Caminhar pelo desconhecido
Andar a pé proporciona uma vivência surpreendente e linda, independentemente da cidade onde se esteja
Andar a pé proporciona uma vivência surpreendente e linda, independentemente da cidade onde se esteja
Talvez a cidade seja Londres. Você sai do hotel e anda vagarosamente até encontrar um pub aconchegante, com cheiro forte de madeira, fumaça e gim. Em meio a engravatados e torcedores de um time com uniforme vermelho e branco, você vê uma única pessoa sozinha. Encostada no balcão, ela olha para você com olhos calmos e confiantes, como se estivesse ali apenas esperando sua chegada. Você se aproxima com dois copos de Guinness na mão. A noite termina numa praça enevoada.
Talvez a cidade seja o Rio de Janeiro. Na noite quente e úmida, você se vê no bairro da Lapa, bem embaixo de seus famosos arcos. As pessoas se olham. O contato é fácil. Sem pensar muito, você aceita um convite de um desconhecido qualquer para dançar. A chuva vem forte, a luz acaba de repente e você passa a madrugada à luz de uma vela machadiana que deixa entrever apenas o brilho dos olhos castanhos.
Talvez a cidade seja Cusco, no Peru. A rua está cheia, as pessoas falam as línguas de todos os países e riem bem alto. Você se afasta da praça de Armas em busca de um pouco de silêncio, seus passos tomam posse das ruas vazias e silenciosas, e você nota, com espanto, que por baixo dos prédios coloniais espanhóis há pedras das construções incas. Você senta no banco e parece ouvir gritos de guerra, de morte e também de conquista.
Talvez a cidade seja Milão, na Itália. Você sai do restaurante depois de um risoto diáfano e um vinho denso. Na noite gelada, em meio à névoa bastante espessa, surge a magnífica catedral. A pequena estátua da Madonina parece flutuar naquela neblina. Você se prostra ali e chora um choro que estava guardado havia anos e nem sabia que existia, tão escondido que estava.
Talvez a cidade seja a caótica São Paulo. Você desce a rua Augusta a pé, em direção ao centro, mistura-se à multidão estacionada na grande praça acinzentada. Você ouve a voz bonita da menina com violão, desvia de um skate e decide entrar num teatro com um nome sugestivo – Satyros. Você se entrega à peça sem imaginar que essa noite vai mudar sua vida para sempre.
Mauro Calliari é autor do blog Caminhadas Urbanas, gosta de caminhar pela cidade e acredita que andar é a experiência mais essencial de cidadania
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