Os avanços tecnológicos na esfera da medicina são evidentes, assim como a adoção de estilos de vida saudáveis e a descoberta novos fármacos. Do ponto de vista epidemiológico, o aumento da expectativa de vida é indiscutível.
No entanto, os números sobre as mortes evitáveis de pacientes decorrentes de cuidados inseguros ainda são alarmantes, o que acarreta uma sobrecarga desnecessária para os sistemas de saúde e sofrimento e dor para seus familiares.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, estima-se que um em cada 10 pacientes está sujeito a um evento adverso enquanto recebe cuidados hospitalares em países de alta renda, e que 134 milhões de eventos adversos devido a cuidados inseguros ocorrem em hospitais em países de renda baixa e média, resultando em cerca de 2,6 milhões de mortes todos os anos.
É urgente que esse problema grave e de impacto generalizado seja prioridade dos governantes, gestores e líderes de instituições de saúde e que façam uso não apenas de melhorias na gestão, de tecnologias e da institucionalização de protocolos, mas também reconheçam que a empatia dos profissionais de saúde, chamada de empatia clínica, é uma ferramenta potente para alterar esse quadro.
A importância da empatia clínica no diagnóstico
Há fartas evidências de que a empatia clínica propicia diagnósticos com maior precisão, na medida em que incrementa a escuta atenta dos médicos e faz com que confiram mais importância ao que é narrado pelos pacientes; por outro lado, os pacientes revelam mais informações sobre a sua vida e a sua condição de saúde quando percebem que os médicos estão sendo empáticos.
Assim, a empatia contribui para menos falhas de diagnóstico. Ainda, pesquisas demonstram que aproximadamente metade dos pacientes que vive com doenças crônicas não segue o que foi prescrito nas consultas, seja porque não entendeu a prescrição, seja porque não se sentiu compreendido pelo médico (Medication adherence: Who cares?, de Marie Brown e Jennifer Bussell).
A empatia funciona como uma ferramenta poderosa para que o paciente se sinta entendido e confie no médico, o que estimula a adesão ao tratamento. Da mesma forma, o paciente se sente mais à vontade para perguntar sobre a prescrição e, consequentemente, segui-la.
A empatia funciona para evitar que quadros graves progridam e falhas na medicação ocorram; da mesma forma, contribui para menor tempo de internação, melhor manejo da dor e resultado clínico, o que traz consequências positivas para a qualidade do cuidado e a segurança do paciente.
Os sistemas de saúde e o cuidado empático
Embora se reconheça que a empatia é uma capacidade humana complexa e multidimensional que demanda esforço cognitivo e emocional para os profissionais de saúde, seus benefícios para a qualidade do cuidado e a prevenção de mortes e danos aos pacientes são amplamente comprovados, o que torna imperativo para os sistemas de saúde situar o cuidado empático como um valor central.
O cuidado empático tem repercussão positiva em relação à segurança do paciente e até na redução da mortalidade. Conforme estudo observacional publicado em 2019 no periódico norte-americano Anais de Medicina da Família, houve redução de óbitos em 50% dos 867 pacientes com diabetes tipo 2.
Numa pesquisa publicada no British Journal of General Practice envolvendo pacientes com câncer, constatou-se que o alto nível da capacidade empática da enfermagem concorreu para a redução da ansiedade, depressão e hostilidade dos pacientes.
Nessa linha, pacientes que percebem a empatia dos médicos quando discutem seu diagnóstico de câncer lidam melhor com a doença, buscam tratamento e grupos de apoio mais ativamente, quando comparados com pacientes que não apresentam essa percepção.
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Empatia clínica na oncologia
Outra pesquisa envolvendo casos oncológicos, publicada no Patient Education and Counseling, demonstrou que em consultas regulares de acompanhamento 72% dos pacientes revelaram que se beneficiaram da empatia do profissional.
Já em consultas que envolvem comunicação de más notícias, apenas os pacientes com altas habilidades emocionais (46%) se beneficiaram da percepção de empatia dos profissionais de saúde. Como essas consultas são particularmente difíceis, pacientes com menos recursos emocionais (54%) experimentam uma carga emocional e cognitiva muito elevada que impede que percebam e sejam beneficiados pela empatia do profissional, notadamente quando envolve mudança da abordagem curativa para a paliativa.
Já que estamos falando da comunicação entre o profissional e o paciente, ela é um elemento-chave do seu engajamento, aderência e satisfação. E, por outro lado, a comunicação difícil pode acarretar prejuízos emocionais, sociais e econômicos para o paciente.
Destaca- se que o risco de não aderência é acrescido em 19% quando essa comunicação é de baixa qualidade, de acordo com uma pesquisa bem recente, de 2022, que pode ser lida na revista científica de acesso aberto BJGP Open, do Royal College of General Practitioners.
Relação médico-paciente
Outro estudo informa que entre 40 a 80% da informação médica provida pelos profissionais são esquecidas imediatamente e quase metade do que é lembrado é incorreto (Pharmacy/2018). Vale lembrar que é um direito do paciente receber informação sobre o que acontece com ele de forma acessível e empática.
Nos Estados Unidos, para se ter uma ideia, problemas na comunicação são responsáveis por 82% da litigância relacionada à prática profissional nos cuidados em saúde (Academic Medicine/2014).
Outras pesquisas que comprovam a eficácia da empatia clínica: pacientes que receberam medicamento para dor de uma máquina precisaram de uma dose 50% maior, quando comparados aos pacientes que foram medicados pela enfermagem, conforme o livro The Compassionate Connection: The Healing Power of Empathy and Mindful Listening.
Vários estudos randomizados sugerem que o cuidado empático reduz a dor do paciente, enquanto melhora sua satisfação com a assistência recebida.
Capacitação empática
Podemos listar muitos e muitos e muitos estudos que comprovam os benefícios inquestionáveis da empatia nos serviços de saúde – uma habilidade profissional que estimula comportamentos pró-paciente, como aqueles que compartilham o poder das decisões e situam as necessidades, valores e preferências do paciente no centro do cuidado.
É o momento de governantes, gestores e líderes das instituições de saúde investirem na capacitação empática dos profissionais de saúde, para que melhorias na qualidade do cuidado e na sua segurança sejam alcançadas. São ações que implicam poucos recursos financeiros, mas vontade suficiente para prestar a melhor assistência, com a certeza de que o cuidado empático reverte, também, na sustentabilidade das instituições.
ALINE ALBUQUERQUE foi pesquisadora visitante no Programa de Empatia da Faculdade de Filosofia da Universidade de Oxford, é professora da pós-graduação em Bioética da UnB, Universidade de Brasília, e, pela mesma instituição, é coordenadora-geral do Observatório Direitos dos Pacientes. É diretora do Instituto Brasileiro de Direito do Paciente (IBDPAC) e da Pós-Graduação em Direito do Paciente da entidade, e membro da diretoria da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP).
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