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Físico e astrônomo Marcelo Gleiser fala sobre vida, ciência e espiritualidade
ELI BURAKIAN/D ARTMOUTH COLLEGE (FOTO: ELI BURAKIAN/D ARTMOUTH COLLEGE)
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Há quem acredite que ciência e espiritualidade caminham – irre­mediavelmente – separadas. Mas, para o físico e astrônomo Marcelo Gleiser, ambas procuram respon­der a questões de mesma origem. Quem somos? Por que estamos aqui? E o que viemos fazer?

As re­flexões e contribuições de Gleiser sobre esse dueto entre a ciência e a espiritualidade fizeram dele, em 2019, o primeiro latino-ame­ricano a ser contemplado com o prêmio Templeton, considerado o “Nobel da Espiritualidade” e re­cebido por líderes religiosos de peso, como Dalai Lama e Madre Teresa de Calcutá.

Por aqui, o físico defende a am­pliação do diálogo entre a comuni­dade científica e a sociedade como um todo. Não há distância possí­vel. Para Gleiser, “quanto mais os cientistas deixam de dialogar com o público, mais o negacionismo e a ignorância científica crescerão”.

Esse desejo de permitir que cada vez mais pessoas tenham acesso a informações de qualidade foi transformado no seu livro Dos Elé­trons ao Amor, que pode ser bai­xado gratuitamente aqui. A coletânea reúne alguns ensaios de Gleiser sobre temas diversos – incluindo questões relacionadas à fé, ao meio ambiente, à ciência e até à vida alienígena.

A intenção do projeto é viabilizar a democra­tização do conhecimento. Gleiser, que há mais de 30 anos dá aulas na conceituada Universidade de Dartmouth, nos Estados Unidos, é um dos convidados das confe­rências Fronteiras do Pensamento – que ocorre anualmente, tanto de forma online quanto presencial.

À Vida Simples, Mar­celo fala de tecnologia, astrologia, religião e espiritualidade, temas tão preciosos e sempre atuais.

Como o prêmio considerado o Nobel da espiritualidade cru­zou seu caminho?

Sempre vi a espiritualidade como um aspecto essencial do ser hu­mano. A pesquisa científica, se vista de uma forma mais filosó­fica e menos prática, atende aos anseios mais profundos em que tanto a filosofia quanto a religião tocam: quem somos, por que esta­mos aqui, como surgiu o Universo e a vida, o que é a mente…

Esses questionamentos têm uma dimen­são espiritual profunda, ao menos para mim. Desse modo, fica difícil separar a ciência da espiri­tualidade, mesmo que não exista uma relação com a religião orga­nizada, ao menos as mais dogmáticas anticiência, que pararam na Idade Média.

Você se considera ateu? Tem alguma religião?

Me considero agnóstico, porque para mim o ateísmo é uma forma de crença: o crer no não crer. Sem termos qualquer evidência a favor ou contra a existência de entidades sobrenaturais, não vejo como fazer pronunciamentos que negam ca­tegoricamente essa possibilidade.

Portanto, vejo como mais consis­tente com a posição científica acei­tar que pouco sabemos e que deve­mos ter a humildade de entender esse limite como inspiração, e não como negação da ciência. Nada pos­so dizer sobre a existência de Deus. Aliás, “existência” talvez já seja a palavra errada aqui. Uma entidade sobrenatural não existe da maneira que formas materiais existem.

Entrevista com Marcelo Gleiser Para inspirar pessoas a abraçar a busca pelo conhecimento, Marcelo disponibilizou, gratuitamente e online, seu livro Dos Elétrons ao Amor.

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Você acredita que a ciência está em meio a um processo de desvalorização no Brasil?

Essa desvalorização é política e não fundamental. Governos vêm e vão; a ciência, sua força, permane­cerá. O Brasil, apesar de tudo, tem excelentes cientistas. O triste é que vários jovens estão pagando o pre­ço por esse atraso ideológico ab­surdo que estamos passando, que compromete décadas de avanços científicos no Brasil.

Nós também poderíamos estar lançando sondas a Marte ou Júpiter, desenhando carros elétricos. Mas não estamos. Compramos essas tecnologias de ponta e vendemos soja e carne. Nada de errado nisso, mas ser ape­nas uma potência de extrativismo não é um futuro estável ou viável para este país.

Qual o valor do diálogo entre ciência e religião?

Enorme. Quanto mais cientistas deixam de dialogar com o públi­co, mais o negacionismo e a igno­rância científica crescem. É uma vergonha que, em pleno século 21, quando vemos imagens espetacu­lares tiradas por um telescópio es­pacial como o James Webb, adultos possam ter a audácia de afirmar que a Terra é plana e outras boba­gens do gênero.

“Nosso maior problema é a mudança climática. Existem muitos outros, mas esse afeta a todos nós. Portanto, é aqui que a ciência tem muito a contribuir”

Diante de incríveis avanços tecnológicos e científicos, podemos dizer para onde a humanidade está rumando?

Não existe um rumo determinado para o avanço do conhecimento humano. A curiosidade é a mola propulsora desse anseio que te­mos de saber mais. Existe, tam­bém todo um lado econômico, já que tecnologias geram dinheiro ao mudar vidas.

Os dois cami­nhos se cruzam, e nem sempre as consequências são boas. A gana que temos de sempre querer mais, de “progredir” e avançar, gerou um desequilíbrio profundo no planeta e várias desigualda­des e instabilidades sociais.

Es­sas consequências da tecnologia devem ser estudadas com muita atenção, e medidas drásticas devem ser tomadas rapidamente, se queremos continuar esse nos­so projeto de civilização.

Nossa visão de realidade está em constante transformação, e a ciência amplifica essa visão. a seu ver, qual é a grande solução que a ciência e a tecnologia buscam de­senvolver neste momento? ou qual seria a descoberta mais urgente?

Bem, diria que coletivamente nos­so maior problema é a mudança climática. Existem muitos outros, mas esse afeta a todos nós.

Por­tanto, é aqui que a ciência tem muito a contribuir, na criação de soluções viáveis e pouco custosas na geração e distribuição de ener­gia, na disseminação de informação por todo o planeta, na luta contra a poluição das águas, na distribuição de remédios e vaci­nas, e no controle da extinção que estamos causando a inúmeras es­pécies de animais. Devemos mu­dar nossa relação com a natureza, de predatória para protetora.

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Conteúdo publicado originalmente na Edição 247 da Vida Simples

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