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Realizar sonhos em Portugal
Brendan Clark
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Às vezes, você tem o sonho certo, mas no lugar errado. Meu sonho de criar minha própria empresa só começou a tomar forma quando escolhi Portugal para viver.

Um lampejo muda tudo. Lembro bem da sensação que senti quando decidimos mudar para Portugal. Foi durante um café da manhã ao ar livre, sentados no quintalzinho de casa. O tópico da conversa começou bem diferente. Naquele dia, decidimos que era hora de traçar um plano para que eu, finalmente, começasse a ir atrás do meu sonho de ter minha própria empresa.

Estávamos fazendo um brainstorm de ideias de negócio quando uma angústia falou mais alto: se eu começasse uma empresa em São Paulo, acabaria por criar ainda mais raízes na minha cidade natal. E foi quando meu marido e eu verbalizamos o que já sentíamos há algum tempo: não estávamos felizes com aquele estilo de vida pesado e estressante.

Inspiração dos outros

A visita recente de um casal de amigos australianos que ficaram hospedados em casa também ajudou a reascender o que sempre esteve dentro de nós: o gostinho por novos ares e novas aventuras. Eles compartilharam conosco seus planos em viajar pelo mundo e nos fizeram perceber o quanto estávamos distraídos de nós mesmos. Há sensações e desejos que a gente carrega desde sempre, mas nos esquecemos delas enquanto a vida acontece.

Meu marido e eu nos conhecemos no Canadá, enquanto eu fazia um intercâmbio de um ano e meio em Toronto e ele rodava o mundo morando um tempo em vários países diferentes. Sempre tivemos fascinação por saber mais sobre outros modos de vida, mas estávamos presos mais do que gostaríamos naquele hiato de tempo em São Paulo, pós Canadá, deixando sonhos estagnados sem nos dar conta disso.

Ainda bem que as pessoas ao nosso redor nos inspiram, mesmo quando nem saibam que o fizeram. Aquela manhã de agosto poderia ter sido como outra qualquer, mas às vezes um pequeno lampejo muda o curso da nossa história.

Adivinhar seu lugar no mundo

A lista de ideias de empresas foi deixada de lado e, na mesma hora, começamos a rascunhar onde gostaríamos de morar. Vagamos pelo globo mentalmente, cogitando várias possibilidades, de Nova Iorque à Austrália, país do Brendan, meu marido. Colocamos no papel todos os prós e contras até chegarmos à conclusão que ambos se animavam com a Europa.

Na nossa listinha de maiores prioridades estava encontrar um país com temperaturas mais quentes e, preferencialmente, que ambos falassem o idioma. Já não éramos mais tão jovens e isso facilitaria o processo de recomeçar do zero. Todos os países europeus de língua inglesa foram reprovados por conta do clima. Sobrou então Portugal.

Quando mudamos a posição no mapa

vista de Lisboa com Tejo ao fundo “Lisboa não vive de aparências. É autêntica, livre, pura alma”.                                                                                    Crédito: Sean | IStock

Sonhos são muito atraentes no grande plano e sonhar é um verdadeiro deleite. Mas para torná-los realidade, é preciso desdobrá-los em muitos pequenos detalhes, que costumam ser trabalhosos e penosos. É nesta etapa que muitas pessoas desistem. Foram muitos meses para nos organizarmos até desembarcarmos em Lisboa. E chegar no novo país é só o ponto de partida. A partir dali, abre-se um portal para um mundo novo, cheio de descobertas e também muitos perrengues.

Desde o primeiro dia eu pensava no meu outro sonho pendente, aquele cuja conversa inicial originou todo esse movimento: abrir minha própria empresa. Mas a completa adaptação e percepção de um novo país é um processo que, na minha experiência, leva pelo menos um ano.

Você observa, compara, comenta, questiona, se encanta ou se espanta e se surpreende a todo momento. Aquela confusão mental que dá quando mudamos nossa posição no mapa, mas nossas referências ainda estão em outro lugar. Falamos “Real” ao invés de “Euro”. Palavras bagunçadas por um cérebro super estimulado de descobertas. O velho dando lugar ao novo lentamente.

Sou tão apaixonada por estas sensações que ainda busco por elas sempre que ando pela cidade. Há sempre um detalhe novo pelo caminho, algo que sempre esteve ali no bairro e passou despercebido. Olho e ouço a cidade com atenção. Ela sempre tem algo inusitado a dizer. Essas novas sensações me enchem de alegria, mesmo quando o lugar não me cativa à primeira vista.

Segunda chance

Eu já tinha visitado Lisboa anos antes e, ao contrário da maioria, não morri de amores. Quando resolvemos mudar para a capital mais ensolarada da Europa, torcia para que minha segunda impressão fosse melhor. Não foi. Tentava enxergar beleza, mas via construções antigas e mal cuidadas.

Não sei dizer exatamente quando tudo mudou. Mas de repente me descobri fascinada pela cidade. Meu primeiro erro foi compará-la às outras capitais europeias, quando não há comparação possível. É porque Lisboa, minha gente, não vive de aparências. Lisboa é autêntica, livre, pura alma.

Meu segundo erro foi esperar ser seduzida, ter a presunção de acreditar que a cidade tinha que me conquistar. Mas cidades são ruas e casas à espera de significado. Serão feias ou lindas dependendo do que você vive nelas. É preciso entrega.

Atrever-se a olhar por trás de fachadas nem sempre tão bonitas e contemplar a vida portuguesa acontecendo genuína, sem frescura, descomplicada. E descobrir que o charme, afinal, reside todo aí.

Mas chegamos em 2015 e, de lá pra cá, Lisboa ganhou olhares atentos do mundo e virou a queridinha da Europa, ficando mais enfeitada. Nós nunca havíamos vivido numa cidade em tamanha e rápida transformação.

Novos ventos

Praça do Comércio Lisboa “Lisboa ganhou olhares atentos do mundo e virou a queridinha da Europa”                                 Crédito: Claudio Schwarz | Unsplash

Lisboa está cada vez mais bonita, descolada, radiante. Tem sido um prazer acompanhar o surgimento de uma cidade ousada e confiante. As ruas estão em constante mudança. Tantas restaurações, tanta novidade. Mas segue sendo uma capital com clima de cidade do interior. E na minha opinião tem o tamanho ideal: nem muito pequena que torne a vida entediante, nem muito grande que torne a vida estressante. Em vários cantos e becos, a capital ainda convida a desacelerar e apreciar sua essência, a graça da vida portuguesa, e ela que nos faz apaixonar.

Um sonho puxa o outro

Lembra do casal de australianos? Eles já não estão mais juntos e acabaram nunca seguindo os planos de viajar pelo mundo. Quando nosso amigo veio nos visitar em Lisboa, desta vez sozinho, nossa vida já estava bem diferente. Viramos pais de uma menininha alfacinha, termo usado para quem nasceu em Lisboa.

E criamos a nossa empresa: a Passeatta! Uma loja online de t-shirts com mensagens potentes e inspiradoras, mas que é também um movimento para que as mulheres expressem sua voz e estampem no peito o que acreditam, de forma customizada.

A Passeatta está crescendo aos pouquinhos e agora, além de enviarmos para toda Europa e outros países do mundo, tem produção e vendas também no Brasil. A desculpa perfeita para fugirmos do inverno português (que descobrimos não ser tão ameno assim), quando as pessoas ficam mais tristes e ranzinzas.

Desafios e turbulências

O combo ser pais de criança pequena, donos de empresa e expatriados é extremamente árduo. O completo oposto da vida leve que buscávamos. Nossos dias têm sido puxados e não há família por perto para proporcionar algumas horas de conforto.

Seja ter um filho, ter empresa ou morar fora, a premissa é a mesma: só quem vive consegue compreender as dores e delícias. Mas transitamos por esse período mais turbulento com a confiança de que irá passar. E ter Lisboa como cenário torna nossos dias, sem dúvida, mais prazerosos.

Foi preciso caminhar até aqui para me conhecer a ponto de criar meu próprio trabalho, do jeito que gosto e que me completa mais do que eu podia imaginar. Um mundo de coisas interessantes acontece quando a gente se coloca em movimento, a Passeatta foi apenas uma delas. Ainda anseio por mais boas surpresas no dobrar de cada esquina. “Realizar sonhos oxigena a vida”,  como diria uma das frases estampadas nas nossas camisetas.


NATHALIA CLARK é formada em jornalismo e criadora da @passeatta, uma marca presente na Europa e agora no Brasil, onde você cria sua própria t-shirt ou escolhe mensagens potentes de mulheres e projetos sociais. Ela ama a paz que sente em Portugal, mas sente falta da simpatia de (quase) todo brasileiro, faça chuva ou faça sol.

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