COMPARTILHE
Conheça o Kwanzaa, festa da comunidade negra afrodiaspórica
O Kwanzaa surgiu na década de 1960 nos Estados Unidos, como parte do movimento de resistência do povo negro à opressão da colonização (Foto: SurFeRGiRL30/Flickr/CC)
Siga-nos no Seguir no Google News
Neste artigo:

Não é apenas Natal e Ano Novo que as pessoas costumam celebrar no fim do ano. Outra data importante, apesar de não tão conhecida, é o Kwanzaa, uma comemoração afrodiaspórica.

Durante sete dias, entre 26 de dezembro e 1º de janeiro, pessoas afro-descentes adeptas do Kwanzaa reúnem-se para relembrar suas heranças ancestrais.

Apesar de religião e cultura não estarem separadas na sociedade, o Kwanzaa é, majoritariamente, um feriado que celebra a cultura. Ela foi criada com o objetivo de valorizar a vida em comunidade e as relações entre gerações. Ao relembrar suas origens, a festa inspira o florescer de sentimentos de orgulho e de pertencimento em seus celebrantes.

Como surgiu o Kwanzaa

Foto de Carlos Machado comemorando o Kwanzaa. O historiador Carlos Machado em momento de congregação do Kwanzaa (Foto: Julio Ramos/arquivo pessoal)

A luta pelos direitos civis nos Estados Unidos motivou o surgimento do Kwanzaa. Quem explica o contexto social e político da época é o historiador Carlos Machado.

“O movimento pelos direitos civis nos EUA visava abolir a segregação étnico-racial legalizada. Ativistas denunciavam a discriminação e a privação de direitos no país, que era mais comumente empregada pela elite branca contra afro-americanos por 100 anos”, aponta.

Criado pelo ativista e cientista político Maulana Karenga, o Kwanzaa começou em 1966, após a Revolta de Watts, que ocorreu no bairro de Watts e áreas circundantes de Los Angeles, de 11 a 16 de agosto de 1965.

“Os motins foram motivados pela raiva contra as práticas racistas e abusivas do Departamento de Polícia da cidade de Los Angeles, bem como por queixas sobre discriminação no emprego, segregação residencial e pobreza urbana”, conta o historiador.

Kwanzaa é um movimento cultural

Ao criar o feriado, Maulana Karenga ressaltou que seu objetivo era “dar aos negros uma oportunidade de celebrar a si mesmos e sua história, em vez de simplesmente imitar a prática da sociedade dominante”.

“Para Karenga, uma figura do movimento Black Power das décadas de 1960 e 1970, a criação do feriado enfatiza a premissa essencial de que ‘você deve promover uma revolução cultural antes da revolução violenta’, uma vez que a revolução cultural promove identidade, propósito e direção, explica Carlos.

Segundo ele, o nome Kwanzaa deriva da frase suaíli, uma das línguas africanas mais faladas no continente-mãe: matunda ya kwanza, que significa “primeiras frutas”.

“Os festivais das primícias (primeiros frutas) existem na África do Sul e em outros países africanos e as pessoas os celebram em dezembro/janeiro, com o solstício de verão. Karenga inspirou-se por um relato que leu sobre o festival zulu Umkhosi Wokweshwama e decidiu soletrar o nome do feriado com um “a” adicional para que tivesse sete letras simbólicas”, diz o historiador.

Dessa maneira, os rituais africanos de celebração da colheita são o fundamento do Kwanzaa. Segundo Carlos, trata-se de reverência à natureza, à identidade cultural do povo africano. É uma celebração não-religiosa, mas que dá ênfase a valores espirituais como a fraternidade e a solidariedade.

Princípios do Kwanzaa

O ritual do Kwanzaa celebra sete princípios que são comuns às culturas africanas. Segundo Aza Njeri, doutora em literaturas africanas, e professora da universidade PUC, do Rio de Janeiro (RJ), os princípios são:

  • Umoja: união como família, comunidade e raça
  • Kujichagulia: autodeterminação, ou seja, responsabilidade pelo próprio futuro
  • Ujima: trabalho coletivo e responsabilidade, construindo a comunidade e resolvendo problemas em grupo
  • Ujamaa: economia cooperativa que constrói e ganha através das atividades da comunidade
  • Nia: propósito de trabalhar em grupo para construir a comunidade e expandir a cultura africana
  • Kuumba: criatividade, para usar novas ideias no sentido de criar uma comunidade mais bonita e bem-sucedida
  • Imani: fé, que na prática significa honrar os ancestrais, as tradições e os líderes africanos, e celebrar os triunfos do passado

Como o número sete está presente em vários detalhes dessa festa, sete símbolos devem estar presentes no ambiente da celebração coletiva:

Simbolos do Kwanzaa Os símbolos do Kwanzaa representam o fruto do que ensinam os princípios do feriado afrodiaspórico (Imagem: Agatha Melissa)

Kwanzaa celebra as uniões (inclusive matrimoniais)

Aza Njeri conta que cada um pode adaptar a sua realidade à celebração do Kwanzaa. No Brasil, ela conta que comemora com muita celebração comunitária.

“A gente congrega um pouquinho a cada dia. E no meu círculo, na minha comunidade, as nossas famílias se encontram e a gente faz troca de presentes, normalmente artesanais. E também celebramos com as crianças”.

O Kwanzaa de 2019, relembra, foi uma data especial para Aza. “No último ano antes da pandemia, eu e meu marido decidimos nos casar. Então a gente se pediu em casamento e começamos o nosso noivado nesse Kwaanza, que foi na casa de um grande amigo nosso. Assim é um encontro da comunidade da qual faço parte, que para mim é muito marcado pela beleza, pelo espírito de coletividade”, pontua a doutora.

Há muito a ser aprendido e absorvido dessa celebração; seus sete princípios são lições importantes a todos que celebram ou não o feriado afro-diaspórico. Afinal, elementos como união, trabalho em grupo, criatividade e fé são importantes para o crescimento e desenvolvimento de todas as pessoas e comunidades.

O feriado lembra a importância de se manter em união, e como somos mais fortes em comunidade. Por fim, a data também é um momento de lembrar da cultura e da ancestralidade negra e africana, que moldou grande parte do que o mundo, e o Brasil, são hoje.

➥ Você pode gostar de
Filosofia africana e a descolonização do pensamento
Tudo sobre o sankofa, símbolo africano que conecta passado e futuro
Atividades para crianças: aprenda três brincadeiras afro-brasileiras

0 comentários
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

Deixe seu comentário