. Me coloco como alguém que ama, que cuida e que está ali, também aprendendo com ele todos os dias.

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