Não procure explicação para a ausência
O tempo não cura. Ele só promove o afastamento da ausência que arde em carne viva para deixar a cicatriz do que “essa ausência tua me causou”
O tempo não cura. Ele só promove o afastamento da ausência que arde em carne viva para deixar a cicatriz do que “essa ausência tua me causou”
Sabe aquela história de que para um bom entendedor, meia palavra basta? Com a ausência funciona mais ou menos do mesmo jeito. É difícil aceitar, mas na quarta ou quinta ocorrência, quando tentativas de justificar o “não estar” vão ficando cada vez menos verossímeis, a gente percebe um caminho sem volta ali, algum parafuso mal apertado que deixou a cadeira capenga.
Só não está quem não quer estar. Principalmente no mundo conectado de hoje, no qual o outro está ao alcance de um teclado de celular. Não há nada que respalde a falta de comunicação ou o não comparecimento (nem que seja eletrônico), a não ser o desinteresse em estar presente. E, para evitar palavrões, vou me abster de comentar aqui justificativas como “a bateria acabou”.
Quem deixa espaços conta uma história inteira, com começo, meio e (isso dói) fim. Na maioria das vezes, não é exatamente a narrativa que gostaríamos de ouvir. Mas é a que vale, é onde mora a realidade que não é a perfeita. E vale mais do que a história contada para desculpar a omissão, na tentativa vã de explicar o que, por si só, já ficou mais do que explicado.
Essa ausência…
Acontece que esse esclarecimento chega tão bonito, com palavras tão doces e que se encaixam direitinho na métrica do que queremos ouvir para aquietar o coração, que optamos por não pensar muito e ligamos o piloto automático do “querer confiar”.
Depois de dez minutos de cara feia, estamos, por fim, conjeturando que a bateria pode mesmo ter acabado. E a gente se apega a essas explanações ocas como quem se agarra a uma boia no mar revolto, tentando manter a cabeça fora da água, fazendo malabarismo para acreditar que o vácuo foi um acidente de percurso e não vai se repetir.
Mas repete. Porque palavra bonita é que nem band-aid: esconde a ferida, mas não cura. O tempo também não cura. Ele só promove o afastamento da ausência que arde em carne viva para deixar a cicatriz do que *essa ausência tua me causou.
*Vinícius de Moraes, em Eu sei que vou te amar